Como avaliar se é hora de viajar à Europa com a invasão da Ucrânia
Apesar de uma queda no número de turistas as viagens continuam. Especialistas afirmam que ainda não é hora de cancelar, mas que é bom se manter informado antes de embarcar aos países europeus
Com muitas restrições finalmente relaxando no início de 2022, Gabriele Antoni reservou uma viagem planejada há tempos: várias semanas em seu país natal, Alemanha, seguido por um cruzeiro de 12 dias na Noruega com amigos.
A mulher de 64 anos, residente na Flórida e portadora de um green card dos EUA, não volta à Alemanha desde que sua mãe morreu em fevereiro de 2020. Naquela época, Gabriele teve de regressar abruptamente aos Estados Unidos, onde vive há décadas, para escapar do fechamento das fronteiras com o avanço da pandemia.
Mas, desde então, ela tem sonhado com uma volta à sua pequena cidade natal de Sonthofen para “viver adequadamente o luto” por sua mãe, diz ela, visitando cafés que frequentaram juntas e caminhando como faziam no sopé dos Alpes bávaros.
Na preparação da sua viagem, ela está ocupada reservando hotéis e voos, fazendo roteiros com amigos – e, como muitos outros com planos para visitar a Europa, mantendo-se atenta às horríveis manchetes vindas da Ucrânia desde que o país foi invadido pela Rússia em 24 de fevereiro.
“Estou fazendo tudo, mas na minha mente fico também falando para mim mesma que pode ser que eu não consiga viajar, não consiga chegar lá”, contou a mulher ao CNN Travel.
Gabriele não é a única com essas preocupações. De acordo com uma pesquisa recente conduzida pela MMGY Travel Intelligence, a divisão de investigação da empresa de marketing MMGY Global, a Guerra na Ucrânia é agora duas vezes mais provável de causar impactos nos planos de viagem de americanos para a Europa que a pandemia do coronavírus.
Dos 350 viajantes adultos dos EUA com planos futuros para visitar a Europa que responderam à pesquisa, 62% disseram que a invasão é um fator considerado no planejamento das viagens, em comparação com 31% que citaram preocupações de saúde e segurança da Covid-19. Além disso, 47% disseram que estão adotando uma mentalidade de “esperar e ver” a evolução da situação antes de fazer planos para visitar a Europa este ano.
Os dados de voo refletem hesitações semelhantes.
De acordo com um relatório do Hopper, um app localizador de voos, as pesquisas de voos de ida e volta para a Europa a partir dos Estados Unidos estavam aumentando com o declínio de casos da variante Ômicron, indicando uma forte recuperação da procura transatlântica.
Mas, quando começaram a surgir as notícias da possível invasão da Ucrânia pela Rússia em meados de fevereiro, a procura começou a cair. De acordo com os dados da Hopper, desde 12 de fevereiro as reservas internacionais dos EUA para Europa caíram de 21% para 15% – uma notável diminuição dos cerca de 30% das reservas internacionais no mesmo período um ano pré-pandêmico como 2019.
Viajar em segurança
No entanto, os especialistas em viagens e segurança dizem que ainda não é necessário começar a cancelar viagens.
A Ucrânia e a Rússia têm atualmente avisos de “Não viajar” nível 4, emitidos pelo Departamento de Estado dos EUA. Mas outros países europeus afetados pela crise não têm a mesma recomendação.
A Polônia, que está recebendo a maioria dos refugiados ucranianos que fogem da guerra, está listada num aviso de nível 4, mas por preocupações com a Covid-19, e não para o conflito atual.
Um porta-voz da operadora de turismo Rick Steves afirmou que a empresa “pretende executar todos os roteiros da Europa Oriental, incluindo o pacote Best of Poland”, acrescentando que os únicos passeios que cancelou são aqueles com paradas na Rússia.
Na verdade, a Europa continua aberta aos viajantes, apesar da crise que se desenrola na Ucrânia. E, depois de dois anos de atividades quase parado na pandemia, o setor do turismo está mais ansioso para receber os visitantes do que nunca.
Embora as preocupações sobre viajar durante uma guerra sejam válidas, os especialistas em segurança também sublinham que muitas das áreas turísticas mais populares da Europa, como Barcelona, Roma e Paris, estão a centenas (se não milhares) de quilômetros do atual conflito na Ucrânia.
“Você não precisa ter este tipo de ansiedade, que é o que mais vejo agora”, opinou Greg Pearson, CEO e fundador da Care & Assistance Plus (CAP), um serviço recém-lançado de viagens e assistência de crise pela empresa global FocusPoint International.
“As pessoas talvez estejam cancelando prematuramente seus planos, e acho que não chegamos nesse ponto. O que virá depois é só suposição, mas, em relação a viagens à Europa Ocidental, acho que é possível viajar em segurança”.
Para os países mais próximos da Ucrânia, a situação é um pouco mais complexa.
A Pearson estima que cerca de 30% dos seus clientes cancelaram ou adiaram viagens nas últimas semanas a países como a República Tcheca e a Alemanha – e nenhum deles faz fronteira com a Ucrânia. Outros viajantes deslocaram os seus itinerários para a Europa Ocidental, para longe do conflito.
Além disso, Pearson diz, alguns viajantes estão preocupados com as excursões nas paradas em cruzeiros fluviais na Europa Oriental.
