Sustentabilidade: restaurantes buscam diminuir o impacto gerado no meio ambiente

Levantamento visa mapear boas práticas financeiramente viáveis e descobrir quais são as dificuldades mais comuns para tornar o segmento mais sustentável

CNN Viagem & Gastronomia

Por Daniel Salles 

Ninguém vai a uma churrascaria rodízio — ou quase ninguém, convenhamos — para economizar nas calorias. Estabelecimentos do tipo, afinal, convidam a clientela a se fartar ao máximo. Sem maiores preocupações e no tempo de cada um. Daí o incessante vai e vem de espetos e os fartos e irresistíveis bufês, nos quais muita gente se empanturra antes mesmo da chegada das carnes.

Parte dos frequentadores, por outro lado, também enxerga o formato como um convite ao desperdício. E daí a quantidade de comida que uma parcela da freguesia, invariavelmente, deixa nos pratos.

Na Churrascaria Palace, cujo rodízio custa R$ 215 por pessoa, não é diferente. Na ativa desde 1951, ela calcula que cada cliente dê origem, na média, a 9 quilos de resíduos. Engana-se, porém, quem acredita que a maior parte desse peso é formada pelos alimentos deixados nos pratos, a exemplo dos pedaços de carne solicitados pela turma que tem o olho maior do que a barriga.

O que corresponde a 60% do total de descarte, pasmem, é o vidro.. Estamos falando principalmente de garrafas de vinho e de águas importadas. Embalagens de papel e de plástico contribuem com 25%. Já o lixo orgânico contribui com apenas 15%, envolvendo tanto as sobras nos pratos quanto as partes dos ingredientes descartadas pela cozinha durante o preparo.

“A Palace sempre se preocupou em diminuir seus resíduos”, afirma Honório Oliveira, gestor de alimentos e bebidas da churrascaria, uma das mais tradicionais do Rio de Janeiro e do país. “O principal desafio envolve as embalagens”.

Habituada a atender entre 6.000 e 7.000 pessoas por mês, ela investe na reciclagem de papel e de alumínio há muitos anos. Faltava, no entanto, uma solução sustentável para a infinidade de garrafas de vidro. Não falta mais. Desde maio, a Palace recorre ao Grupo Seiva, que facilita a reciclagem desse tipo de material. A companhia, da qual a Heineken virou parceira, disponibiliza máquinas que trituram o vidro, o que facilita e muito a reciclagem dele.

Churrascaria Palace
Churrascaria Palace atende entre 6.000 e 7.000 pessoas por mês e investe em ações para diminuir o impacto ambiental  / Divulgação

“O volume das garrafas é desproporcional ao peso delas”, lembra Oliveira. “Antes de começarmos a triturá-las, enchíamos dez lixeiras de 240 litros com garrafas por semana”. Agora, com a compactação, são cerca de 6 daqueles tambores de plástico, bem menores, a cada 7 dias. Eles correspondem a 350 quilos de vidro triturado por semana. “Encontramos uma maneira de diminuir o espaço necessário para acomodar os resíduos de vidro”, comemora o gestor de alimentos e bebidas da churrascaria. “É uma conquista e tanto para nossa agenda de sustentabilidade”.

A Churrascaria Palace foi um dos estabelecimentos selecionados para o levantamento que o SindRio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro, está fazendo para traçar um raio-x do setor no que se refere à gestão do lixo.

A cargo da consultoria Bota pra Girar, especializada no assunto, a pesquisa visa descobrir qual é o destino, exatamente, que os empreendimentos gastronômicos da região estão dando para cada tipo de descarte e quais são os principais desafios para a adoção de práticas mais sustentáveis. O objetivo final é incentivar a gestão inteligente do lixo em restaurantes e bares. “Nosso setor precisa se debruçar mais sobre esse assunto”, defende Sérgio Abdon, diretor-executivo do SindRio. “O lixo impacta tanto o meio ambiente quanto a logística e as finanças dos estabelecimentos do nosso setor. Nossa expectativa é mapear boas práticas financeiramente viáveis e descobrir quais são as dificuldades mais comuns para tornar o segmento mais sustentável”.

