Um novo problema para a aviação: vespas
Insetos encontraram em instrumento na parte externa das naves o local perfeito para montarem ninhos
Um minúsculo inseto que escapou dos rígidos controles de biossegurança da Austrália está se multiplicando e ameaçando a segurança dos aviões no aeroporto de Brisbane.
Nativa da América Central, do Sul e do Caribe, a vespa de nome científico Pachodynerus nasidens (conhecida como keyhole wasp em inglês, ou vespa buraco de fechadura) causou problemas no aeroporto da costa leste da Austrália pela primeira vez em 2013, quando forçou um A330 da Etihad Airways com destino a Cingapura a voltar minutos após o início do voo.
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Uma vez no solo, os trabalhadores da manutenção descobriram que o tubo de Pitot do piloto (o instrumento oco na parte externa do avião que mede a velocidade do ar) estava quase completamente bloqueado por barro, de acordo com um relatório do Australian Transport Safety Bureau.
Para as vespas, os tubos de Pitot são a cavidade perfeita para construir um ninho muito rapidamente – para se ter uma ideia, o avião da Etihad havia ficado na pista por apenas duas horas antes de decolar naquele dia.
“Temos relatos anedóticos da equipe de solo em Brisbane de que um avião que chegou ao portão e em questão de dois ou três minutos uma vespa já estava voando ao redor do nariz do avião para dar uma olhada no tubo”, disse Alan House, um ecologista da Eco Logical Australia.
House trabalhou com especialistas do aeroporto de Brisbane, da companhia aérea australiana Qantas e da consultoria ambiental Ecosure para produzir um dos primeiros estudos do mundo sobre o impacto de vespas em tubos de Pitot. Encomendado pela Brisbane Airport Corporation, ele foi publicado esta semana na revista científica (de acesso aberto) “Plos One”.
Os pesquisadores dizem que, sem o gerenciamento adequado, há o risco de as vespas viajarem para outros aeroportos australianos e até mesmo para países próximos com as condições semitropicais certas para que possam prosperar.
“Quando fizemos algumas pesquisas gerais sobre o tema, percebemos que a questão não era apenas um inconveniente, que seria suficiente limpar as peças e espantar as vespas; o problema poderia realmente levar a acidentes graves”, relatou House.
Um instrumento importante
Montados na frente dos aviões, os tubos de Pitot executam a importante tarefa de enviar informações de volta à cabine do piloto sobre a velocidade de movimento do ar. Isso indica o quão rápido o avião está viajando – se muito devagar, há o risco de estolar; se muito rápido, ele pode funcionar mal de outras maneiras.
Quando os tubos de Pitot não funcionam, o A330 muda automaticamente para o modo manual, forçando os pilotos a assumir os controles. Foi o que aconteceu com o voo da Etihad e, na prática, a razão para os pilotos voltarem para o aeroporto naquele dia.
Não houve incidentes graves no aeroporto de Brisbane devido às vespas, mas acidentes em outros lugares foram relacionados ao inseto. Um exemplo foi o voo 301 da Birgenair que caiu na costa da República Dominicana em fevereiro de 1996, matando 189 passageiros e tripulantes. O relatório do acidente disse que a “causa provável” do bloqueio do tubo do Pitot foi “lama e/ou detritos de um pequeno inseto” que entraram enquanto a aeronave estava no solo. Em 2018, a Autoridade de Segurança da Aviação Civil da Austrália (Casa) emitiu um alerta para pilotos, companhias aéreas e aeroportos do país sobre os perigos da infestação de vespas. Tubos de Pitot bloqueados podem causar a perda total dos indicadores de velocidade do ar e altitude, o que seria “perigoso”, alertou o boletim.
A Casa aconselhou as companhias aéreas a cobrir os tubos de Pitot enquanto aguardam a decolagem no aeroporto de Brisbane. No entanto, a medida não é obrigatória, por isso os ninhos continuam aparecendo. No
total, 26 incidentes foram relatados entre novembro de 2013 e abril de 2019, de acordo com o estudo do Aeroporto de Brisbane.
Vespas habilidosas
As primeiras vespas da espécie Pachodynerus nasidens foram detectadas no porto de Brisbane em 2010. O estudo afirma, no entanto, que elas devem viver na região desde pelo 2006. Não se sabe como chegaram à Austrália, mas acredita-se que tenha sido provavelmente de navio.