“O conselho que damos é ‘com certeza saia do barco’ [e faça o passeio]”, disse Pearson. “As pessoas precisam desses dólares de turismo, querem vê-lo, eles querem que você visite seus restaurantes e lojas, então queremos que as pessoas façam isso. O nosso mantra aqui é viajar sem medo, mas viajar informado e permanecer conectado”.
“Incerteza difícil”
Não é de surpreender que alguns profissionais europeus do turismo estejam preocupados com a potencial perturbação das viagens – mais um revés que o setor sitiado enfrenta após dois anos desafiadores.
Em Praga, República Tcheca, o escritório de turismo está focando suas campanhas de marketing de verão no turismo doméstico e visitantes de outros países europeus, em vez dos EUA e Ásia.
Christian Tänzler, porta-voz do Visit Berlin, também disse que, embora acredite que os europeus irão viajar como de costume em toda a Europa para as férias de primavera e verão, desde que a crise da Ucrânia não se alastre para outros países, a situação com o mercado dos EUA é um pouco mais difícil.
Em anos não pandêmicos, os turistas norte-americanos constituem o segundo maior grupo estrangeiro, após o Reino Unido, de acordo com Tänzler.
No entanto, à luz da crise atual, esses viajantes parecem estar em um modo de espera em relação à reserva, embora a organização não tenha visto um aumento perceptível em cancelamentos até agora.
“Ninguém sabe, realmente, se as pessoas começarão a cancelar por causa da situação. A incerteza é algo muito difícil”.
Além disso, Tänzler notou que os viajantes baseados nos EUA podem não ter um quadro preciso da situação atual na Alemanha, que ele disse ser “absolutamente segura”.
“No fim de semana passado, em Berlim, os cafés, bares, restaurantes foram todos cheios”, contou Tänzler. “Tudo estava lotado. Todo mundo estava sentado lá fora. Era como um dia normal da primavera”.
No entanto, mesmo para os viajantes que conhecem bem a Europa (como Antoni, que cresceu na Alemanha) o espectro de uma possível guerra nuclear, ou repercussões de reatores nucleares danificados pela guerra na Ucrânia, pode adicionar uma camada extra de trepidação.
É um medo que Gabriele Antoni entende em primeira mão: após a catástrofe de Chernobil, em abril de 1986, ela decidiu cancelar uma viagem dos Estados Unidos à Alemanha com os seus filhos mais novos.
“Foi algo importante”, relatou, recordando memórias de avisos sobre possível contaminação alimentar e outros sustos de saúde na Alemanha. “Espero, espero e espero que isso não aconteça novamente. Mas eu sempre digo: só saberei quando chegar lá. Não adianta se preocupar agora”.
Plano de emergência
Os especialistas em segurança e risco observam que é sempre uma boa prática manter-se informado sobre os eventos atuais, independentemente de onde você estiver indo. Eles também enfatizam a necessidade de ter um plano sólido em vigor caso as coisas corram mal, seja o coronavírus ou uma guerra.
“O pior momento para descobrir o que fazer em uma crise é no meio de uma crise”, disse Pearson, da CAP.
Como dois anos de anulações e interrupções causadas pela pandemia têm demonstrado, um seguro de viagem confiável e políticas flexíveis de reserva para passagens aérea e acomodações são mais importantes do que nunca.
Antes de sair, faça cópias de documentos de viagem importantes, como passaportes e certificados de vacinas.
Cidadãos e pessoas com nacionalidade dos EUA devem se registar no Smart Traveler Enrollment Program do Departamento de Estado, um serviço gratuito que liga viajantes a embaixadas e consulados no seu país de destino. O serviço também fornece atualizações de viagens e segurança.
Descobrir para onde ir em caso de emergência, como um conflito de tempo de guerra, também é crucial.
“Se a guerra se espalhar pela Europa Oriental ou em um centímetro de solo da OTAN, você deve ter um plano para evacuar ou sair para uma área mais segura”, aconselha Tim Hentschel, cofundador e CEO da HotelPlanner, um provedor de serviços para o mercado global de vendas de hotéis. “Tenha sempre um plano de emergência sempre que viajar para uma cidade estranha para você”.
Pearson também aconselha os viajantes a compartilhar uma cópia de seu itinerário, hotel e informações de voo com amigos ou família de volta para casa. Além disso, não se esqueça das noções básicas, entre elas como usar o telefone enquanto estiver no estrangeiro.
Além disso, os viajantes que se dirigem à Polônia ou a outros países que recebem um grande número de refugiados também devem estar cientes das restrições sobre infraestruturas de transporte e disponibilidade de quartos de hotel.
Os protestos e manifestações, entretanto, continuam nos destinos turísticos europeus populares e, embora a maioria seja pacífica, os viajantes devem estar sempre vigilantes e evitar conflitos com a segurança.
Finalmente, embora uma invasão devastadora e uma crise humanitária não devam impedir que as pessoas tenham férias há muito esperadas, o que está acontecendo na Ucrânia também pode oferecer aos viajantes um profundo sentido de perspectiva, especialmente em relação a dores de cabeça comuns em viagem, como as longas filas na imigração.
“Falo com pessoas dentro dos meus próprios círculos que estão interessadas em viajar, e uma das coisas que lhes digo é: ‘Não seja um americano desagradável’”, disse Pearson. “É claro: divirta-se, aproveite muito, mas seja sensível ao fato de que há muitas pessoas recentemente deslocadas e em dificuldades agora”.