“Nem um minuto de tédio”: casal troca Canadá por antiga região soviética
Professores se mudaram para Uzbequistão, que ficou sob regime da URSS até 1991
Os professores Zora e Dave Keffer, do Canadá, já estavam acostumados a explorar o mundo. Prova disso é que passarem oito anos vivendo nos Emirados Árabes Unidos antes do nascimento da filha, no final dos anos 1990, o que os levou de volta ao seu país de origem.
Assim, quando a filha cresceu e se formou, o casal encontrou uma oportunidade de ensino na Ásia Central e decidiu pegar a estrada novamente, numa aventura que os levou primeiro ao Cazaquistão e, mais tarde, a uma pequena cidade no Uzbequistão, que ficou sob regime da URSS até 1991.
Apesar do receio inicial de terem ido parar numa antiga e austera região soviética, sujeita a quedas de energia e ondas de calor insuportáveis, o casal afirma que a mudança foi uma experiência incrível, que trouxe benefícios não encontrados no Ocidente.
Segundo Zora, originalmente da antiga Tchecoslováquia, eles “acharam que era hora de retomar nossa vida nômade” depois que a filha saiu de casa. Quando descobriram que o Cazaquistão estava em busca de professores, o casal pensou que “parecia um projeto interessante” e se inscreveu, passando quase cinco anos lá.
“Acho que a maioria das pessoas não tem ideia de quão grande o país é geograficamente e de quantas minorias vivem lá”, comenta ela.
Nova aventura
Após encerrarem o trabalho no Cazaquistão, os Keffer aceitaram um contrato no Kuwait e acabaram “presos” no país durante a pandemia de covid-19. Quando as restrições de fronteira começaram a ser flexibilizadas, estavam prontos para algo novo mais uma vez.
“Às vezes é difícil voltar à vida normal”, comenta Zora sobre a vontade de continuar mudando de lugar. “Você acaba vivendo uma existência altamente imprevisível. Às vezes é frustrante, mas é empolgante”.
Em março de 2020, Zora e Dave receberam uma proposta para trabalhar em uma escola para “crianças superdotadas” no Uzbequistão e começaram a considerar a possibilidade de se mudarem para lá.
Embora não estivessem muito entusiasmados ao pesquisarem sobre Nukus, a sexta maior cidade do Uzbequistão, e encontrarem uma descrição pouco inspiradora, decidiram dar uma chance.
Quando chegaram ao Uzbequistão, em 2020, Zora ficou impressionada com a arquitetura do país, descrevendo-a como “uma mistura de prédios utilitários e sem graça da era soviética ao lado de arranha-céus modernos”.
Embora o país ainda estivesse “sob a nuvem da Covid”, Zora e Dave, que tinham um visto de trabalho com múltiplas entradas, adaptaram-se relativamente bem e foram calorosamente recebidos.
“Os moradores locais são extremamente educados e amigáveis”, diz Zora. “Dave e eu tivemos a sorte de participar e aproveitar muitas das tradições que uma sociedade tão colorida oferece.”
Diferenças culturais
Embora a vida em um país como o Uzbequistão possa ser difícil para os recém-chegados, Zora explica que a experiência no Cazaquistão facilitou a adaptação.
“Tudo é Ásia Central”, diz ela. “Ambos são ex-repúblicas soviéticas. Culturas muito parecidas. Então o Uzbequistão não foi um choque cultural”.
Apesar de inicialmente terem suas reservas sobre Nukus, com uma população estimada em cerca de 329 mil habitantes, eles adoraram morar lá e se sentiram à vontade na comunidade.
“As pessoas adoram praticar inglês”, diz Zora. “É realmente engraçado. Elas te param o tempo todo, querendo conversar (em inglês).”
Como nem Zora, nem seu marido falam uzbeque, eles costumavam usar o Google Tradutor para se comunicar com os locais. “O Google Tradutor é seu melhor amigo aqui”, acrescenta.
Uma das coisas que Zora mais amava no Uzbequistão era o fato de estar sempre vivendo novas experiências. “Nunca é entediante”, ela diz. “Aqui não tem nem um minuto de tédio”.
No entanto, havia algo com o qual ela nunca conseguiu se acostumar: as frequentes quedas de energia, que começaram por volta da época em que a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022.
“Faz muito calor aqui”, comenta. “E quando o ar-condicionado não funciona, não é nada divertido. Isso posso te garantir”.
Ela continua: “Você tem que ser muito flexível, porque nunca sabe o que vai acontecer. Flexibilidade é a prioridade. Esse não é um lugar para pessoas rígidas”.
Embora Zora e o marido tenham se adaptado facilmente à vida no Uzbequistão, ela ressalta que contar com o apoio um do outro fez toda a diferença, e provavelmente é muito mais difícil para quem se muda sozinho.
“É uma comunidade pequena”, diz ela sobre Nukus. “Você definitivamente não encontra o mesmo número de expatriados como em Tashkent, por exemplo, a capital.”
