Evidências do Futuro: as percepções do SXSW, maior festival de inovação do mundo

Luiz Candreva reflete sobre o maior festival de inovação do mundo, que toca "Evidências" e é ponto de convergência das ideias que construirão o amanhã

Sessão sobre Web3, NFT e Metaverso com a empresária Sandy Carter no SXSW em 2022
Sessão sobre Web3, NFT e Metaverso com a empresária Sandy Carter no SXSW em 2022 Lauren Hartmann

Luiz Candrevacolaboração para o Viagem & Gastronomia

Austin, Texas

Uma ideia tem o condão de criar o amanhã.

Aliás, é da gênese das ideias que efetivamente surge o Futuro, ao menos o seu conceito que, se levado a cabo, pode, e muitas vezes se torna, a nossa realidade.

Ideias surgem de muitos lugares diferentes. Nossas mentes são máquinas de inspiração e, se bem nutridas, criam a partir de tudo: da beleza, da dor, da alegria, da comparação, do desejo, da agonia e de muitas outras formas.

Ideias surgem e se propagam mais rapidamente do que qualquer vírus, pretérito, presente, ou futuro, com certeza. Há uma inteira ciência desenvolvida no entorno disso, a memética, transladando a cultura, as ideias, os conceitos do ponto de vista dos humanos, para os próprios elementos acima, ou seja, a replicação, aparentemente, espontânea das próprias ideias.

Assim, aumentar nossa exposição para situações que nos inspirem aumenta nossa capacidade e decisivamente nosso protagonismo na criação dos futuros que desejamos.

Há um número ilimitado de maneiras para expandirmos nossas caixas de ferramentas, mais do que qualquer inteligência, artificial ou não, seria capaz de listar. Há, contudo, algumas formas de facilitar e maximizar esse processo, como por exemplo se imergindo em um ambiente altamente saturado e rico em desafios para nossa mente, zonas de conforto e, de modo geral, status quo.

Ambientes “hiper-proteicos”, culturalmente falando, são viagens para a mente e sempre, necessariamente, nos alteram enquanto indivíduos, geralmente para melhor.

Seres humanos são atormentados por autoconhecimento, no mesmo montante em que são compelidos a se divertir, relacionar e aprender. Evolutivamente esses fatores nos trouxeram até aqui e criaram a mais perfeita máquina de resolver problemas complexas já feita: nós mesmos.

É difícil imaginar que haja ambiente melhor para aplacar essas gigantescas demandas – entender a nós mesmos, aprender e nos relacionarmos com outras pessoas – do que festivais.

Aliás, essa prática humana remonta a milhares de anos e continua a ser uma das formas mais populares de reunir pessoas em torno de um interesse comum. Desde os festivais religiosos da antiguidade até os eventos musicais e culturais contemporâneos, a história dos festivais é rica em curiosidades e peculiaridades.

Existem festivais das mais variadas naturezas e sobre tudo quanto é tema diferente. Eu já estive em um sem número deles e confesso que um se destaca como o meu favorito: o South by Southwest, ou SXSW.

O SXSW

O ponto de convergência entre entretenimento, mídia, tecnologia, arte e ideias capazes de mudar o mundo está fincado há 37 anos na capital do Texas, nos Estados Unidos, quase sempre na primeira quinzena de março. Austin é a sede do South by Southwest, maior evento de inovação do planeta.

Realizado de forma ininterrupta desde 1987, o SXSW, como é mais conhecido, já foi palco para alguns dos nomes mais emblemáticos do mundo, como o ex-presidente americano Barack Obama, o fundador da Meta/Facebook Mark Zuckerberg, o criador da Tesla e da SpaceX Elon Musk e a cantora e atriz Lady Gaga.

Gigantes como Twitter, Uber e AirBnB, quando davam seus primeiros passos, foram apresentadas ao público durante o festival.

Eu já tive a oportunidade de conversar one-on-one com CEO de gigantescas empresas, como o ex-CEO da Levi’s, atualmente à frente do renascimento da Gibson, James Curleigh, que se tornou um contato recorrente, além de ser um dos caras mais “cools” que já conheci, ou o CMO global da Mastercard numa palestra incrível sobre o uso dos sentidos nas estratégias de marketing da companhia; bate papos sobre futuro com a também futurista Amy Webb, ou em trocas recheadas de sarcasmos de lado a lado com o também CNN Scott Galloway, que aliás entrega, tal qual Webb, seu relatório de tendências para o ano durante o festival.

O evento é organizado em 25 trilhas de conteúdo que vão de design a tecnologia médica, passando por games, mídia e experiências de marca.

A edição de 2023 é a segunda da trilha “2050”, que, de acordo com a organização do evento, “vai apontar para a visão geral que ultrapassa os limites do que é humanamente possível, mostrando como o pensamento inovador pode ser uma força para mudanças positivas em nosso mundo conturbado”.