De acordo com a CASA, elas devem viver no aeroporto de Brisbane desde 2012 e não parecem ter se espalhado para nenhuma outra cidade australiana, embora tenham sido vistos no Aeroporto Emerald, um pequeno centro regional a mais de 800 quilômetros de distância.
Para o estudo, os pesquisadores usaram impressoras 3D para imprimir réplicas de tubos de Pitot em aviões dos modelos Boeing 737 e 747, Airbus A330 e os pequenos Dash 8, comumente usadas por companhias aéreas regionais. As réplicas foram posicionadas em quatro locais ao redor do aeroporto e monitoradas por 39 meses.
Naquela época, havia 93 casos de instrumentos totalmente bloqueados, e quase todos foram construídos nos meses mais quentes entre novembro e maio.
A maioria dos ninhos ficava perto da área gramada do aeroporto, de acordo com o coautor do estudo, Jackson Ring, coordenador de planejamento e manejo da vida selvagem no Aeroporto de Brisbane. As vespas coletam lagartas da grama e as enfiam nos tubos de Pitot como alimento para seus descendentes.
Ring conta que os gestores da vida selvagem estão usando pesticidas orgânicos indicados para matar as lagartas e, até agora, conseguiram cortar a atividade das vespas perto dos terminais internacionais e domésticos em 50%.
“Tratamos cerca de 120 hectares (1,2 quilômetros quadrados) do campo de aviação, que é uma forma seletiva de remover essa fonte de alimento e tornar as áreas onde as aeronaves estão estacionadas e vulneráveis à infestação de vespas indesejáveis para essa espécie”, contou Ring.
Apresentar predadores, como pássaros, por exemplo, não é uma opção por motivos óbvios. Antes da chegada das vespas, Ring passava a maior
parte de seu tempo tentando assustar a vida selvagem para evitar colisões de pássaros e outros encontros perigosos entre animais e aviões.
Podem ser erradicadas?
A vespa não é classificada como uma praga agrícola e não é um vetor de doenças humanas. Portanto, apesar de sua condição de visitante indesejada, não há um plano oficial do governo para erradicá-la, disse House.
A vespa também é uma criatura muito engenhosa e não faltam locais que servem como seus criadouros.
“Ela pode construir seu próprio ninho se quiser, pode usar ninhos antigos de outros tipos de vespas e se apropriar de qualquer canto e fenda para isso. Existem muitíssimos lugares assim em todo o aeroporto, por toda parte, em todos os lugares, praticamente”, disse House.
“Elas são muito obstinadas. Só precisam encontrar um local para o ninho. Colocam uma lagarta para alimentar a cria, um ovo e selam o ninho”.
Como a maioria dos aeroportos ao redor do mundo, o tráfego caiu substancialmente no Aeroporto de Brisbane durante a pandemia do coronavírus. Desde julho, os voos internacionais para a Austrália têm sido limitados pela capacidade de viajantes que retornam, e as fronteiras estaduais foram fechadas para conter surtos locais. Os aviões ficaram estacionados por meses, com seus tubos de Pitot cobertos para evitar a infestação.
No entanto, na terça-feira (1º) o tráfego aumentará novamente com o fim de algumas restrições nas fronteiras estaduais da Austrália, o que significa que haverá mais aviões indo e vindo e mais oportunidades para as vespas causarem problemas.
De acordo com o estudo, as vespas dessa espécie também são encontradas no sul dos Estados Unidos e em várias ilhas do Pacífico, incluindo Havaí, Polinésia, Micronésia e Japão.
Os pesquisadores estão trabalhando com operadores de aeroportos em Papua Nova Guiné e Fiji, onde também foram relatados incidentes parecidos. Eles também enviaram tubos e componentes impressos em 3D para Honolulu para estudos semelhantes.
House disse que os pesquisadores não querem dar a impressão de que não é seguro voar de e para Brisbane. Na verdade, ele disse, é mais seguro do que há alguns anos, quando eles sabiam menos sobre o perigo das vespas.
Segundo House, a vespa Pachodynerus nasidens pode ser pequena, mas sua ameaça à aviação não pode ser ignorada.
“O mundo todo dá muita atenção a outras questões de gestão da vida selvagem nos aeroportos, especialmente as aves, porque são obviamente vistas como um grande perigo para voar”, explicou House.
“Algo como uma vespa é visto como um risco de baixo nível. As chances de alguma coisa acontecer são muito pequenas, mas ainda assim presentes”.
(Texto traduzido, leia o original em inglês)