Documentário de Anthony Bourdain mergulha na inquietação do apresentador
Com temas sensíveis, o novo "Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain", da HBO Max e da CNN aborda saúde mental e promete ser um dos filmes mais reveladores sobre o apresentador
Os sentimentos sobre Anthony Bourdain não são menos crus, quase quatro anos após sua morte chocante.
O novo documentário do diretor Morgan Neville narra a trajetória de Bourdain de chef nova-iorquino a célebre autor e a adorada personalidade da TV, e tenta esclarecer o mistério de seu suicídio em 2018 aos 61 anos.
“Sinto que a morte dele foi uma coisa tão inesperada para o público, que há um rasgo cultural no jornal para as pessoas”, disse Neville.
“Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain”, da HBO Max e da CNN Films e lançado pela Focus Features, investiga as paixões e lutas internas do viajante culinário impetuoso e vasculha seus últimos meses com lembranças profundamente pessoais dos amigos e familiares de Bourdain.
Neville, cujos filmes exploraram Mister Rogers da TV em “Won’t You Be My Neighbor?”, acha que o filme pode oferecer aos espectadores uma compreensão mais holística de Bourdain.
Os fãs que sentiram que conheciam Bourdain através de seu trabalho na TV, mais recentemente no programa “Parts Unknown” da CNN, provavelmente acharão catártico – e comovente.
A CNN conversou com Neville sobre o que ele descobriu ao fazer “Roadrunner”, que vai ao ar na CNN Internacional no dia 13 de março.
A entrevista a seguir foi editada para maior extensão e clareza.
CNN: O que o intrigou neste projeto? Você não conheceu Bourdain. O que te atraiu?
Neville: Eu tinha perguntas sobre ele. Acho que eu era como um monte de gente, um fã. Eu tinha lido alguns de seus livros começando com “Kitchen Confidential” quando foi lançado.
Eu assistia o programa de vez em quando, e sempre gostei muito: gostei dele e o achei um cara engraçado, complexo, inteligente, realmente um tipo de embaixador da curiosidade. Ele estava fazendo um trabalho importante, ele queria humanizar as pessoas do outro lado do planeta e mostrar as semelhanças e falar sobre partir o pão com as pessoas e o que todas essas coisas significam.
Então isso era tudo que eu gostava nele, mas eu tinha perguntas sobre ele, como eu acho que muitas pessoas tinham. E certamente após o suicídio dele, acho que a reação que tive mais do que qualquer outra é: como diabos isso acontece?
CNN: Você queria descobrir quem era Bourdain. O que você descobriu que o surpreendeu?
Neville: As primeiras surpresas foram que ele era um cara tímido e nerd que apenas lia livros incessantemente e trabalhava na cozinha em pé 12 horas por dia, seis dias por semana durante 20 anos.
A versão “Kitchen Confidential” do início de sua vida é ótima, é engraçada e romantizada, mas acho que você não entende muito a timidez e o tipo de nerd dele, sua desenvoltura também.
Ele tinha sido um viciado em heroína, havia escrito sobre isso e que os rigores da cozinha o mantinham no caminho certo.
E ele diz no filme: “Aqui estou seguro na cozinha, mas fora daquela porta, é isso que me assusta”. E que quando ele deixou a cozinha para trás, ele estava ciente do fato de que de repente estava entrando em águas escuras e não sabia o que ia encontrar lá. Então ele estava muito ciente do fato de que estava se desprendendo das coisas que realmente o ancoraram por muito tempo.
E partes dessas coisas que ele encontrou no caminho foram realmente energizantes e empolgantes, mas parte disso é que eu senti que ele nunca encontrou uma nova âncora. Quero dizer, ele se casou, teve um filho, teve esses momentos de “oh, eu posso viver esse tipo de vida e posso ser esse tipo de pessoa responsável e posso realmente entrar em todas essas coisas novas… seja jiu-jitsu ou escrita”. Mas havia uma inquietação que eu acho que ele meio que desencadeou que ele nunca conseguia desligar.