Assuntos como extensão da vida radical, física quântica, biologia sintética, nanotecnologia, inteligência artificial, agricultura de última geração, interfaces homem-computador são abordados nos painéis.

Já estive quatro vezes na feira e se tornou um bloqueio de agenda obrigatório todos os anos.

O festival espera em 2023 voltar à sua força total, já que faltava menos de uma semana para o início do SXSW 2020 quando a pandemia chegou com força aos Estados Unidos e as autoridades texanas decidiram suspender todos os eventos presenciais. O festival improvisou uma edição digital, modelo que precisou ser repetido em 2021.

Com o melhor entendimento do vírus e avanço da vacinação, finalmente os apaixonados por inovação, tecnologia e indústria do entretenimento puderam retornar à Austin para manter a tradição de debater temas que trazem o futuro para o presente.

Na sua primeira edição híbrida, o South by Southwest teve uma curadoria diferente das mais recentes, com presença maior de temas voltados às relações humanas. Mas as palavrinhas da moda – metaverso, criptomoedas, NFT e biohacking – não poderiam ficar de fora.

A conferência escolheu abordar quatro grandes temas. Descobrindo o desconhecido, com foco em como a inovação e a criatividade de ponta podem resolver muitos dos problemas mais difíceis de hoje.

Construindo para o futuro, que levou em conta que as pessoas que estarão vivas em 2100 já estão nascendo e, por isso, temos a responsabilidade de não deixar um mundo inabitável para elas. Estamos todos conectados, desdobrando aprendizados da pandemia do mundo interdependente e das necessidades de cooperação e compromisso de longo prazo com as mudanças.

E, por fim, o cenário da mídia em evolução, com a perspectiva do metaverso ao lado do desafio da desinformação.

Ainda assim, o evento de 2022 claramente estava “enferrujado”, algumas escorregadas operacionais e pelo menos 30% menos participantes do que a edição de 2019, quando 417 mil participantes lotaram as ruas de Austin; os hotéis e as salas de conferência eram muito cheias e até a movimentação nos corredores dos centros de convenções era complicada.

Para 2023 a expectativa é do maior público da historia do festival. Muita gente que não foi em 2022 ficou “babando” no que viu nos stories e relatos daqueles que estavam lá. O “FOMO” bateu forte.

FOMO no banco do motorista

Aliás o FOMO (Fear of missing out, em inglês, ou “medo de ficar de fora, em português) é sentimento dos mais comuns também nos participantes, isso porque, em alguns momentos há literalmente algumas centenas de sessões (palestras, painéis, ativações, workshops, mentorias e afins) em paralelo. Assim, escolher entre elas é das mais agonizantes e ao mesmo tempo deliciosas tarefas de quem embarca para Austin.

O centro da capital texana se transforma para receber o SXSW. Todos (literalmente, sem exageros) todos os hotéis de Downtown e a grande maioria dos restaurantes, bares, casas estacionamentos, parques, cinemas, teatros e até igrejas e lavanderias se tornam espaços para eventos e ativações.

Eu, por exemplo, já assisti a um show dentro de uma catedral (que foi incrível), uma sessão de um documentário num cinema de rua antigo, e uma infinidade de palestras e painéis sobre variados temas.

Todos os centro de convenções dos mais de 40 hotéis ficam a disposição do evento, com os participantes rodando de um para os outros, com patinetes, a pé, de carona em bicicletas com cabines atrás, seja como for, há movimento.

É notório como uma boa preparação, entendimento da geografia e disposição das salas, além de aprofundamento nas mais de sete mil trilhas de conhecimento que são oferecidas gera um retorno muito melhor para os participantes.

Todos os anos acompanhamos alguns grupos de executivos e alunos (tenho um MBA rodando no Brasil) e, em que pese, apreciem toda a organização logística, reserva de hotéis, ingressos com descontos, etc. De longe o ponto mais elogiado é de fato a curadoria de conteúdo, sobretudo entre aqueles que já foram sem esse tipo de desenho e agora repetem com assistência e um desenho feito por diversos experts de áreas diferentes.

Tanto é assim que muita gente se “especializou” em organizar esse tipo de desenho de conteúdos. Para você que está lendo e cogitando ir na próxima edição (que ocorre entre 8 e 16 de março de 2024), sugiro fortemente que faça uma boa preparação, estude as possibilidades, alternativas, crie um plano A, um plano B, e especialmente, não deixe para programar no dia, a chance de você ficar batendo cabeça e acabar não indo pra sessão nenhuma – ou perdendo aquela que poderia abrir novas perspectivas para seus negócios ou sua vida como um todo –  é enorme.

Experiência própria

Na minha primeira visita fiquei meio perdido e desperdicei oportunidades nos primeiros dias. Corri atrás e tive uma experiência melhor ao final, ainda assim, com ingressos custando mais de US$ 1 mil, além das demais despesas (hospedagem, passagem e afins), perder qualquer minuto por falta de atenção nossa é tiro no pé dos mais doloridos.

