Do centro à Ilha dos Frades: um giro histórico por Salvador

Seja nas ladeiras do centro histórico ou ainda nas ilhas da Baía de Todos os Santos, a capital baiana pulsa uma rica herança cultural que se alonga desde o século 16 e chega até o legado deixado por Jorge Amado no século 20

Daniela Filomenodo Viagem & Gastronomia , Salvador, Bahia

Primeira capital do país, Salvador nos presenteia com uma trajetória que se desenrola há 474 anos. É um local que, para mim, pulsa vida, criatividade e se expressa de maneira ímpar. Literatura, religiosidade, natureza e heranças afro-brasileiras se fundem e criam um ambiente irreproduzível.

Pisar na capital baiana e percorrer alguns de seus pontos históricos é a linha inicial para começarmos entender as origens do nosso país, do nosso povo e da vibrante cultura local. Não à toa a cidade é sempre uma das mais procuradas por turistas nacionais para as férias de julho e no verão.

Com suas construções coloridas no centro histórico que datam do século 16 e vão até o século 19, a impressão é a de viajar no tempo, mas também a de olhar para um presente inspirador e latejante, em que sinos de igrejas barrocas se misturam ao som dos tambores do Olodum.

Além dos pontos históricos que listo abaixo, é claro que vale colocar no roteiro locais como o Farol da Barra, com resquícios do século 17, a Igreja Nosso Senhor do Bonfim, com suas fitinhas coloridas amarradas no gradil cheias de pedidos, a Catedral de Salvador, igreja-mãe da cidade, o Museu de Arte Sacra e o Palácio do Governador, antiga sede do governo da Bahia.

Com o fim da quinta temporada do CNN Viagem & Gastronomia, em que destinos internacionais engrossaram os programas, um spoiler: Salvador é uma das cidades brasileiras da próxima temporada.

Se estiver ansiosa como eu, confira abaixo alguns dos pontos que percorri com o programa – e se estiver com fome de mais, vale dizer que, em breve, a gastronomia local terá um texto só dela.

Pelourinho

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Coração do centro histórico e símbolo soteropolitano, o Pelourinho merece um tópico só dele. Encontramos no cartão-postal um resumo da cidade: cor, música, sino de igreja e alegria. O Pelourinho serve como um bom ponto de partida para entender Salvador e nos encanta pelo estilo arquitetônico colonial e pelo colorido das edificações.

Situado na Cidade Alta, a localização facilitava a defesa e concentrava atividades administrativas, políticas e residenciais da primeira capital do país.

Hoje é uma das atrações mais importantes de toda a Bahia e se refere às ruas que vão do Terreiro de Jesus até o Largo do Pelourinho. O caminho nos reserva ruas estreitas, ladeiras e calçamento em paralelepípedos. Os sons dos tambores do grupo Olodum embalam a trilha sonora em determinados dias.

Os destaques vão ainda para a Igreja e o Convento de São Francisco, uma notável construção barroca com decoração abastada, e também para a Igreja Nossa Senhora Rosário dos Pretos, construção azulada no Largo do Pelourinho fundada por negros escravizados do Congo e de Angola ainda no século 17.

A Nossa Senhora Rosário dos Pretos tem liturgia com uso de músicas dos terreiros de candomblé, ao som de atabaques. As noites de terça-feira são famosas pelas missas católicas com cantorias e danças da cultura africana.

No Largo do Pelourinho, há ainda a Fundação Casa de Jorge Amado, que preserva, divulga e pesquisa o acervo do autor baiano e apoia estudos sobre a literatura do estado – há um conjunto de mais de 250 mil documentos e a realização de cursos, seminários, oficinas, ciclos de conferências, lançamentos de livros e exposições.

Produções audiovisuais também ajudam na maior visibilidade do local: quem não lembra de Michael Jackson em seu clipe “They Don’t Care About Us” da década de 1990?

Centro Histórico de Salvador

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Claro, o centro histórico vai além do Pelourinho e nos apresenta milhares de imóveis que vão dos séculos 16 ao 19. Eles se enfileiram pelos becos e ladeiras e formam um conjunto arquitetônico colonial de importância imensurável para a história do nosso país e da América Latina.

Para tanto, a região é Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Ambiente de tradições, de história e de muita cultura, o centro é para ser percorrido e apreciado a pé. A geografia fez com que fosse dividido em dois planos: quando instalada a capital aqui, as funções administrativas da cidade ficavam no alto, enquanto o porto e comércio ficavam à beira-mar.

Para tanto, dividimos o centro em Cidade Alta e Cidade Baixa, ambas ligadas pelo histórico Elevador Lacerda, o primeiro elevador urbano do mundo que ainda nos leva da Praça Cairu, lá embaixo, até a Praça Tomé de Sousa, lá em cima, por módicos R$ 0,15. Antes de subirmos, vale também uma passadinha pelo Mercado Modelo.

As construções do centro histórico tinham finalidades religiosas, civil e militar, e hoje vemos que, na verdade, estar no centro é se entremear no núcleo de atividades criativas da cidade. Igrejas e conventos, museus, teatros, espaços culturais, ateliês, restaurantes e lojinhas formam uma vibrante região, onde também pulsa a herança afro-brasileira.

