Descomplicando o vinho: marcas brasileiras ousam para simplificar a bebida e atrair millennials
Empresas enxergam nos novos formatos de consumo e na forte comunicação digital maneiras certeiras de atrair um público mais jovem
Novas marcas nacionais apostam no público jovem e numa nova forma de consumir vinho (Foto: Getty Image)
Comprar um vinho no supermercado pode parecer uma atividade prazerosa num primeiro instante, mas, para muitas pessoas, olhar as prateleiras e se deparar com informações complexas, tais como tipo de acidez, terroir e barrica, pode transformar este momento em algo frustrante. De olho no público que quer consumir um bom produto mas não é expert no assunto, jovens marcas nacionais têm apostado em novos formatos para descomplicar a experiência com a bebida – e o resultado tem sido positivo.
O conceito de simplificar o vinho vai desde a comunicação adotada pela empresa até a forma de adquirir e consumir a bebida, em que os valores das marcas vão de encontro com os anseios de uma camada importante da população: os millennials.
Este público de 20 a 35 anos, que compreende os nascidos de meados da década de 1980 até o fim dos anos 1990, é engajado nos meios digitais e possui alguns princípios fundamentais para a construção dos novos rótulos. “O apreço pela estética, as situações instagramáveis e a preocupação com o lifestyle da marca que corrobora com os valores dessa geração são pontos importantes”, diz Bruno Maletta, CEO e cofundador da Cliché.
Lançada em março do ano passado, a Cliché é uma marca nativa digital que se propõe a descomplicar o vinho engarrafado com uma identidade visual aguçada e forte atuação nas redes sociais. Desde seu início, a empresa vem registrando uma crescente de vendas e a estimativa dos fundadores é que, neste ano, a comercialização seja duas vezes e meia maior quando comparada a 2020.
Os vinhos em lata também entram neste nicho, já que se propõem não somente a simplificar a linguagem mas também a facilitar a forma de consumir a bebida. A Vivant, empresa pioneira do setor de vinhos em lata no Brasil, atingiu o faturamento de R$ 6 milhões em 2020, um crescimento de 500% em comparação com 2019, ano de sua fundação. Presente nos principais supermercados de 25 estados do Brasil e no e-commerce, a marca carioca pretende atingir o faturamento de R$ 23 milhões até o final de 2021, o que significa crescimento de 400% e venda de cerca de três milhões de latas até dezembro.
A alta na comercialização reflete o maior consumo de vinho durante a pandemia. Segundo informações da Associação Brasileira de Sommeliers do Rio Grande do Sul (ABS-RS), o setor teve um crescimento de 66,4% em 2020 em comparação ao primeiro trimestre de 2019. Já nos meses de abril a junho, o aumento foi de 86,4%, com foco em produtos brasileiros.
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Comunicação descomplicada. Uma das tensões que as marcas de vinhos “descomplicadas” vieram para resolver é o ruído entre o consumidor que não entende de produto e a indústria, que fornece especificações complexas. “A gente se propõe a falar de vinho sem falar de produto. Para a gente, descomplicar está relacionado a não trazer termos técnicos e não trazer o produto como o ponto principal dessa relação com o cliente”, afirma o CEO da Cliché.
A marca aposta na forte comunicação digital e na identidade visual dos vinhos como ponto de partida, dando ênfase para um estilo de vida que zela pelos bons momentos. Atualmente, a equipe vende três vinhos, todos rosés, que se encaixam num mood millennial e adequam-se a diferentes situações. “Ao invés de falarmos do produto, falamos em situação de consumo. Temos um storytelling que mostra em que situações esse vinho é melhor consumido”, salienta Bruno.
Um deles é o Uruguaio (R$49,90), indicado para o dia a dia, o outro é o Italiano (R$79,00), que possui personalidade forte e é indicado para ocasiões especiais e para presentear amigos, e o último é o Espumante (R$65,00), voltado a celebrações e festas. Todos são vendidos via e-commerce próprio e também por meio de aplicativos de entregas, como Ifood.
