A magnífica Mongólia, na Ásia
Por Lydia Lopes e Antonio Puccetti*
Desde os tempos de Genghis Kahn (século XII), os torneios de jogos do Festival Naadam congregam as habilidades mais valorizadas pelos guerreiros nômades das estepes da Mongólia: arco e flecha, corridas a cavalos e luta livre. Ter a rara oportunidade de vivenciar expressões da tradição e cultura desse povo tímido e acolhedor, e ainda hoje tão reservado, foi o que nos moveu a partir para uma singular aventura pela magnífica Mongólia
A Mongólia, no continente Asiático, é bela e ampla. Seu vasto território de estepes e desertos, quase do tamanho de meia Europa, é ocupado por 1,5 milhão de nômades pastores; outros 1,5 milhão de habitantes se concentram na capital Ulan Bator. Isso faz com que seja o país com menor densidade populacional do mundo. O país é reservado e rude, seus nômades vivem sob condições climáticas rigorosas, com invernos longos e gelados e não é raro chegar a -40 e -50 graus Celsius. A primeira impressão é que os mongóis são ariscos e muito apegados ao seu modo particular de vida, pois chegam às portas de 2020 com os mesmos costumes seculares, com exceção do centro de Ulan Bator. Porém, o sorriso logo se abre e a simpatia e acolhimento é imediato, não importando a barreira do idioma.
A Mongólia é transcendental. É um país antigo e o Budismo Tibetano é predominante, praticado pelo povo mongol, mesmo que sufocado por sete décadas de tirania do regime soviético à qual a Mongólia foi subjugada a partir da década de 1920. Até 1990 (Independência da Mongólia), o comunismo destruiu mais de 900 monastérios budistas, sendo os monges mortos ou enviados à Sibéria. A reconstrução de templos vem ocorrendo num processo que continua até hoje. Digno notar que o país reverencia, acima de tudo, o líder conquistador do século XII, Genghis Khan, que inspira até nossos dias a unidade do povo mongol. Lá, você encontra o Deserto de Gobi, localizado ao sul, bem na fronteira com a China. É um dos mais extensos do mundo e tem dunas de até 300 metros de altura, além de seus camelos selvagens. Já o Lago Khövsgöl, ao norte, tem a particularidade de se congelar totalmente nos rigorosos meses de inverno; no período comunista se transformava em perigosa rota de caminhões de carga para a Rússia. No verão suas margens são tomadas por pastagens para yaks (bois com pelos enormes) e renas.
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Mas vamos falar sobre o Festival Naadam, a festa nacional da Mongólia. “Naadam” em mongol significa “jogo” e é a cereja do bolo da aventura para conhecer esse fascinante país. Desde 2010, tornou-se Patrimônio Da Unesco, como elemento Cultural Intangível da Humanidade. A origem do Festival remonta as celebrações das habilidades dos guerreiros mongóis desde a época de Genghis Khan, notadamente em competições esportivas, como arco e flecha, corridas a cavalo e luta livre. Atualmente, o Festival Naadam celebra também a Independência da Mongólia e os diversos eventos de música, dança, culinária e artesanato homenageiam a secular cultura e tradição nômade do povo mongol.
A principal festividade acontece em Ulan Bator, ao logo do feriado de três dias, sempre em julho, de 11 a 13. Pelo interior da Mongólia são organizados diversos festivais menores, mas sempre no auge do verão. A cerimônia de abertura do Festival acontece no Estádio Nacional de Ulan Bator e é o evento mais aguardado do ano e reveste-se de toda solenidade da grande festa nacional. O estádio fica tomado pelas famílias, vindas de todo o país, vestindo seus trajes tradicionais de gala e, agora, conta com um número crescente de turista, principalmente os próprios asiáticos.
Após o discurso inicial do presidente, sucedem espetáculos de música e danças folclóricas, contando a história da Mongólia, desde sua formação nômade até a moderna república que se volta à indústria da mineração e ao agronegócio. Também perfilam desfiles militares lembrando o período socialista e a luta pela independência, porém a plateia delira mesmo quando uma cavalaria entra em ação anunciando os feitos do Império Mongol e, em uníssono, ao som de rock heavy metal, o nome do líder supremo GEnghis Khan ressoa várias vezes no estádio. Arrepiante! Um jogo que oficialmente faz parte e serve como aperitivo ao Festival propriamente dito, embora não sendo nenhuma das três modalidades esportivas citadas, é a competição de “lançamento de ossos”. Esse jogo ancestral, então privilégio de autoridades, é levado muito a sério, tão a sério que acontece num estádio dedicado, que fica lotado. As várias equipes são formadas por oito jogadores, que na maior compenetração estalam os dedos e impulsionam ossinhos de cabra à distância de 5 metros contra pirâmides de outros ossinhos – uma mistura de jogo de bolinha de gude com boliche, só que jogados por senhores sisudos em trajes típicos emitindo sons guturais encorajadores, todos ao mesmo tempo. Inebriante e, ao mesmo tempo, bizarro. Acima da pirâmide de ossos jogadores descansam suas boinas típicas, outros seus certificados honoríficos dos quais tanto se orgulham. A equipe da foto chamou atenção por transformar seu pequeno espaço num altar, com incenso aceso, concentrando muita fé naquele jogo secular.
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A competição de arco e flecha já é um clássico. Com as vestimentas tradicionais mongóis, então, tornam-se um deleite visual! E a plateia também dá um show à parte. Apenas na modalidade da luta livre continua a proibição da participação feminina. Corre a história contada pelos guias turísticos (ouvimos de várias fontes) que num passado não muito distante uma lutadora disfarçada chegou à final, desbancando vários marmanjos. Quando descoberta foi um escândalo, talvez por conta da masculinidade geral e irrestrita! A consequência é que o uniforme passou a ser macacão com camiseta totalmente aberta na frente. Complementam a competição as corridas a cavalos que têm lugar em colinas e estepes nas cercanias de Ulan Bator. São diversos páreos, dependendo da idade e raça dos cavalos, as distâncias percorridas variam de 10 a 26 km. Os jóqueis são realmente jovens, têm entre 5 a 12 anos de idade. Esse esporte é uma febre nacional e durante as festividades do Naadam cerca de 180 mil cavalos correm nas competições por todo o país nas 21 províncias.
É impossível reduzir em poucas palavras a magia de concretizar o sonho de vagar pelas estepes e desertos da Mongólia. É um verdadeiro sonho capturar em imagens a emoção de compartilhar sorrisos e celebrações, com um povo tão sofrido e ao mesmo tempo tão generoso. Nem mesmo Genghis Kahn, meu ídolo, foi capaz de me inspirar em uma tarefa tão árdua.
*Lydia Lopes e Antonio Puccetti são casados e viajaram para a Mongólia para realizar um sonho. Ela é engenheira e professora da Universidade de São Paulo. Ele, italiano e funcionário do Consulado da Itália no Brasil. Ambos são apaixonados por aventuras nada convencionais ao redor do mundo.