Há restaurantes, lembra Abdon, que alegam que não reciclam por falta de espaço para armazenar cada tipo de material. Daí o apelo de soluções como a do Grupo Seiva, que o levantamento feito pela Bota pra Girar deverá colocar nos holofotes — os resultados da pesquisa serão divulgados em breve. “Soluções financeiramente viáveis para os bares e restaurantes e justas para as cooperativas envolvidas precisam ser enaltecidas e copiadas”, resume Abdon.

Fernanda Cubiaco, CEO da Bota pra Girar, diz: “Os empresários que despejam todos os tipos de lixo em sacos pretos estão desperdiçando dinheiro, para não falar do impacto no meio ambiente”. Aproveita para lembrar que todo lixo misturado acaba ganhando um volume muito maior do que ele teria se fosse separado e descartado dessa forma.

Mais de dez estabelecimentos estão sendo esquadrinhados pela consultoria dela a pedido do SindRio — da rede Gula Gula ao tradicionalíssimo Bode Cheiroso, no Maracanã. Com 25 anos de trajetória, o Zazá Bistrô, em Ipanema, é outro da lista. Há uma década, o endereço de Zazá Piereck e Preta Moysés foi um dos primeiros no Rio de Janeiro a dar um basta nos canudos de plástico.

Piereck tomou essa atitude, sem pensar duas vezes, depois de ver uma foto, horripilante, de um golfinho morto com um canudo do tipo na garganta. “Aposentei os canudos de plástico de um dia para o outro”, lembra ela, que aderiu às versões de papel, mas que só são entregues se os clientes pedirem. Cinco anos atrás, o Zazá Bistrô contratou a própria Bota pra Girar, que ajudou o endereço a gerir melhor o lixo. “Abri mão de quatro mesas no salão para dar espaço para a separação dos materiais descartados”, recorda a restauratrice, que ainda aderiu à logística reversa para dar fim às cápsulas de café e às garrafas de água e de cerveja. O Zazá Bistrô também é adepto da marca Gosto da Amazônia, que promove o manejo sustentável do pirarucu selvagem na maior floresta do mundo.

Outro empreendimento sobre o qual Cubiaco se debruçou é a Torta&Cia. Com quatro unidades no Rio de Janeiro, o estabelecimento conseguiu diminuir sua conta de lixo em 40% em apenas seis meses. Conhecida pelas tortas caseiras, a rede passou a dar a devida atenção para a separação dos diversos tipos de lixo. Os materiais orgânicos, por exemplo, como restos de alimentos e guardanapos de papel, correspondiam à maior parte do volume que era descartado como lixo comum.

O passo seguinte foi revisar o contrato firmado com a companhia responsável pela coleta dos sacos que terminam nos lixões. Todo empreendimento pode solicitar a revisão desse tipo de contrato — equivale à troca de um plano de celular.

Fundado em 1999, no mesmo ano que o Zazá Bistrô, o Rio Scenarium também se aliou ao Grupo Seiva para facilitar a reciclagem de garrafas de vidro. A parceria começou há nove meses e também envolve os dois endereços derivados da conhecida casa noturna, o Santo Scenarium e o Mangue Seco — os três se encontram no centro do Rio de Janeiro.

Ambiente do Zazá Bistrô
Ambiente do Zazá Bistrô que abriu mão de quatro mesas no salão para dar espaço para a separação dos materiais descartados / Divulgação

Hoje em dia, o grupo enche 14 daqueles tambores com garrafas de vidro compactadas — dois trituradores estão à disposição da trinca de casas noturnas. Desde que aderiu à reciclagem, oito anos atrás, o grupo já evitou que 2.780 toneladas fossem direcionadas para os aterros sanitários.

“Diria que 90% dos nossos clientes não se dão conta dos nossos esforços em prol do meio ambiente”, diz Evandro Manoel Souza da Silva, um dos sócios. “Mas não fazemos isso pelo marketing, e sim porque se trata de uma responsabilidade nossa”.

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