Por dentro dos hotéis coloridos da Coreia do Norte; veja fotos
James Scullin lança livro 'Hotels of Pyongyang' contando curiosidades sobre as instalações para turistas do país norte-coreano
Foto: Reprodução/Nicole Reed
Para muitos viajantes, passar muito tempo em um hotel significa que você não aproveitou o destino adequadamente. Mas, na Coreia do Norte, o oposto é verdadeiro.
Para James Scullin, que já visitou o Reino Eremita oito vezes como profissional de turismo, os hotéis foram o ponto alto da viagem – e uma das únicas maneiras de conhecer os habitantes locais em um ambiente social. Essa é a premissa de seu novo livro, “Hotels of Pyongyang” (“Hotéis de Pyongyang”, sem tradução no Brasil), com texto de Scullin e fotografias de Nicole Reed.
“Grande parte do mundo está globalizado agora. São raros os lugares onde você pode encontrar uma cultura e aparência únicos”, diz Scullin.
Depois de se mudar da China de volta para sua cidade natal, Melbourne, na Austrália, ele se conectou com Reed, especializada em retratos e fotografia de arquitetura. Os dois passaram cinco dias juntos em Pyongyang fotografando hotéis e as pessoas que trabalham neles.
“Engano visual” A Coreia do Norte tem tantos edifícios e estruturas interessantes para fotografar que a pergunta é válida: por que hotéis?
O australiano visitou o país pela primeira vez em uma excursão de turismo aprovada pelo governo, e depois se ofereceu para liderar viagens pela mesma empresa. À medida que se familiarizava com o layout de Pyongyang, Scullin notava outros hotéis em que não havia se hospedado antes e perguntava aos guias se poderia visitá-los.
“A gente vai para os mesmos lugares [na Coreia do Norte] o tempo todo: os mesmos museus, monumentos, estações de metrô”, contou Scullin. Como todo o turismo na Coreia do Norte é rigidamente controlado pelo governo, os viajantes geralmente se concentram em lugares como a DMZ (a zona fronteiriça) e a Praça Kim Il Sung.
Os hotéis forneciam uma das únicas maneiras seguras de um visitante estrangeiro conseguir alguma variedade sem ir a algum lugar da lista de perigo.
“Eu queria explorar pessoalmente os empreendimentos, mas também documentar esses hotéis em Pyongyang que atendem viajantes internacionais”, explicou.
“É irônico que um país tão isolacionista tenha tantos hotéis. Acho que foi essa justaposição que realmente deu início à ideia (do livro). Os hotéis são a Coreia do Norte que eles querem mostrar aos estrangeiros. O que um país isolacionista deseja que os visitantes levem como lembrança? É um engano visual de certa forma”.
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Foto: Reprodução/ Nicole Reed
Piscinas? Sim. Serviço de quarto? Não.
A fotógrafa Reed percebeu algo rapidamente ao chegar a Pyongyang – sua bebida preferida.
“O café era muito importante para mim”, contou. “E não podíamos tomar café em nenhum lugar, exceto nos cafés dos hotéis. Foi um destaque, portanto”.
Mas esses cafés também acabaram se tornando alguns dos lugares favoritos de Reed por mais razões do que a disponibilidade de cafeína.
Ela estava ansiosa para fotografar pessoas que trabalhavam nos hotéis, e fazer isso muitas vezes exigia negociações com gerentes ou outros executivos. Durante o tempo de inatividade, ela e Scullin podiam apenas bater papo com os trabalhadores norte-coreanos e conhecê-los casualmente, assim como as pessoas fazem com novos amigos em cafeterias de todo o mundo.
Os hotéis tinham uma mistura de amenidades. Bares, salas de karaokê e piscinas estavam por toda parte, mas não havia serviço de quarto ou Wi-Fi. Favorito tanto de Scullin como de Reed, o Koryo tem um restaurante giratório no último andar.
Scullin compara o design interior de muitos dos hotéis aos filmes de Wes Anderson: cores primárias brilhantes, color block e simetria. Cada hotel também tem seu próprio emblema. Para turistas acostumados com logotipos de hotéis, isso pode não parecer digno de nota. No entanto, a Coreia do Norte geralmente é livre de marcas – não há anúncios, comerciais na TV nem outdoors.
Esses emblemas inócuos ajudam cada hotel a se destacar, mas também desmentem a imaginação da superfície aparentemente uniforme logo abaixo.
E apesar de todos os hotéis do país serem estatais, cada um tem uma gestão própria e foi projetado por pessoas diferentes, proporcionando assim uma rara amostra da criatividade local.
“A criatividade existe em qualquer circunstância”, contou. “Os hotéis são, em essência, uma desculpa para alguém expor suas ideias”.
Porém, algumas coisas não puderam ser capturadas pelas câmeras. Scullin diz que um dos maiores contribuintes para a “vibe” geral do país foram as onipresentes canções revolucionárias norte-coreanas, que sempre tocavam ao fundo nos hotéis.
Aprendendo a desapegar
A fotógrafa Reed conta que costuma trabalhar com a câmera conectada ao laptop, para poder ver e ajustar as imagens em tempo real. Mas ela não queria levar seu laptop com ela para a Coreia do Norte, então viajou apenas com seu equipamento mais básico.
Embora tenha passado apenas cinco dias no país, ela sente que sua viagem foi mais significativa do que o normal, porque ela não passou horas do dia em seu computador ou usando as redes sociais.
“Eu não sabia como conseguiria sobreviver sem meu telefone, mas, depois de meio dia sem ter essa tecnologia, adorei”, contou. “Prestei muito mais atenção às pessoas e tudo o mais que estava ao meu redor. Isso permite que você aproveite muito melhor o tempo”.
Scullin concorda – ele viu como as pessoas nas viagens em grupo que organizou tiveram uma experiência mais profunda sem seus celulares onipresentes. A ausência também incentiva mais conversas, já que as pessoas não ficam grudadas no Twitter ou Instagram.
“A gente precisa encontrar oportunidades para se misturar”, aconselhou o profissional de turismo para possíveis visitantes de Pyongyang. “Se você tem um bom relacionamento com os guias e pergunta ‘podemos dar um passeio esta noite?’, eles vão ligar para o chefe e perguntar se têm permissão para levá-lo a algum lugar”.
Tanto Scullin quanto Reed dizem que algumas de suas experiências mais fascinantes foram simples, como ver os norte-coreanos fazendo compras em um supermercado, cantar em uma sala de karaokê ou visitar um spa.
No entanto, foram nos hotéis que aconteceram as interações interpessoais mais significativas.
“Há lugares frequentados pelos locais que são proibidos aos estrangeiros, então é preciso ficar no hotel. Muitas pessoas veem isso como uma armadilha, mas para mim é ótimo porque é onde você pode sair com os guias”, opinou Scullin.
“Contanto que você não fale sobre Kim Jong Un ou o programa de mísseis, você pode ter conversas realmente interessantes com os guias locais. Isso é o que realmente me atrai em passar um tempo nesses hotéis. Esses guias têm muito a compartilhar sobre o país, se você puder falar sobre isso de forma respeitosa”.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).