Vale a pena visitar Rivera, a cidade dos free shops na fronteira do Brasil com o Uruguai?
Nossa colunista Giuliana Nogueira visitou a famosa cidade dos free shops e mostra que a região oferece muito mais do que "boas compras"
A fronteira entre o Brasil com o Uruguai, especialmente na região das cidades Santana do Livramento (BR) e Rivera (UY), é conhecida principalmente pela grande quantidade de free shops, onde os brasileiros podem comprar de vinhos e destilados a televisores e aparelhos de ar-condicionado por preços bem atrativos, do lado uruguaio, é claro. Mas será que vale a pena sair da sua cidade só para isso?
A resposta depende de onde você está. Para quem vive em Porto Alegre, pode valer a pena. Ainda sim, são cerca de 7 horas de estrada e, provavelmente, uma pernoite em algum hotel da região. Obviamente, quanto mais perto da fronteira, mais econômica a viagem. Mas se você mora longe e, assim como eu, ficar curioso para conhecer a região, ainda vale a pena?
Saí de São Paulo de avião rumo a Porto Alegre com um atraso de quase 2 horas no voo. Com um carro alugado, parti em direção a São Gabriel, onde, após 4 horas de estrada, pernoitamos uma noite. A parada era estratégica; na volta, paramos em Santa Maria, só para mudar de ares.
Para apenas duas noites em Rivera é bastante chão percorrido. Mas eu tenho uma meta a cumprir, que é visitar o maior número possível de vinícolas no Uruguai, e havia duas ali que faltavam na minha lista. Então, dependendo do propósito, a viagem vale a pena sim, especialmente para quem gosta de vinhos. A caminho da fronteira, estão vinícolas brasileiras como a Guatambú e a Cordilheira de Santana, que são excelentes produtores, além das gigantes Salton e Almadén. Mas como estamos aqui para falar do Uruguai, vamos para o outro lado. O que fazer em um par de dias em Rivera?
Compras
Se você por está ali, não há como evitar uma visita aos free shops de Rivera. Para quem deseja investir em vinhos e destilados, o Shopping China tem uma boa variedade de vinhos uruguaios e ainda possui uma belíssima adega no subsolo da loja, com vinhos do mundo todo. O Siñeriz Shopping possui uma vasta coleção de espumantes e rótulos europeus, além de contar com um setor expressivo de perfumaria, cosmético e vestuário. Rivera ainda conta com uma loja de queijos e outras iguarias uruguaias a preços bem atrativos; a Le Carroussel oferece parmesão, gruyère, ementhal, danbo, grana padano, além de produtos Conaprole e da Granja Narbona.
Parrillas
A cidade é peculiar. De um lado da avenida, você está no Uruguai, onde o atendente pode ser brasileiro, mas se você for ao supermercado, só encontrará produtos uruguaios. Do outro lado da avenida, no Brasil, é possível que a pessoa com quem esteja falando seja uruguaio e fale português fluentemente, mas os produtos nas prateleiras são brasileiros. E assim, os preços também mudam bruscamente de um lado para o outro, dependendo do item, por isso é sempre bom pesquisar.
Claro que essa mudança também se aplica à gastronomia. As parrillas do lado uruguaio são atrativas em termos de relação custo/qualidade. Há marcas famosas como La Perdiz, filial da conhecida casa de Montevidéu, e uma grande quantidade de parrillas espalhadas pela cidade, considerando o número de habitantes da região.
No entanto, uma delas é praticamente unânime em todas as indicações: a Lo de Beto. A parrilla tem como principal atração o próprio Beto, que pessoalmente cuida do fogo à moda uruguaia, com lenha. Desde cortes clássicos como o assado de tira, o vazio e o entrecôte, até os menos convencionais como os miúdos, chinchulin, mollejas e rins, em se tratando de carne, é praticamente uma parada obrigatória. A Lo de Beto abre de terça a sábado apenas para o jantar, sendo que o almoço é servido apenas aos sábados. Para quem procura uma opção de parrilla para este horário durante a semana, o Morano Restaurant é outra boa opção. O local é simples, o menu é amplo, incluindo pizzas, pastas e sanduíches, mas sem dúvida, as carnes são as estrelas e, neste sentido, o restaurante entrega o que promete.
Vinícolas
Existem duas vinícolas em Rivera que recebem turistas. Elas estão localizadas a cerca de 10 minutos uma da outra e aproximadamente a 25 minutos do centro da cidade
Bodega Cerro Chapéu
A mais conhecida dos turistas tem uma história antiga. Pertencente à família Carrau, tradicional no ramo, é administrada pelos irmãos Francisco e Margarida Carrau. A vinícola está localizada muito próxima à fronteira com o Brasil, tanto que a área de degustação fica do outro lado da estrada, no país vizinho. A moderna vinícola processa suas uvas e vinhos totalmente por gravidade, um sistema pioneiro na América Latina.
O belo prédio, integrado à paisagem, possui três andares subterrâneos escavados dentro de um cerro, o que ajuda a manter a temperatura de 18 graus o ano todo naturalmente, independente de inverno ou verão, sem a necessidade de refrigeração. A vinícola mantém suas linhas mais antigas, como a Castel Pujol, mas também investe em vinhos de perfil mais jovem e de baixa intervenção, batizados de Folklore. No prédio onde são realizadas as degustação, além de desfrutar de uma caprichada tábua de frios e empanadas, é possível provar vinhos de diversos estilos em um local com vista privilegiada. É comum que as degustações terminem com um brinde ao pôr do sol.
A Cerro Chapéu também possui uma casa central onde atualmente se hospedam familiares, amigos e convidados da vinícola, mas um projeto para transformar o local em uma pousada para turistas está prestes a sair do papel. Vale a pena ficar de olho, pois o espaço é encantador e oferece uma tranquilidade ímpar.
Bodega Viña 636
Uma das atrações mais preciosas no Uruguai são, justamente, as pequenas vinícolas, onde frequentemente você é recebido pelo proprietário, enólogo ou alguém próximo a eles. Claro que nem sempre esses lugares têm uma mega infraestrutura para receber. Geralmente, é preciso marcar a visita com boa antecedência, mas quando ela acontece, é uma experiência autêntica que você encontrará por lá, sem afetações nem cenários.
Foi assim que encontrei Thiago Gutiérrez, enólogo da vinícola cujo pai, contador, comprou a terra anos atrás sem experiência alguma no assunto. O contato pelo Instagram demorou um pouco, mas valeu a espera. A degustação ocorreu em sua área de produção. Thiago descreve sua vinícola como purista, procura trabalhar com mínima intervenção, não gosta de usar barricas e busca a mais pura tradução do terroir em seus vinhos.
O local é pequeno, com poucos hectares de vinhedos cercado por pinheiros, onde se nota a presença da fauna nativa. Cada produção é pequena, mas elaborada cuidadosamente. Seus vinhos agradam, assim como sua conversa em português perfeito, que aprendeu assistindo à televisão brasileira durante a infância. Petiscando pães e queijos, entre uma taça e outra, mal se vê o tempo passar, e tenho a certeza de que são experiências que fazem valer a longa viagem até lá.
*Os textos publicados pelos Insiders e Colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do CNN Viagem & Gastronomia.