O que os especialistas em bebidas trazem na mala quando viajam pelo mundo?

De garrafas a lembranças dos bares que visitam, veja o que está na lista de despacho de quem busca inovar nos menus etílicos pelo Brasil

O que os bartenders e entendedores de boas bebidas trazem na mala?
O que os bartenders e entendedores de boas bebidas trazem na mala? Foto de Eaters Collective na Unsplash

Tina Binido Viagem & Gastronomia

São Paulo, SP

Viajar e beber soa como a vida perfeita de um bon vivant. Mas há quem leve isso muito a sério e faça disso parte da sua profissão, com pesquisas aprofundadas, investimento e experiências que vão além das mesas de bares.

Quem senta no balcão do bar do Capincho, em Porto Alegre, costuma ouvir do bartender Fred Muller sobre as viagens que faz para pesquisar bebidas locais e quais itens não resiste em trazer na mala. Entre os destinos, destaca um país vizinho que está mais acessível aos brasileiros e uma bebida que é a primeira marca registrada da Argentina: a Hesperidina Bagley, formulada e lançada em 1864 pelo americano Melville Bagley.

“É um aperitivo inspirado nos licores franceses, com notas suaves de laranja, seguidas de um amargor que equilibra seu sabor e deixa uma sensação delicada na boca”, explica o mixologista.

Para quem trouxer na mala a icônica garrafa em formato de favo, a dica é substituir o Cointreau pela Hesperidina no preparo de margaritas.

Fred Muller do Capincho, em Porto Alegre / Divulgação

Já no México, o doce, picante e herbáceo licor de pimenta Ancho Reyes produzido por lá com pimentas colhidas ainda verdes e depois assadas no fogo por algumas horas é figura obrigatória na mala quando visita a região.

Os “chiles” são fatiados e transformados em purê para a maceração de seis meses e cada garrafa de licor Ancho Reyes é rotulada à mão e engarrafada uma a uma: ótima opção de presente para os amigos. Agora em julho Muller viajou para o Peru, onde selecionou novas garrafas de Pisco para voltar com ele a Porto Alegre.

A viagem parte para a Itália, de onde vem a dica de Thiago Bañares, da Liquor Store e do Tan Tan. A família Nonino dedica-se à arte da destilação desde 1897 e fabrica o Amaro Nonino, uma bebida à base de grappa envelhecida infusionada com ervas aromáticas, casca de quinino, raiz de genciana e absinto, resultando em uma combinação de toques doces e amargos.

Bañares conta que é uma produção artesanal de alta qualidade, fruto da preservação de uma receita familiar, “sendo considerado um dos mais elegantes amaros existentes ”, julga o empresário que foi considerado no final de junho umas das 100 pessoas mais influentes do mundo na indústria de bares e coquetelaria.

Thiago Bañares, na lista das pessoas mais influentes do mundo na indústria de bares e coquetelaria  / Divulgação

Bañares acredita que o Paper Plane só fica perfeito quando preparado com Amaro Nonino. O drinque, hoje considerado um clássico moderno, foi idealizado em 2007 por Sam Ross (Attaboy, Nova Iorque) com a intenção de criar um coquetel específico para o amaro pelo qual havia se apaixonado. Assim, criou o que viria a ser um dos mais icônicos equal-parts cocktail, ou seja, um drinque preparado com até cinco ingredientes em partes iguais.

Thiago Bañares também traz de viagem bebidas sem álcool, ainda difíceis de encontrar no Brasil, como a versão sem álcool de gim Tanqueray usado no preparo do drinque da foto.

Ainda na Europa, caso a Holanda esteja nos seus planos de viagem, outra dica de Bañares é investir no gim holandês, o Jenever. Trata-se de um destilado feito com zimbro e outras especiarias, como por exemplo as cascas de limão e laranja, baunilha e coentro. O segredo está na adição de vinho de malte, que se assemelha a um uísque não envelhecido e com alto teor alcoólico, o que faz toda a diferença no sabor da bebida.

Caso garrafas de bebidas não sejam uma opção de souvenir etílico, outra ideia é fazer como Bañares e colecionar cartas de drinques dos bares que passar, bolachas de copos ou até mesmo garimpar taças e copos locais.

Quem já passou pela Liquor Store sabe que parte da decoração é feita com cartas de bares e drinques são servidos em diferentes tipos de copos, muitos deles adquiridos em viagens pelo mundo.