“Aqui não é assim, porque é uma cidade pequena. Então, você tem que se esforçar um pouco mais para conhecer pessoas”.
Força da comunidade local
Zora, que relatou suas experiências em um blog, conta que ficou impressionada com a força da comunidade local e como seus integrantes estavam sempre dispostos a ajudar uns aos outros.
“A comunidade aqui é muito mais forte”, afirma. “As famílias são mais unidas. Perdemos um pouco disso no Ocidente, se é que você me entende.
“As pessoas ainda dependem muito umas das outras, até certo ponto. Porque aqui não há a mesma rede de proteção social. Então, realmente é uma necessidade. Se algo der errado, você conta com sua família”.
Embora passassem grande parte do tempo em Nukus, Zora e Dave viajavam para a capital, Tashkent, a cada seis semanas ou mais, para “um final de semana relaxante.”
Em 2021, o casal tirou uma folga do trabalho para explorar as cidades da antiga Rota da Seda — Samarcanda, Bukhara e Khiva.
“Não consigo imaginar deixar o Uzbequistão sem ver essas cidades lendárias,” diz ela. “São realmente incríveis. É como voltar no tempo e entrar numa daquelas histórias de ‘As Mil e Uma Noites’. É mágico.”
Zora e Dave ficaram impressionados com Khiva, uma pequena cidade localizada no sudeste do Uzbequistão.
“As pessoas não sabem muito sobre Khiva, porque não fica na mesma região que Samarcanda e Bukhara”, explica, antes de descrever a “experiência assustadora” de subir no minarete Islam Khodja, que mede 45 metros.
“Muita gente passa batido, mas é também uma cidade maravilhosa, com uma arquitetura lindíssima”.
Quando perguntada sobre o que mais gostava de viver no Uzbequistão, Zora não hesita em dizer: seus alunos.
“As crianças aqui são tão educadas”, diz ela. “Isso é, na minha opinião como professora, o maior ponto positivo, porque não temos problemas de disciplina”.
Zora também elogia a culinária uzbeque, descrevendo as frutas e verduras como “de outro mundo”.
“São muito melhores, comparadas ao que temos no Canadá ou na América do Norte devido ao clima,” afirma.
“Aqui você tem sol o tempo todo. E o sabor é incrível comparado aos produtos de supermercado no Canadá.”
País em desenvolvimento
Embora tenham achado o Uzbequistão muito acessível, Zora observa que isso é “relativo”, pois eles ganhavam um “salário razoável”.
“Se estivéssemos ganhando um salário local, obviamente não seria tão barato”, pontua Zora.
Quando perguntada sobre o que mais sentia falta do Canadá, a professora confessa que assistir a grandes lançamentos de cinema sem dublagem estava no topo da lista.
No entanto, o casal conseguiu assistir a alguns balés e apresentações de dança moderna ao vivo em Tashkent.
“Isso é um grande ponto positivo”, comenta. “Porque os ingressos são muito baratos para nós. E os espetáculos eram maravilhosos. Então você precisa focar nisso. Sem filmes, mas com danças incríveis”.
O casal também participou de celebrações tradicionais, como o Nowruz, o festival que marca o Ano Novo persa, um feriado oficial no Uzbequistão todo dia 21 de março.
“Ferver um pudim em um enorme caldeirão por 10 horas é uma parte importante,” explica Zora.
Um dos pontos negativos de viver em um lugar como o Uzbequistão foi que poucos amigos e familiares conseguiram visitá-los, principalmente porque “é muito longe.”
“Essa é uma razão,” diz ela. “E a outra, ainda mais importante, é que não temos folga do trabalho.”
O casal retornava ao Canadá todo verão para reencontrar amigos e familiares. “É bom se reconectar,” comenta. “Só para ver que continua tudo lá.”
Zora aconselha aqueles que pensam em se mudar para o Uzbequistão a considerarem que o país “continua em desenvolvimento” e que provavelmente não terão acesso às mesmas comodidades e estilo de vida a que estavam acostumados.
“Não se deve esperar o mesmo nível de conforto e eficiência”, acrescenta. “É fundamental ser muito flexível e ter um grande senso de humor… Me tornei muito mais aberta e ainda mais flexível do que era antes dessa experiência.”
Após quatro anos no Uzbequistão, Zora e Dave decidiram mais uma vez se despedir de seu lar e buscar uma nova aventura.
Agora aposentados, eles planejam passar o próximo ano viajando bastante antes de decidirem a próxima etapa.
Embora retornem brevemente ao Canadá, Zora afirma que não pretendem permanecer no país. “Amamos o Canadá, mas isso não significa que vamos ficar parados”, diz. “Espero que nunca percamos nosso desejo de explorar o mundo”.
Quando perguntada sobre o próximo destino, Zora enfatiza que ainda estão decidindo. “O futuro é incerto”, conclui.
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