CNN: Então, o que era viajar para ele nesse contexto?
Neville: Uma droga. Você sabe, um vício certamente.
E, novamente, viajar é incrível e muitas das coisas que ele defendeu foram incríveis. Mas viajar 250, 270 dias por ano – em um certo ponto, não é viajar, é fugir e acho que isso é algo com o qual ele nunca chegou a um acordo. Quer dizer, eu sei que ele pensou sobre isso… Ele negociou um contrato de livro para tirar um ano sabático e levar sua família para morar no Vietnã.
Ele tinha esse tipo de planos de fuga ou modificações que poderia ter feito em sua vida. E ele nunca fez nenhum deles. Ele nunca fez um episódio do programa a menos por ano. E isso é o que eu acho que a maioria das pessoas teria, a maioria das pessoas teria dito: “Oh, meu equilíbrio entre vida e trabalho está fora de controle, talvez eu devesse trabalhar menos.”
Mas para Tony, acho que foi tanto a sensação de que talvez isso iria embora que ele não parou.
CNN: Como o filme que você fez é diferente do filme que você pensou que iria fazer?
Neville: Eu acho que a principal diferença de como eu pensei sobre o filme é que no começo eu pensava em Tony como meu público. Na verdade, eu realmente queria que se sentisse como ele a ponto de me debruçar sobre todas as músicas que ele mencionou em qualquer lugar. E montei uma playlist de 18 horas e meia de músicas que ouvimos. E eu passei por todos os filmes que ele mencionou.
Eu assisti todos eles. Passei por todos os livros que ele mencionou e voltei e li ou reli muitos deles.
Eu sinto que queria que o filme tivesse a energia e o DNA dele e que se ele visse, ele ficaria orgulhoso.
Mas o que mudou é que, quando comecei a fazer as entrevistas e a passar mais e mais tempo com as pessoas da vida de Tony que estavam lidando com a dor após o suicídio, percebi que há uma parte da vida de Tony que ele era meio cego e é isso – tem a quantidade de amor que as pessoas tinham por ele, mas também a quantidade de dor que ele causou.
E eu senti que isso era algo que eu devia às pessoas que entrevistei. E que em um certo ponto, há uma parte da história que Tony não deveria gostar. E isso se tornou para mim a forma como o filme evoluiu na minha mente. São as duas coisas, mas eu definitivamente comecei a sentir muito mais como se eu realmente quisesse honrar o tipo de honestidade e vulnerabilidade que as pessoas que falavam comigo me davam porque eu sei que não era fácil para ninguém.
CNN: Existe uma mensagem de saúde mental neste filme?
Neville: Acho que sim. Sinto que o mínimo, o filme já deu às pessoas permissão para falar sobre coisas como suicídio, que é algo que as pessoas raramente sentem que têm permissão para falar porque está tão ligado a sentimentos de vergonha ou constrangimento ou culpa.
Eu percebo que este filme provavelmente será um dos documentários mais vistos que lidam com suicídio que já foi feito. Sinto essa responsabilidade e espero que isso tenha um impacto positivo.
Quero dizer, pensamos muito sobre exatamente como lidar com tudo isso, então espero que as pessoas encontrem isso de alguma forma, se não cura, pelo menos uma maneira de processar e falar sobre essas coisas e talvez apenas pensando em Tony de uma forma mais compreensiva.
CNN: Então, o que os fãs como você vão descobrir que não viram antes?
Neville: Eu sinto que há uma sensação de conexão com alguém que você conhecia, mas meio que entendendo de uma forma mais profunda. Eu acho que há todos os tipos de coisas que as pessoas vão tirar, mas acho que mais do que tudo, é apenas uma sensação de apreciar a complexidade de quem esse cara realmente era.
*Matéria traduzida. Leia a versão original aqui.