Igreja e Museu da Ordem Terceira de São Francisco

Azulejos portugueses no claustro retratam Lisboa antes do terremoto de 1755 / Paul R. Burley

Também na região do centro histórico, a Igreja e o Museu da Ordem Terceira de São Francisco tem destaque próprio por ser uma das mais impressionantes construções barrocas nacionais.

Datada dos séculos 17 e 18, seu exterior já nos revela esculturas e relevos e é um aviso da ornamentação que vamos encontrar pelo interior. Ao lado fica a Ordem Terceira de São Francisco, cujo claustro tem uma surpreendente coleção de azulejos portugueses que retratam Lisboa antes do grande terremoto de 1755.

É um lugar, no mínimo, incrível, em que algumas peças sacras também ficam à disposição de nossos olhos.

Vale destacar ainda que sua vizinha, na mesma Rua da Ordem Terceira, fica a Igreja e o Convento de São Francisco, logo em frente ao Largo do Cruzeiro de São Francisco, que anualmente é também palco para festas populares, com em junho para Santo Antônio e em outubro para São Francisco.

Casa do Rio Vermelho – Casa de Jorge Amado e de Zélia Gattai –

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É no bairro do Rio Vermelho, no topo de uma ladeira, que o casal Jorge Amado e Zélia Gattai fez de um amplo casarão seu lar por cerca de quatro décadas. Palco para celebrações, encontros com personalidades ilustres e também para o cotidiano da dupla de autores, a casa hoje abre suas portas para um verdadeiro memorial.

Aqui podemos visitar cada cômodo como nos tempos dos moradores, já que os ambientes mantêm as características originais. Adentramos ainda na história da família, entramos na intimidade do casal e assistimos a depoimentos e leituras de obras com ajuda de projeções.

Uma das partes mais bacanas é vermos com os próprios olhos o acervo de cartas originais que Amado trocou com Yoko Ono, Monteiro Lobato e a própria Zélia, para citar algumas pessoas.

Assim, não só conhecemos a história da vida do casal como temos à nossa vista objetos pessoais e obras de arte: pelas paredes há exemplares de Carybé e obra assinada por Brennand.

“Meu avô gostava de chumbar coisas pela parede, então onde você olha você vê arte”, conta Maria João Amado, neta de Jorge e que me recebeu na casa da família.

“Os dois trazem um retrato muito fiel do século 20 do que a gente viveu aqui, tanto economicamente quanto política e socialmente. Jorge dá voz ao povo de forma que poucos fazem. E Zélia, com suas memórias, conta a história do século 20 pelos livros”, diz ainda Maria.

Além das cartas, nomes como Pablo Neruda, Tom Jobim e até Simone de Beauvoir foram alguns dos hóspedes da Casa do Rio Vermelho. O jardim tem pés que dão frutos e o slogan da casa diz: “se for de paz, pode entrar”.

Passeio irresistível na capital baiana, a casa-memorial fica aberta de terça a domingo, das 10h às 18h (entrada até 17h), com ingresso a R$ 20 a inteira e gratuidade às quartas-feiras.

Ilha dos Frades

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Maior baía do país, a Baía de Todos os Santos é lar para um território de rico patrimônio cultural e natural. Hoje já no radar turístico da região, a Ilha dos Frades, a cerca de meia hora de lancha da cidade, guarda joias arquitetônicas históricas e mistura de maneira ímpar vistas cinematográficas com restaurantes, pousadas e praias de águas calmas.

As belezas começam na ida: a travessia nos dá a oportunidade de avistar várias outras ilhas que moram pela baía. Na chegada, as águas calmas garantem bonitos cenários com os barcos ancorados à beira-mar.

O ponto mais famoso e imprescindível de se conhecer na ilha é a Igreja Nossa Senhora de Guadalupe. Poucas informações falam sobre suas origens, mas é certo que ela data do século 17. Restaurada, a pequena construção brilha nossos olhos pelos seus tons coloridos e alegres.

Situada em um cume e voltada para a Baía de Todos os Santos, a partir dela temos vistas panorâmicas para o mar, para Salvador e também para a Ilha de Itaparica, a maior da baía. A igrejinha fica na Praia de Ponta Nossa Senhora de Guadalupe, no extremo sul da Ilha dos Frades, e abriga um diminuto vilarejo com restaurantes.

Já ao norte, a Praia do Loreto é recomendada para banho e abriga outra construção católica com ares cenográficos: é a Capela Nossa Senhora do Loreto, edificada em 1645 mas reformada e reformulada nos dois séculos seguintes. De altar com elementos neoclássicos, o local tem capacidade para 100 pessoas sentadas e foi restaurado pela Fundação Baía Viva, a mesma por trás dos reparos da Nossa Senhora de Guadalupe.

Criada há mais de duas décadas por empresários baianos, a fundação atua na preservação das ilhas da baía e contribui para a requalificação urbana, social e ambiental com ajuda também do pilar turístico como forma de desenvolvimento econômico das comunidades.


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