Gabriel Santana acaba de voltar de Madagascar e não deixou de pesquisar ingredientes típicos da ilha africana. De lá, trouxe as famosas mini baunilhas e a disputada baunilha Bourbon, da Ilha de Reunião, considerada uma das melhores do mundo.

Quem passar pelo Santana nos próximos meses deve experimentar drinques preparados com essa iguaria. Como este não é um destino comum para os brasileiros, Santana deixa uma dica de bebida francesa que vale a compra: Suze é um aperitivo muito conhecido na França pela sua receita original de 1889 e produção tradicional, com riqueza aromática de um equilíbrio sutil entre a genciana fresca e os muitos extratos herbários de regiões montanhosas da Europa.

Gabriel Santana / Divulgação

Gerard Barberan, está à frente o Gran Bar e da Bottega Bernacca, além do Kuro, restaurante de gastronomia japonesa de São Paulo. Por ser um estudioso da cultura nipônica, Barberan passou há pouco pelo Japão e, na mala, trouxe mais do que tradicionais garrafas de sakê. O shochu é um destilado com uma ampla variedade de perfis de sabor, que podem variar dependendo do produtor e das técnicas utilizadas.

A dica de Barberan é investir em um Shochu de batata-doce, também conhecido como Imo shochu, produzido a partir da fermentação e destilação da variedade chamada satsuma-imo, cultivada em diversas regiões do Japão. Para caprichar ainda mais, se optar por um shochu da região de Kyushu, especialmente conhecida pela produção de shochu de batata-doce de alta qualidade, a escolha não terá erro.

Luana Sabino, a primeira sommelière de Mezcal do Brasil / Amanda Francelino

Tem um ditado popular no México que recomenda “para todo mal um mezcal, para todo o bem também”. Luana Sabino, do mexicano Metzi, é a primeira sommelière de Mezcal do Brasil e não volta das suas pesquisas sem novas garrafas na mala. Ela explica que o destilado é produzido com a piña (coração) da agave, produzida no México há milênios, quase sempre em produções artesanais ou de pequena escala.

Por isso também, a maioria dos mezcais continua sendo hiperlocal e reverenciada por pessoas que valorizam destilados como expressão dos lugares de onde vêm. Sempre que a chef e sommelière aparece com uma garrafa debaixo do braço, pronta para servir aos amigos, abre não só uma garrafa, mas um baú de boas histórias.

Alê Bussad e Tábata Magarão, casal à frente do Trinca Bar, em São Paulo  / Leo Martins

Já o casal Alê Bussad e Tábata Magarão, à frente do Trinca Bar, a 1º Vermuteria Artesanal de São Paulo, conta que cada viagem é um verdadeiro processo. Primeiro conversam com os bartenders locais para saber o que tem de novo, o que eles têm usado de produtos locais. Daí trazem as descobertas para o Brasil e tentam fazer as próprias alquimias.

É claro que os vermutes sempre têm espaço garantido na mala do casal que indicam aos amantes da bebida que visitarem nossos hermanos em Buenos Aires a conhecerem a Benavente Bar & Café. A casa comandada por Norbi e sua esposa oferece uma variedade incrível de vermutes artesanais e marcas argentinas, uma verdadeira joia escondida em Palermo.

Porém, nem só de álcool vive os bartenders. Alê e Tábata ficam de ouvidos atentos nas playlists dos bares pelo mundo, tentando entender se há alguma música mais agradável, uma boa descoberta para incorporar na trilha sonora do Trinca.

Alê D’Agostino / Divulgação

Já o renomado Alê DAgostino, sócio da APTK Spirits, conta que é impossível viajar e não ficar de olho no que é tendência lá fora e em produtos que não encontra com facilidade pelo Brasil, a exemplo do Rye uísque, que sempre volta na mala do experiente mixologista quando visita os Estados Unidos.

Recentemente Alê esteve na Itália e foi atrás de amaros de pequenas produções e ele dá a dica: conversar com os bartenders locais é a melhor maneira de descobrir essas pequenas marcas e itens exclusivos.

Mas cuidado para não trazer uma garrafa de cada vilarejo, cidade e loja que passar e ultrapassar a cota de 12 litros permitido por lei para a entrada no Brasil.