Moqueca e farofa são as receitas brasileiras preferidas de chefs estrangeiros

No Bicentenário da Independência, cozinheiros da Itália, Peru, França e Estados Unidos revelam sabores que abrasileiraram seus estômagos e corações

Moqueca é uma das receitas mais amadas por chefs estrangeiros que atuam em cozinhas renomadas no Brasil
Moqueca é uma das receitas mais amadas por chefs estrangeiros que atuam em cozinhas renomadas no Brasil Wikimedia Commons

Fernanda Meneguetticolaboração para o Viagem & Gastronomia

O país pode até estar completando 200 anos de Independência, porém, ainda não se decidiu por uma receita nacional. E, bem, será que precisa decidir?

O Brasil retém quase 20% de todas as espécies encontradas no mundo. Ou seja, tem uma das maiores biodiversidades do planeta e, portanto, munição para um receituário infinito – que ainda precisa ser descoberto e valorizado por seu próprio povo.

Enquanto nos ocupamos com isso, convidamos 9 chefs estrangeiros que vivem por aqui para confidenciarem suas receitas prediletas.

Paixão brasileira

Chef do Hotel Unique e jurado do “Top Chef Brasil”, Emmanuel Bassoleil nasceu na Borgonha, na França. Por incrível que pareça, mais da metade da vida trabalhou como cozinheiro no Brasil.

Há 33 anos por essas bandas, ainda hesita: “Não sei se abrasileirei o meu estômago, mas se tem um produto que uso e abuso é a farofa. Sempre me encantou. Você acompanha um churrasco, um peixe, você pode fazer com bacon, com ovo. Me agrada muito. E tem a caipirinha, que com certeza conquistou o meu fígado”.

Igualmente entusiasta da caipirinha – com cachaça boa, é claro -, a japonesa Kaori Muranaka, do Quito Quito Izakaya, em São Paulo, adora desbravar receitas desconhecidas: “A primeira vez que comi sarapatel, foi uma amiga que cozinhou. Gostei muito. Nem sabia o que era, mas senti a textura de cada coisa e achei muito saboroso”.

No cotidiano, gosta de acrescentar farofa e vinagrete, porque fica “muito bom quando se mistura”. Falando em misturar: “Fígado com jiló também amo. Nunca tinha comido jiló no Japão e o amargo dele combina muito bem com fígado”.

Nascida em Piura, a peruana Marisabel Woodman, do La Peruana, é assertiva: “A receita que mais gosto é a moqueca, tanto a baiana quanto a capixaba, mas a minha preferida é a baiana”.

A chef adora tanto que costuma prepará-la em casa: “Lembra o ensopado de peixe do Peru, mas com o leite de coco, que é muito bom e a gente não usa lá. E o dendê, o coentro, que coloco um monte, as pimentas. Adoro!”

Ela ainda arremata: “Faço junto uma farofinha de banana e cebola caramelizada, com farinha de mandioca e de milho e bastante manteiga, mas o pirão é o acompanhamento que eu mais capricho”.

Para isso, a chef se vale dos caldos do restaurante “que são bem encorpados”. “À parte uso peixe desfiado, tomate picadinho, pimentão, cebola, um pouco de alho, dendê e finalizo com um pouco do caldo da própria moqueca”, ensina.

Dagoberto Torres trocou Chaparral, na Colômbia, por um estágio no D.O.M. e pelo desejo de aprender uma nova língua.

Logo de cara, senti uma grande afinidade com a comida brasileira, até porque existem muitas semelhanças com à da minha região, como os cozidos, uma vaca atolada, uma boa feijoada. Já o idioma até hoje não falo como queria

Dagoberto Torres

À frente do Barú Mariquería, um dos restaurantes mais premiados de pescados do país, o chef revela:

“Há sete anos, fui pela primeira vez ao Espírito Santo e experimentei a moqueca. Lembro exatamente o lugar, o restaurante Atlântica, em Vila Velha. A simplicidade do prato, o sabor, a forma de se comer, de mandar a panela à mesa, tudo me apaixonou. Comecei a comer em vários lugares até chegar à do Juarez [chef Juarez Campos], que é maravilhosa”.

Mais do que apreciar, Dago trouxe o prato para o seu dia a dia. “Tenho minha panela de barro, meu urucum. Estou sempre preparado para fazer. Sei que tem essa concorrência entre a moqueca baiana e a capixaba, mas confesso que meu coração já se decidiu”.

Desde 2013 no Brasil, o catalão Gerard Barberan, da Bottega Bernacca, do Kuro e do Gran Bar Bernacca, não entrou no mérito da origem de sua receita brasileira predileta, mas para bons entendedores bastam poucas palavras.

“Basicamente é um prato delicioso, a combinação com o pirão, com a farofinha, com uma pimenta. E tem o leite de coco, que me faz lembrar muito um curry tailandês, que é outra culinária que amo”, define.

O belga Willem Vandeven divide a chefia do Maní com a poderosa Helena Rizzo. Fosse pouco uma chef gaúcha em sua vida, também é casado com Carol Albuquerque, do Taraz.

Vai daí que, além de engrossar o time de apaixonados por moqueca (baiana, vale frisar), tornou-se fã de churrasco.

“Agora que a gente tem uma casinha, o que a gente mais faz é churrasco, que não tem nada a ver com o da Bélgica. Eu não como muita carne, mas uma vez por semana, colocar uma peça inteira na grelha, comer com vinagrete, farofa e pimenta, é bom demais. Acho que se eu voltasse para a Bélgica não saberia mais viver sem”.

Nascida na Ligúria, Nadia Pizzo, chef-executiva do Ráscal, entende o apreço do colega belga.

A predileção? Feijoada. “Para mim, é uma comida de festa, dá brilho nos olhos. E não só a feijoada em si, mas todos os acompanhamentos: o vinagrete, a couve, a laranja. Acho uma mistura perfeita de salgado com doce, com a fruta. Apesar de saber fazer, não costumo preparar feijoada, mas no Ráscal todo mês os funcionários fazem uma e eu levo uma quentinha para casa. Adoro!”

Dois anos de Brasil e quatro ao lado da chef paulistana Luana Sabino deram ao mexicano Eduardo Ortiz, do Metzi, um bom repertório: “Conheci a feijoada anos atrás, em um restaurante brasileiro de Nova Jersey, mas não me impactou”. Já por aqui, a história foi outra.

“Quando cheguei, a primeira coisa que adorei foi pão de queijo, com requeijão, no café da manhã. Até que um dia os pais da Luana me levaram para experimentar uma feijoada real, num boteco. Foi muito, muito bom. Fiquei impressionado com os sabores, me lembrou os frijoles puercos do México, mas mais complexo”.

Hoje, Edu bate ponto no Bar do Biu: “Nem espero que seja quarta-feira para comer, como em qualquer dia. Até todo dia. É definitivamente meu prato preferido no Brasil, mas também gosto muito do acarajé da Casa de Ieda”.

Além de fã de praia e água de coco, o nova-iorquino Sei Shiroma, da Ferro e Farinha, caiu de amores pelo pão de alho: “Gosto tanto que tenho que ir ao Galeto Sat’s de Botafogo toda semana. É o melhor do Rio de Janeiro”.

Aliás, em homenagem à receita amada, o pizzaiolo criou uma versão hipsterizada e generosa à base de creme de alho e grana padano e mozzarella, assada a lenha e salpicada com salsinha que é hoje seu best-seller.