Pirajá: 25 anos do bar mais carioca de São Paulo e uma história que se mistura com a trajetória do samba

Um dos mais democráticos bares da cidade, Pirajá faz história na capital paulista com a bossa do Rio, mais de 50 rodas de samba com grandes nomes e 900 mil clientes por ano

Tina Binido Viagem & Gastronomia , São Paulo, SP

Em uma cidade como São Paulo, onde abrem e fecham restaurantes e bares a cada semana, completar 25 anos é uma conquista para poucos – ainda mais quando as filas e o sucesso da marca avançam junto com a idade.

Em bate-papo com Ricardo Garrido, um dos sócios fundadores do Pirajá, o brilho no olhar e a empolgação ao contar cada etapa que a casa já passou contagia. À frente da Companhia Tradicional do Comércio, detentora de marcas como Bráz, Original e Astor, é perceptível o xodó pela “esquina mais carioca de São Paulo“.

O projeto é fruto de uma provocação de fluminenses que moravam em São Paulo e frequentavam o Original, primeiro bar do grupo em Moema. Eles sempre comparavam o bar paulista com algum endereço do Rio de Janeiro e traziam semelhanças que, aos olhos dos cinco sócios da casa, não faziam sentido.

Sendo assim, eles resolveram encarar a ponte aérea e conferir de perto o que tanto falavam sobre essas semelhanças. Rodaram o Rio de Janeiro de norte a sul e chegaram a duas conclusões: a primeira é que, de fato, o Original não tinha nada a ver com nenhum deles. E a segunda é que a cultura do botequim carioca era única, riquíssima e cheia de histórias fascinantes.

No avião, de volta a São Paulo, o conceito do Pirajá nasceu. Com o nome baseado na badalada rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, os sócios tinham um objetivo: trazer a verdadeira cultura carioca dos botequins para a grande e agitada capital paulista.

E assim fizeram com a abertura em agosto de 1998 do primeiro Pirajá, na famosa esquina da avenida Brigadeiro Faria Lima. Endereço que funciona até hoje e que, ainda que falte a brisa do mar e a vista para o morro Dois Irmãos, é, inegavelmente, a esquina mais carioca de São Paulo.

A começar pela calçada, que reproduz as emblemáticas ondas dos ladrilhos de Copacabana, até a decoração com fotos e um painel do artista Nilton Bravo, que registra o Rio de antigamente, e a inconfundível trilha que embala samba de muitas gerações –muitas vezes ao vivo, nas já famosas e animadas rodas.

O cardápio completa a experiência com clássicos da “baixa gastronomia” tão forte no Rio de Janeiro, com croquetes, pastéis, caldinho de feijão, coxinha e as caipirinhas, essas em criações autênticas como a “Caipirinha É Minha e Ninguém Tasca”, com cachaça, limões tahiti e siciliano e rapadura.

Não podemos deixar de citar ainda a feijoada, feita com a receita e aval da Tia Surica, matriarca da Portela e integrante da velha guarda da escola, servida às quartas-feiras e aos sábados.

Tudo isso lhe rendeu até o título de embaixada carioca em São Paulo, como reconheceu a RioTur, Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro. O título foi reafirmado por figuras ilustres do samba e autenticamente cariocas como Beth Carvalho, Ney Lopes, João Nogueira e o padrinho da casa Moacyr Luz.

O bar resgatou a melhor tradição de uma cidade e pôs em pratos limpos a alma dos botecos, com sabores de balneário nas cozinhas paulistanas.

Moacyr Luz, músico, carioca, compositor brasileiro e padrinho do Pirajá

Além dos petiscos: a tradição do samba

Já que o compromisso dos jovens sócios ao abrir o Pirajá era transformar a esquina da Faria Lima com a Padre Carvalho, em Pinheiros, em um QG carioca, nada mais natural do que cobiçar a benção de Moacyr Luz, que à época da abertura, era júri de botecos no jornal “O Globo”.

Moa não aceitou o convite de cara, mas depois de certa insistência –os sócios batiam cartão em seus shows–, o músico desembarcou no salão daquele que seria o seu futuro afilhado.

Moacyr Luz e Dudu Nobre em alguma das muitas rodas de samba no Pirajá / Dudu Contreras

E assim, definitivamente, não foram apenas o ambiente, o cardápio e o chope Brahma tirado à maestria, com os milimétricos três dedos de colarinho, que o grupo “importou” do Rio.

O Pirajá também trouxe para a capital paulista a alegria do samba, tornando impossível não relacionar a sua história com a da música, fato lindamente ilustrado no livro que fizeram em 2010, “Pirajá uma esquina carioca”, com textos de Moacyr Luz, intervenções do jornalista e escritor Ruy Castro e ilustrações do cartunista Jaguar.