O modelo de vendas totalmente digital é mais um modo de facilitar as compras e foi a saída encontrada pela Vinho 22, marca da holding de bebidas Ohca fundada em setembro de 2020. Com o fechamento de bares e restaurantes e a paralisação de eventos, os sócios apostaram no modelo DTC (Direct To Consumer) e vendem vinhos pelo e-commerce sem intermediários, diminuindo preços e custos. “Parte da nossa proposta é também dar acesso a um produto de qualidade a um público que não entende muito de vinho e acaba ficando refém de produtos de qualidade duvidosa”, argumenta Guilherme Melo, co-fundador e responsável pelo marketing da empresa.
A comercialização dos vinhos pelo canal próprio, sob os preceitos de descomplicar a experiência, deu tão certo que surpreendeu os sócio-fundadores. A meta de vender 500 garrafas no primeiro mês foi batida em apenas 48 horas. Nos quatro primeiros meses de funcionamento, a Vinho 22 faturou cerca de R$1 milhão e já projeta um faturamento de R$2,5 milhões para 2021.
Atualmente com seis rótulos à venda, o campeão de pedidos é o 22 Chardonnay, vinho branco que sai por R$55,00. Dentre os vinhos, três deles fazem parte da coleção Tarsila do Amaral, cujas obras mais famosas estampam as garrafas e dão cara de produto colecionável. A identidade visual faz alusão à Semana de Arte Moderna, movimento com quebra de tradicionalismos e liberdade de estilo – exatamente o que a 22 preza.
Foi na falta de representação das gerações mais jovens no mundo dos vinhos que a marca enxergou potencial de crescimento. “A marca que você consome é uma extensão da sua personalidade. Com essa geração de novos adultos, as pessoas estão ainda mais preocupadas em garantir que as marcas representem elas”, menciona Guilherme.
Simplicidade na forma. Tendência há anos em mercados internacionais, como nos Estados Unidos e Inglaterra, os vinhos em lata descomplicaram não somente a linguagem como também a forma de consumir a bebida. Com as latinhas em mãos, não há necessidade de abrir uma garrafa inteira, ter um saca-rolhas, taça de vidro e muito menos possuir uma adega, fatores que romperam com rituais marcados e democratizaram o acesso ao vinho.
Focada no público jovem, a ideia inicial da Vivant, era ser uma marca de vinhos em garrafa. A partir de uma experiência pessoal de um dos sócios, o projeto mudou. “O jovem hoje gosta de beber vinho quando vai para a praia, para a balada ou piscina. Eles veem na proposta da Vivant a questão da praticidade e também um excelente custo-benefício”, informa Alex Homburguer, CEO da empresa.
Para beber um vinho da marca, seja rosé, tinto ou branco, é preciso desembolsar cerca de R$14,90 por 269ml, que corresponde a duas taças. Recentemente, dois frisantes, um rosé e um branco, foram lançados no mercado por R$15,90, sendo vinhos mais leves e voltados para o verão. Em 2021, a empresa aposta na exportação para países da América do Norte e do Sul, além de investimentos nos canais digitais para o e-commerce e delivery, já que essas plataformas representaram 30% do faturamento da empresa em 2020.
De olho na tendência de informalidade e da procura por diversão do público mais jovem, o Grupo Famiglia Valduga, conhecido por sua tradição, ousou em seus negócios e lançou em outubro do ano passado a Becas, braço de vinhos frisantes em lata da marca Ponto Nero. A linha de vinhos não destaca o lado técnico do produto e possui o intuito de encantar aqueles que estão conhecendo melhor a bebida.
“O mundo do vinho é bastante tradicional e ritualístico, e percebemos que é necessário atualizar a forma como comunicamos o produto”, analisa Lucas Simões, enólogo do grupo. Ele explica que, com a pandemia, algumas rotinas foram quebradas e o vinho em lata se encaixou na maior flexibilidade do cotidiano, funcionando como um facilitador de momentos.