Assim, se prepare antes do festival, sugiro, inclusive, que chegue um dia antes dele começar para rodar pelo centro e entender distâncias e tempos entre os locais, disposição das salas, e ficar por dentro da vibe da célebre frase que está estampada em todo canto na cidade: “keep Austin weird”, mantenha Austin esquisita, numa tradução livre.

Basicamente a única cidade Democrata em um dos mais Republicanos estados dos EUA, Austin recebeu o apelido de “Blueberry in a Cherrypie”, a mirtilo (azul, cor dos democratas) na torta de cereja (vermelha, cor dos republicanos).

Esse mix e os choques culturais de uma das cidades que mais recebe empresas de tecnologia e profissionais do mundo todo, além de muitos egressos do Vale do Silício (como a própria Tesla que instalou sua GigaFactory na cidade, ou Google, Meta, TikTok, Amazon e outras que têm vultuosos escritórios na cidade) fez com que a cidade tivesse uma cultura peculiar e própria.

Festival de música, origem do SXSW, embala o evento; imagem do DJ Kygo no Moody Amphitheater em 2022 / Holly Jee

Lar de muitos artistas, cineastas, músicos, poetas, escritórios, Austin tem um quê boêmio que faz do SXSW uma espécie de Woodstock da Inovação. A arte, primordialmente na forma de música – origem do festival – não fica reservada apenas à parcela musical do festival que começa na metade do evento, mas está presente em todos os lados e todas esquinas.

Uma das mais tradicionais — e obrigatórias — paradas para todo e qualquer visitante é o Pete’s, bar de duelo de pianos estabelecido há décadas na cidade, em que músicos interpretam músicas em um palco baixo, superpróximo ao público que lota a casa em todos os dias de festival.

Preferido entre os brasileiros, os músicos foram ensinados a tocar um dos nossos hinos não oficiais: Evidências, da dupla Chitãozinho e Xororó, volta e meia é cantada a pulmões cheios… Ao menos pelos brasileiros, enquanto um mar de pessoas de outros países observa sem entender nada, já que saímos de Bon Jovi, Oasis, Journey, com sucessos globais há décadas para “Chega de Mentiras…”.

Brasileiros aliás dominam o ambiente, somos, já há alguns anos, top 3 delegações em número de participantes, muitas vezes a segunda, atrás apenas dos americanos. Em presença, contudo, somos sem quaisquer dúvidas a maior e mais presente massa de visitantes.

Dia a dia em Austin

Um típico dia no SXSW começa cedo, em busca do acesso pelos ingressos express – via app – que permitem acesso às sessões mais concorridas, um exercício para acordar os músculos.

Vamos para hotéis, centro de convenções, seja onde for, exercitar a mente; pausas para cafés e encontros – que são mega frequentes – com gente do mundo todo e de todas as áreas do conhecimento; trocas de ideias, novas conexões que se enfatizam num ambiente de interesses e sobretudo objetivos em comum florescem de uma forma espontânea e natural, difícil de replicar em outras condições.

Ao final do dia, os happy hours se multiplicam e geralmente tudo termina no… Pete’s. Entre uma cantoria coletiva, afinada ou não e uma cerveja para os apreciadores, networking se expande, contatos profissionais se tornam amigos e tem até gente que encontra o amor da vida lá — até casamento já houve por conta do e no festival.

Eu presumo que o grande sucesso do festival e a forma como permeia o imaginário dos participantes se dá essencialmente pelas múltiplas e plurifacetadas ativações do intelecto humano. No final do dia é sobre pessoas, como sempre, sobre pessoas e suas ideias que encontram um fértil campo para germinar nesses 14 dias em Austin.

Se uma ideia tem o condão de mudar a vida de um individuo, ideias bem nutridas e a confluência de um sem número delas, com objetivos e visões congruentes, em que pese muitas vezes salutarmente dissonantes, têm o condão de mudar o mundo e de fato o fazem.

Eu já fiz amigos para vida, negócios inimagináveis antes do festival, ri como poucas vezes, aprendi, desafiei minhas verdades e a dos outros, em suma, o SXSW é uma ideia que me mudou e muda quem participa. Estou ansioso para trazer novas histórias e aprendizados dentro da mala.

Que Austin siga esquisita e que nós possamos abraçar a nossa parcela de weirdness. URRA!

Sobre Luiz Candreva

Luiz Candreva / Divulgação

Luiz Candreva é um dos principais futuristas brasileiros. Head de inovação da Ayoo, colunista da CBN e CNN Brasil, diretor de criação do Disruptive MBA, é professor da Fundação Dom Cabral, da HSM, e da Startse; board member do Aleach Ventures, palestrante com mais de 800 apresentações em diferentes países, além de recordista mundial de KiteSurfing.