‘Nunca vou me esquecer do encontro com Anthony Bourdain’

CNN Brasil vai exibir 'Anthony Bourdain', um dos programas de gastronomia e viagem de maior prestígio já produzidos na televisão mundial

Steve Hurlbert , da CNN

Anthony Bourdain
Anthony Bourdain
Foto: CNN

A CNN Brasil vai exibir “Anthony Bourdain”, um dos programas de gastronomia e viagem de maior prestígio já produzidos na televisão mundial. A estreia será no dia 6 de setembro, às 18h30.

“Anthony Bourdain” é uma produção original da CNN americana. Na versão da CNN Brasil, a apresentação será do chef e apresentador André Mifano.

Abaixo, confira o relato de Steve Hurlbert, diretor de comunicações do Winter Park Resort Colorado e um admirador de longa data de Anthony Bourdain, que morreu em junho de 2018.

Cerca de cinco anos atrás, após um evento de trabalho em Nova York, meu colega e amigo Jeff Hanle e eu acabamos em um bar não muito longe de Columbus Circle.

Não lembro o nome do bar, e não tenho certeza se conseguiria encontrá-lo novamente sozinho.

Mas nunca vou me esquecer da ocasião, porque foi a noite em que conheci Anthony Bourdain.

Era o tipo de lugar que exalava personalidade. Antes de entrar, dava para perceber que era um verdadeiro boteco de bairro, perfeito para dois caras do Colorado em busca de uma autêntica experiência nova-iorquina e de uma bebida.

Embora não fosse muito tarde (talvez dez da noite), o lugar estava bem vazio. Um casal se espremia em uma mesa de canto e um homem estava sentado sozinho no bar.

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Jeff e eu fomos até o bar, sentamos a alguns banquinhos do homem, que nem piscou quando nos sentamos.

Depois de pedir duas cervejas, Jeff me cutucou com o cotovelo.

“Acho que é o Anthony Bourdain”, ele murmurou baixinho.

“Impossível”, eu sussurrei de volta, balançando a cabeça.

Para ser justo com Jeff, o cara de fato se parecia com ele. Os traços inconfundíveis – cabelo grisalho, o corpo alto e esguio, perceptível mesmo de sua posição no banco do bar – me fizeram olhar novamente. A pessoa com certeza poderia ser um imitador de Anthony Bourdain incrivelmente convincente.

Talvez até um sósia de Bourdain enviado pelo próprio para eventos aos quais não quisesse.

Mas o Bourdain de verdade? Aqui? Sem chance.

No episódio final da série, Bourdain retornou ao Lower East Side de Nova York

O encontro casual de Steve Hurlbert com Anthony Bourdain deixou uma marca profunda.

Foto: David Scott Holloway/CNN

Dos literalmente milhares de bares na cidade de Nova York, eu não conseguia acreditar que havíamos acabado aleatoriamente no bar que Anthony Bourdain supostamente frequentava. (Mais tarde, fiquei sabendo que Bourdain morava perto do Columbus Circle e do bar, The Coliseum, que desde então fechou as portas.)

Mas e se fosse ele mesmo, pensei, e sem palavras criamos um plano para descobrir isso.

Jeff puxou conversa com o atendente, perguntando sobre o bar e a vizinhança. “Aqui já é considerado Upper West Side?”, ele perguntou de um jeito indiferente.

“Ainda não, mas é perto”, o suposto sósia de Bourdain interrompeu antes que o barman pudesse responder.

E então soubemos. Era ele. Era Anthony Bourdain!

E ele estava falando com a gente!

Admiradores de longa data de seu trabalho, Jeff e eu ficamos chocados, mas tentamos ficar calmos e fizemos o nosso melhor para agir normalmente, como se essa fosse qualquer outra conversa aleatória que alguém pudesse ter com um estranho simpático no bar.

Conversamos vagamente sobre o bairro e Nova York em geral por cerca de dez minutos antes de ele estender um longo braço direito em nossa direção, tornando-o oficial.

“Oi, eu sou Tony”, ele disse de forma calorosa, apertando nossas mãos enquanto um leve sorriso aparecia em seu rosto.

Nós nos apresentamos, mal perdendo o ritmo, antes de continuarmos a conversa, que acabou tomando um caminho sinuoso – como costumam fazer grandes conversas com pessoas surpreendentemente interessantes.