A identidade visual da Becas, caracterizada por uma ovelha moderna e amigável, é igualmente um ponto-chave da marca, uma vez que fideliza diretamente o público-alvo pelo tom despojado. Os frisantes – branco, rosé e moscato – possuem um teor alcoólico de 7% e uma pitada de gás, o que fomenta o consumo em maiores quantidades. Os produtos são vendidos em packs de quatro latas por R$69,00 pelo e-commerce e também em alguns pontos de vendas pelo Brasil.
Tecnologia em prol da qualidade. Ainda permeadas por preconceitos, as latas podem trazer algumas dúvidas ao consumidor, que se questiona se a bebida possui qualidade igual aos produtos engarrafados. “A lata não perde em nada hoje em dia para os vinhos em garrafas devido a sua tecnologia. O desafio é fazer com que as pessoas façam essa primeira degustação, pois só assim o preconceito vai embora”, pondera o CEO da Vivant.
Como o vinho é um líquido ácido, colocá-lo em contato com o alumínio das latinhas comuns poderia causar danos ao produto e à embalagem. Assim, tanto a marca carioca quanto a Becas utilizam uma tecnologia específica, um revestimento interno especial para armazenamento do vinho, e conseguem manter o sabor e as propriedades da bebida. As latas ainda são 100% recicláveis e protegem a bebida da luz e dos raios UV.
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Estilo de vida e redes sociais. Feeds muito bem elaborados, cores divertidas, uso de memes e fotos em situações instagramáveis: é assim que a maioria das jovens marcas têm trabalhado a produção de conteúdo nas redes para cativar seu público e explicar as características de seus vinhos.
Com cerca de 15 mil seguidores, é por meio do Instagram que a Vinho 22 procura criar uma relação com as pessoas que interagem com os posts. Guilherme Melo, responsável pelo marketing, defende que a estratégia é fidelizar o maior número de pessoas. “Nosso objetivo é criar uma comunidade do que a gente chama de brand lovers, que são pessoas que apreciam nossa proposta e são propensas a fazer compras recorrentes”, afirma.
Na mesma moeda, as publicações anunciam um estilo de vida alegre e fotogênico, em que posicionam o perfil da empresa não somente como uma comerciante de vinhos, mas também como um hub de conteúdos de entretenimento, decoração, moda e beleza, atraindo bebedores e não bebedores.
É o caso da Cliché. A neomarca tem se aproximado de outras categorias e vende em seu site ecobags e cangas, produtos com uma vibe bem millennial. Com uma parceria, a equipe chegou a vender 40 bancos pintados a mão em apenas 16 minutos. “Quando a gente vai descomplicando não só o consumo de vinho mas se aproximando do consumidor, a gente vai abrindo brecha para estar dentro dos seus rituais de consumo com outros produtos também”, categoriza o CEO Bruno Maletta.
O desenvolvimento dos rótulos e dos objetos é feito de acordo com o gosto do público e as tendências. Além das latas, a Vivant comercializa coolers e chapéus, produtos que, segundo o CEO da marca, geram um contato maior com o consumidor. “Além de ser um ponto de contato maior, são produtos que ajudam a estimular as principais ocasiões de consumo da Vivant”, alega.
Máquinas automatizadas. Atenta às tendências do mercado, a Evino, maior e-commerce de vinhos da América Latina, reuniu esforços para descomplicar ainda mais a relação com a bebida e apostou numa nova experiência de consumo: vending machines. As vendas por meio de máquinas automatizadas começaram neste ano por meio de uma parceria com a Adega Compartilhada, rede de vending machines de vinhos.
“Nosso principal objetivo é facilitar e aumentar o acesso ao mundo do vinho, por isso nossas ações vão desde a desmistificação até o lançamento do primeiro aplicativo focado exclusivamente na venda da bebida no Brasil”, explica Eduardo Souza, CMO da Evino.
A primeira máquina foi instalada nas imediações da WeWork, empresa que fornece espaços de trabalhos flexíveis em plena Avenida Paulista, em São Paulo, com o objetivo de promover conexões e levar novas experiências para os membros.
Para isso, foram selecionados 24 rótulos diferentes para os consumidores escolherem, incluindo a Vibra!, linha de vinhos em lata da própria Evino. Ao todo, a máquina tem capacidade de armazenamento de 150 garrafas.