A serendipidade do acaso: o engano de uma companhia aérea e uma das melhores trufas do mundo

Como um confeiteiro do século XIX, um turista do século XX e uma receita milenar se conectam numa das mais belas cidades do mundo

Em sua coluna, Luiz Candreva revela uma das melhores descobertas ao acaso: uma loja de trufas em São Francisco
Em sua coluna, Luiz Candreva revela uma das melhores descobertas ao acaso: uma loja de trufas em São Francisco Unsplash

Luiz Candrevacolaboração para o Viagem & Gastronomia

Diz a lenda que, em 1895, Louis DuFour, em Chambéry, acidentalmente criou uma nova forma de doce ao derramar uma mistura de creme e chocolate em sua cozinha. A mistura resultante era suave e cremosa, e rapidamente ganhou popularidade, primeiramente na França e depois no restante do mundo.

Essa é uma das versões. A outra é de que o grande chef pâtissier Auguste Escoffier teria criado essas iguarias que pelo seu aspecto deveras semelhante ao raro (e valioso) fungo encontrado em regiões como a de Périgord foi batizado de trufa.

Seja qual for a origem, se você já experimentou uma trufa, certamente já está com água na boca e um insaciável desejo de comer uma agora.

Ao longo dos anos, a produção de trufas evoluiu e se expandiu para incluir uma ampla variedade de sabores e texturas.

As trufas tradicionais são feitas com ganache de chocolate, que é uma mistura de chocolate derretido com creme de leite.

Hoje em dia, contudo, é possível encontrar trufas com infusões de sabores, como café e especiarias, e até mesmo trufas com coberturas especiais, como nozes e coco ralado.

A produção de trufas é considerada uma arte por muitos confeiteiros, e a técnica e a habilidade são importantes para criar a textura perfeita.

Alguns confeiteiros ainda seguem as receitas e técnicas originais usadas na França no século 19. Além disso, muitos deles também experimentam com novos sabores e texturas, tornando as trufas uma sobremesa dinâmica e em constante evolução.

Dada a semelhança, reza a lenda que a iguaria de chocolate teria levado o mesmo nome do valioso fungo / Unsplash

Eu adoro as descobertas que fazemos por acaso durante viagens, sobretudo quando vêm acompanhadas de iguarias e “segredos” geralmente reservados aos moradores de longa data dos lugares que visitamos.

Sou, como pode se depreender de outras colunas minhas aqui no CNN Viagem & Gastronomia, um apaixonado por São Francisco.

Em que pese pequena, com cerca de 120 quilômetros quadrados, a cidade tem, especialmente pela construção histórica e diversa de sua população, uma infinidade de sabores a serem descobertos, dos fortemente influenciados asiáticos de China e Korea towns, aos pães e frutas excepcionalmente produzidos na Califórnia.

A salinidade do ar somada às amenas e constantes temperaturas da região ajudam na produção desses alimentos, tal qual favorecem a produção de chocolates de excepcional qualidade.

Naturalmente isso também se aplica às trufas. Ocorre que em variadas visitas e estadias de tempos distintos eu nunca havia encontrado uma que fosse verdadeiramente única e diferenciada. Muitas muito boas, mas nenhuma especial.

Em 2015, num vôo atrasado e alterado para outra companhia aérea, partindo de Las Vegas para São Francisco, fui sentado ao lado e conversando com uma passageira que é parte da quarta geração de uma família desde o início do século passado estabelecida na cidade californiana, o que é extremamente raro, já que a cidade já chegou a ter 85% da sua população de primeira ou segunda geração de friscano. 

Entre muitas dicas que já usei e repassei ao longo desses anos uma tem um lugar especial: um pequeno estabelecimento, incrustado atrás da Igreja de Saint Peter and Paul, na Washigton Square, com um proprietário quase grosseiro (mas carismático), sem muito espaço para acomodar muitos clientes e com a promessa das melhores e mais autênticas trufas que eu poderia comer – não apenas em São Francisco, mas possivelmente na vida.

A promessa — e a ansiedade — era grande e eu não perdi tempo. Após pousar, deixei minhas coisas em casa, montei numa bicicleta e fui direto até a extraordinária (spoiler!) XOX Truffles.

Lá fui recebido pelo Jean-Marc Gorce, proprietário, master chocolatier e megapremiado franco-americano que tem sua loja desde 1997 no mesmo bairro.

Fachada da XOX Truffles, na Columbus Avenue, em São Francisco / Reprodução/Site

Excêntrico, como se pode esperar de um criativo mestre como ele, com características que beiram os estereótipos dos europeus, Jean-Marc (não o chame de Jean, ou Marc apenas) é quase grosseiro, rude, gelado, trata os clientes com aparente aspereza e isso pode assustar alguns, mas posso garantir a vocês que se trata apenas de uma fachada de alguém apaixonado pela sua arte e desejoso de compartilhá-la com os demais.

Ele busca aperfeiçoar as receitas originais de sua mãe além de expandi-las com seus experimentos desde a abertura da loja na década de 1990. Hoje são 26 sabores, com opções veganas, alcoólicas e tradicionais. E eu posso garantir que (quase – don’t tell Jean-Marc) todos são deliciosos.

Além disso, cafés e chocolates quentes vêm acompanhados de trufas como cortesia.

Se as trufas se assemelham no aspecto aos raros fungos de mesmo nome, o “garimpo” das melhores tem em seu cerne a mesma excitação da descoberta de novos sabores embalados em texturas e intensidades harmonizadas em perfeição, muitas vezes encontrados por puro acaso e serendipidade caótica que recheia minhas vivências em São Francisco.

Descobri essa gema por um engano da companhia aérea, a qual sou grato desde então.

Escolhidos como top 10 melhores chocolates dos EUA pela Chocolatier Magazine, além de uma infinidade de outros prêmios e reconhecimentos, a XOX Truffles é, ao meu ver, parada obrigatória para quem visita a extraordinária “City By The Bay”.

Só há uma obrigação para quem o fizer: mandar um par de trufas para mim na volta.

*Os textos publicados pelos Colunistas e Insiders não refletem, necessariamente, a opinião do CNN Viagem & Gastronomia.

Sobre Luiz Candreva

Luiz Candreva / Divulgação

Luiz Candreva é um dos principais futuristas brasileiros. Head de inovação da Ayoo, colunista da CBN e CNN Brasil, diretor de criação do Disruptive MBA, é professor da Fundação Dom Cabral, da HSM, e da Startse; board member do Aleach Ventures, palestrante com mais de 800 apresentações em diferentes países, além de recordista mundial de KiteSurfing.