Por dentro do Don Julio, o melhor restaurante da Argentina

Com prêmios e prestígio mundo afora, restaurante em Buenos Aires é destino certo para uma caprichada parrilla argentina

Daniela Filomenodo Viagem & Gastronomia

Buenos Aires, Argentina

Reservar uma mesa no restaurante Don Julio já virou uma atração turística imperdível em Buenos Aires. Os reconhecimentos ajudam: é atualmente o restaurante argentino mais bem colocado entre os 50 melhores do mundo e foi eleito neste ano como a melhor casa de carnes do mundo.

As filas que se formam na porta todos os dias são outro medidor do sucesso. Muitos brasileiros são vistos por aqui ao lado de turistas de várias partes do mundo, os quais são abastecidos com miniempanadas e espumante enquanto aguardam uma mesa (válido avisar: faça reserva com muito tempo de antecedência!).

Estrelas também têm seu lugar: em março, o jogador Messi, craque da seleção argentina, jantou no Don Julio ao lado da família e causou um verdadeiro alvoroço.

O restaurante, que fica no cruzamento das ruas Guatemala e Gurruchaga, em Palermo, foi fundado pelo empresário e sommelier Pablo Rivero no final de 1999. Ele herdou a casa datada do século 19 dos pais e avós e elevou o que era uma churrascaria de bairro a uma meca para os amantes de carnes.

Hoje, o Don Julio, cujo nome é uma homenagem a um amigo da família de Pablo, emprega mais de uma centena de pessoas para dar conta dos milhares de comensais que se sentam à mesa diariamente no almoço e no jantar, e onde servem impressionantes 7.930kg de carne e 5.760kg de verduras mensalmente.

O restaurante é daquelas paradas gastronômicas obrigatórias em uma visita a Buenos Aires, tarefa que foi cumprida na sexta temporada do CNN Viagem & Gastronomia (veja o vídeo acima).

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A casa trabalha com carne de gado Angus e Hereford, que são criados no interior de Buenos Aires ao ar livre e alimentados com pastagens naturais. O processo ainda leva em conta técnicas regenerativas e não há uso de fertilizantes, pesticidas ou herbicidas.

Antes de chegarem à mesa, as carnes são armazenadas em câmaras de maturação climatizadas por pelo menos 21 dias. Elas passam então pela inspeção de Guido Tassi, que lidera a cozinha e é especialista em charcutaria, outro ponto alto do Don Julio – o chorizo com chimichurri é boa dica de entrada, por exemplo.

Quase todas as partes bovinas tem espaço no cardápio, em que escolhemos o corte e os acompanhamentos. Pense nos nomes argentinos tradicionais, como ojo de bife, entraña, bife de cuadril, chorizo, asado de tira e vazio: todos estão lá. Eles chegam à nossa mesa em cortes altos, no ponto ideal e com tempo de cocção perfeito.

Os acompanhamentos não passam batido e são trabalhados com o mesmo esmero que os cortes, em que a sazonalidade entra aqui como um dos trunfos do restaurante. Sejam fatias de tomate heirloom, cultivado por produtores locais de maneira orgânica, uma abóbora a la parrilla ou até a batata, que vem grossa, cozida por dentro e fritinha, todos merecem destaque.

Por falar na parrilla, a cozinha é aberta, com grelhas visíveis ao nosso olhar, em que peças suculentas de carne ficam no balcão e são manuseadas no fogo pelos cozinheiros, sendo um show à parte.

E é melhor ter espaço para a sobremesa, já que a panqueca de doce de leite é um dos itens do menu que arremata a refeição e deixa um gostinho doce de satisfação.