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Não falamos sobre comida, viagens ou TV. Jeff e eu nunca mencionamos que grandes fãs éramos ou fizemos qualquer referência à sua fama ou celebridade.

Suponho que estávamos pensando, com base em nossa impressão limitada de Anthony Bourdain, que ele apreciaria uma conversa real com pessoas reais muito mais do que fãs bajuladores pedindo autógrafos e selfies.

Em vez disso, nós três discutimos alguns dos temas mais importantes da vida: paixão, dor e felicidade. A certa altura, houve um longo discurso sobre os estoicos, antigos filósofos gregos que, em termos mais simples, acreditavam que nossa felicidade não depende de bens materiais externos, mas de nossa própria virtude.

Falamos sobre a crença dos estoicos de que tratar bem os outros nos livra de ser controlados por pressões externas que se manifestam em sentimentos como inveja e medo. (Um filósofo de profissão pode dizer que mal tocamos a superfície do tema e, ainda assim, foi uma discussão fascinante.)

Não fiquei surpreso com a inteligência óbvia de Bourdain, mas admito que fiquei impressionado. O que mais me impressionou não foi seu jeito com as palavras nem o conhecimento claro de tantas coisas – foi o jeito como ele ouvia.

Tony nos fez perguntas sobre nossas vidas e o que aprendemos por meio de nossas próprias experiências, refletidas tanto pelo prisma do estoicismo quanto pela vida em geral. Parecia genuinamente interessado no que tínhamos a dizer, apesar (ou talvez por causa) do fato de que nossas vidas eram tão diferentes da dele.

Aqui estávamos nós, dois caras na cidade para um evento de divulgação dos resorts de esqui do Colorado, o negócio em que trabalhamos, e aqui estava Tony, uma celebridade premiada que provavelmente tinha acabado de sair de um avião de algum local exótico para filmar “Parts Unknown”.

No dia seguinte, Jeff e eu voaríamos de volta para Denver, e Tony, bem, quem sabe para onde ele iria em seguida. Rússia? Las Vegas? Tailândia?

E, no entanto, ele se interessava por nós, por nossas histórias.

Ao compartilhar detalhes sobre relacionamentos, vitórias passadas e, mais importante, derrotas, senti Tony ouvindo atentamente e sem julgamento. Ele expressou um nível de interesse que não tenho de meus próprios amigos ou família.

Tony esteve presente naquela noite conosco no bar, tal como o vimos estar com as pessoas que encontra ao longo das suas viagens. Estivesse com o povo do Congo ou com os chefs do agitado bairro de Koreatown em Los Angeles, ele certamente estaria prestando atenção também. Não era um papo cotidiano ou conversa fiada – e naquela noite Jeff e eu sentimos isso pessoalmente.

Bourdain comendo em restaurante com dois amigos em Los Angeles
Anthony Bourdain compartilha uma refeição com o chef Roy Choi e o proprietário do restaurante Roy Kim no Dong Il Jang, em Koreatown de Los Angeles.
Foto: Zero Point Zero

Depois de um tempo, quando a conversa começou a chegar a um fim natural, Tony se levantou do banquinho, apertou nossas mãos novamente e nos agradeceu sinceramente pela conversa.

“Vocês me deram muita coisa para pensar”, falou (fazendo um comentário que me surpreende até hoje), antes de sair do bar e sumir pela cidade.

Jeff e eu ficamos sentados sem palavras por vários minutos depois, espantados com o encontro surpresa. Não apenas tivemos uma interação incrível com uma celebridade, como ela foi de grande significado.

Quando soube que Anthony Bourdain havia morrido, minha mente voltou-se imediatamente para esta noite no bar. Embora ele, sem dúvida, tenha deixado uma impressão, ainda fiquei surpreso com o quanto a notícia de seu suicídio me afetou. Eu socializei com o cara por talvez duas horas em uma quarta-feira aleatória em setembro, meia década atrás.

E, no entanto, eu nunca vou esquecer isso.

Com o passar do tempo, passei a ver nosso encontro como um presente – não apenas de passar um tempo ao lado de Tony, mas também de sua percepção e humanidade – um testamento do tipo de pessoa que ele era e do tipo de pessoa que todos aspiramos ser.

Steve Hurlbert é diretor de Relações Públicas/Comunicação do Winter Park Resort no Colorado. Quando não está nas pistas de esqui, é um leitor, escritor e admirador de longa data de Anthony Bourdain.

(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).

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