O livro segue como uma conversa entre amigos reunidos em um botequim, o desenrolar de experimentações que resultaram na construção do Pirajá.

A história discorre sobre os cinco rapazes –Edgard, Sérgio, Fernando, Mario e Ricardo– que saíram de São Paulo e se aventuraram pelos bairros do Rio de Janeiro em busca dos mais saborosos petiscos e da verdadeira essência de um bom botequim. Deleite para os admiradores de um bom samba, inclui dicas musicais, receitas criadas pelo próprio autor.

Não teve jeito, o Pirajá “mexeu com o samba, que estava quietinho no Rio”, como brincava Beth Carvalho em muitas entrevistas, e seu salão passou a ser palco de rodas de figurões do samba como João Nogueira, Jards Macalé, Zé Renato, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, entre outros.

O Moacyr Luz, sambista carioca de primeira, se tornou parceiro oficial para trazer o melhor do estilo musical que conquistou os morros cariocas. Não à toa, virou um condutor das animadas rodas de samba que viraram referência em terras paulistanas. Até hoje já foram mais de 50 no botequim.

Essas rodas, até então informais, foram crescendo e precisavam virar um show, como foi o caso do “Esquina Carioca”, que teve três edições lotadíssimas no Tom Brasil, rendendo conteúdo para dois CDs.

Um pouco depois, o projeto “Para Ver as Meninas” trouxe somente cantoras – muitas delas da nova cena – para o salão do bar, como Teresa Cristina, Mart’nália, Zélia Duncan, Roberta Sá e muitas outras.

Assim, o Pirajá se tornou o principal endereço de encontro de grandes sambistas, a maioria, cariocas, é claro.

A alma carioca dos carnavais de rua também é bem representada pelo Pirajá, que estreou em 2010, quando a festa nas ruas de São Paulo ainda não era tão popular, o “Grito de Carnaval”, evento que toma a rua e tem música ao vivo animando o Baixo Pinheiros.

Capa do CD “Uma noite com a raiz do samba” / Acervo pessoal

O boteco tem que ir onde as pessoas estão!

Ricardo Garrido, sócio fundador do Pirajá

O Pirajá sempre foi um espaço aberto e democrático. Nasceu em uma esquina da Faria Lima, na época em que o Baixo Pinheiros nem sonhava ser tão cobiçado pelo mercado gastronômico, e hoje já possui dez unidades espalhadas pela cidade, muitas dentro de grandes shoppings.

O plano de expansão segue arrojado: querem conquistar o interior de São Paulo e outros estados –menos o Rio de Janeiro, afinal, não faz sentido levar para lá a própria bossa carioca.

Se alguém tem dúvida que o sucesso desses 25 anos foi apenas o começo, os números e conquistas não negam:

Bolinho carioca (abóbora com carne seca) foi uma invenção do Pirajá / Divulgação

— Rodas de samba: foram mais de 50 rodas de samba no Pirajá. Já passaram por lá Beth Carvalho, Moacyr Luz, Luiz Carlos da Vila, Martinho da Vila, Monarco, Zé Renato, Walter Alfaiate, Dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Dudu Nobre, Roberta Sá, Teresa Cristina, Mart’nália, Leila Pinheiro, Zélia Duncan, entre outros nomes do samba;

– Produto mais emblemático: o Bolinho Carioca (bolinho de abóbora com carne seca) foi inventado pelo Pirajá e está no cardápio desde a inauguração, em 1998. Assim que o Pirajá abriu, o bolinho já ganhou o prêmio de melhor petisco da cidade pela Veja SP;

– Caipirinha é Minha e Ninguém Tasca: foi criada pelo Pirajá em 2010, leva cachaça, limões tahiti e siciliano e rapadura. Desde o seu lançamento, já foram vendidas mais de 500 mil unidades em todas os endereços da casa;

— Feijoada da Tia Surica: lançada em 2004 durante o Festival da Baixa Gastronomia promovido pelo Pirajá, já foram vendidas aproximadamente 450 mil feijoadas, sempre às quartas e sábados;

— Pratos e petiscos mais vendidos: os pratos mais vendidos são feijoada, picadinho, parmegiana, filé Oswaldo Aranha e o PF de Bife à Milanesa. Os petiscos mais vendidos são bolinho carioca, pastéis, coxinha, milanesinha aperitivo, cupinzeiro (croquete de cupim);

— Clientes: as dez lojas do Pirajá atenderam juntas em 2022 mais de 900 mil clientes;

— Funcionários: o grupo todo tem 1.500 funcionários, 400 deles em unidades do Pirajá.


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