Horta comunitária

Pablo Rivera e Guido Tassi na horta comunitária Luna de Enfrente, em Buenos Aires
Pablo Rivera e Guido Tassi na horta comunitária Luna de Enfrente, a poucos passos do Don Julio, em Palermo / Agustin Mercado

E quando o assunto é sazonalidade, as iniciativas extrapolam o restaurante: Guido e Pablo tocam uma horta comunitária que é espelho da filosofia do Don Julio. Situada a pouquíssimos passos do restaurante, a Luna de Enfrente surgiu durante a pandemia e provê frutas e verduras destinadas a instituições sem fins lucrativos, escolas e refeitórios comunitários.

“Chegamos a quase duas toneladas de verduras doadas aos vizinhos. Sobretudo, o que mais importa, mais até que o volume produzido, é a participação dos vizinhos. É um espaço em que eles se aproximam e criam uma comunidade”, enfatiza Guido Tassi.

Também situada na rua Guatemala, era um local em que as pessoas passavam reto. “A praça que estava aqui era um lugar que os vizinhos evitavam. Então dissemos, ‘Por que não a devolvemos ao bairro?’”. Com o projeto em mãos, levaram até as autoridades e coordenaram todo o desenvolvimento.

“O conceito da horta, que usamos também no restaurante, é ser agroecológica, neste caso, também biodinâmica. Cada atividade que realizamos na horta é regida pelo calendário lunar. Há certos dias para trabalhar as flores, as folhas e as raízes”, conta Guido.

Para se ter uma ideia, a última colheita rendeu ingredientes como aipo, couve-flor, fava, erva-doce, alho-poró e beterraba.

Além de reviver a praça, a pandemia rendeu outro negócio ligado ao ecossistema do restaurante: a Don Julio Carnicería, um açougue com os cortes servidos na casa. Além de loja online, há estabelecimento físico bem em frente à horta.

Vinhos argentinos

Vinhos na adega do restaurante Don Julio, em Buenos Aires
Adega do Don Julio tem milhares de rótulos argentinos / Agustin Mercado

Além da qualidade das carnes e da sazonalidade, é impossível falar sobre o Don Julio e não citar o vinho. Provando que a bebida é assunto sério no restaurante, Pablo Rivero está à frente da adega, a qual abriga cerca de 14 mil garrafas, todos rótulos argentinos.

Nem o interior do restaurante escapa: além dos azulejos hidráulicos no chão e dos móveis de madeira, as paredes estão forradas com garrafas vazias, várias delas assinadas por comensais.

O conceito do restaurante é de uma cozinha argentina. E o vinho é uma das partes mais importantes do que é a gastronomia argentina, em que a carne também é um grande personagem

Pablo Rivero

Quando pensamos em vinho argentino, logo um Malbec vem à nossa cabeça. Mas Pablo vai além e faz questão de trabalhar com uma variedade incrível de terroirs e castas que mostram toda a potência do país vizinho ao Brasil.

Um dos exemplos é um vinho branco da casta Riesling datado de 1992 que Pablo guarda com carinho na adega e ressalta que, ao contrário do senso comum, vinhos argentinos – e brancos ainda por cima – também podem ter um elevado tempo de guarda.

São ensinamentos como este que aprendemos com o dono do Don Julio em pouco tempo de conversa. A carne, definitivamente, é a estrela da casa; mas também nos surpreendemos com tudo que a rodeia, sejam os vinhos, os acompanhamentos, a atmosfera e até mesmo as companhias e a preocupação com a comunidade.

Quando perguntei ao Pablo o que mudou e qual a pressão de ser considerado o melhor restaurante da Argentina a resposta foi categórica: não tem pressão alguma e nada mudou, seguimos fazendo o que sempre fizemos. Servir boas carnes, bons acompanhamentos, bons vinhos e zelar em apresentar o que a Argentina tem de melhor para quem nos visita.

Don Julio: Guatemala 4691, esquina com Gurruchaga, Palermo Viejo, Buenos Aires, Argentina / Tel.: +54 11 4831-9564, ou +54 11 4832-6058 ou +54 11 5311-5668 / Horário de funcionamento: todos os dias, das 11h30 às 16h e das 19h à 1h / Reservas via site.