A polêmica taxa de rolha cobrada em restaurantes. Abolir é uma opção?

A taxa de rolha serve para cobrir os custos associados ao serviço de vinhos trazidos pelos clientes, mas há casas que aboliram esse valor e a prática tem causado discussões no setor

Restaurantes cariocas deixam de cobrar a taxa na primeira garrafa, chefs e empresários se opõem à prática
Restaurantes cariocas deixam de cobrar a taxa na primeira garrafa, chefs e empresários se opõem à prática Foto de Elisha Terada na Unsplash

Tina Binido Viagem & Gastronomia

São Paulo, SP

Há coisa de dois anos, um grupo formado por seis pessoas adentrou o restaurante Mäska, em Ipanema, no Rio de Janeiro, por volta das 18h. E lá ficou tomando vinho e comendo até 1h e pouco — foi embora quase sete horas depois. Quanto deu a conta? Cerca de R$ 450, ou R$ 75 e pouco por cabeça. Para efeito de comparação, o prato mais em conta do Mäska, hoje em dia, o curry de mini legumes, custa R$ 83 — o mais caro, o shoulder steak com aligot, pesto de agrião, farofa de pão crocante e molho aïoli com pimenta biquinho, sai a R$ 139.

O que explica os valores módicos que essa turma desembolsou, vale esclarecer, não é a escalada da inflação registrada no Brasil nos últimos anos — e sim as 18 garrafas de vinho que eles trouxeram para consumir no restaurante, comandado pelo chef Danilo Parah. Explica-se: naquela época, o empreendimento não cobrava nenhum tipo de taxa de rolha. “Enxergamos a não cobrança dessa taxa como uma gentileza para os clientes e como uma forma de aumentar o número de frequentadores”, informa Gustavo Gill. Trata-se de um dos sócios do grupo Trëma, dono do Mäska e de mais quatro restaurantes na cidade, entre os quais o Rudä e o Izär.

Ambiente do Mäska / Bruno de Lima

A empresa implantou essa política supondo que a clientela fosse levar para seus restaurantes, na maioria dos casos, vinhos caríssimos e fora da curva. “Não funcionou no Brasil”, reconhece Gill, um dos primeiros a apostar na não cobrança da taxa de rolha no Rio de Janeiro. “Essa prática deu margem para muitos exageros”. O Trëma, no entanto, não deu adeus à isenção. Motivado por episódios como o dos 18 vinhos, porém, implantou a seguinte política, que impera até hoje em todos os restaurantes do grupo: a taxa de rolha só vale a partir da segunda garrafa trazida de fora. No Mäska e no Izär, por exemplo, são R$ 80.

“Apesar de tudo, nosso grupo acredita que a não cobrança da taxa de rolha de um só vinho vale a pena”, acrescenta Gill. “Atualmente, no Rio de Janeiro, é um diferencial que leva muita gente a se decidir por este e não por aquele restaurante”. O empresário espera, no entanto, que nem todo cliente faça uso dessa política. “Se todo mundo trouxer vinho de casa, os restaurantes podem quebrar”, admite. “Perder a receita com a venda de vinhos é algo doloroso. Eles respondem por uma fatia considerável do faturamento do grupo”.

O empresário revela que o Trëma volta e meia se depara com entregadores do Zé Delivery na porta de seus restaurantes. Estão ali para entregar vinhos adquiridos pelos clientes — o aplicativo vende rótulos que custam a partir de R$ 10,79, a exemplo do tinto nacional Cantina da Serra, e chegam a R$ 138,89, caso do espanhol Navaldar Crianza D.O.C. “Nossos maîtres ficam chateados por permitirmos isso, mas também há o outro lado”, Gill argumenta. “Há clientes que nos visitam e compram vinhos nossos de até R$ 4.000”.

Os restaurantes que aboliram a cobrança da taxa de rolha da primeira garrafa — os do grupo Trëma não são os únicos — criaram uma tendência no Rio de Janeiro para lá de polêmica, como é de imaginar.

Sou contra taxas de rolha abusivas, mas não cobrar nada é um desserviço para o setor”, diz o chef Thomas Troisgros, que comanda o Le Blond, a CT Boucherie, o Toto e o Oseille, todos no Rio de Janeiro.

Ele também está à frente do T.T. Burger, rede de hamburguerias que completou dez anos em 2023 e deu origem a três outras marcas — a Três Gordos (tradução de Troisgros) foca em smash burgers; a Tom Ticken é dedicada a receitas com frango; e a Marola é especializada em sanduíches com frutos do mar. No Oseille, o restaurante mais novo de todos, a taxa de rolha custa R$ 180. No Toto, que foi inaugurado um pouco antes e funciona no mesmo imóvel, no térreo, são R$ 70 por garrafa.

Ambiente do Toto, do chef Thomas
Ambiente do Toto, do chef Thomas Troisgros / Tomás Rangel

O cliente que traz um vinho de casa, além de não consumir um dos nossos, usa nossas taças, talvez um decanter, às vezes um balde de gelo, e é servido pelos nossos garçons que recebem treinamento para esse serviço”, lembra Thomas. “É por tudo isso que a taxa de rolha existe”. Ele jura que não torce o nariz para clientes que aparecem com vinhos especiais ou preciosidades de adegas particulares. “O problema é que muita gente leva rótulos de gôndolas de supermercados. E isso porque há restaurantes que acham que vão atrair mais clientes sem a taxa de rolha”.

“As pessoas não consomem vinho em restaurantes só por causa da bebida”, observa Fernando Blower, presidente do Sindrio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro. “Fazem isso pelo serviço do sommelier, pelas taças disponíveis, pelo ar-condicionado, pela ambientação, pela música e por uma porção de outras coisas. Só que todos esses diferenciais custam dinheiro”. Daí a importância, defende ele, da cobrança da taxa de rolha. “Ela existe para compensar custos”, resume. “Sem falar que os vinhos são uma fonte de receita importantíssima para estabelecimentos do ramo”.

De acordo com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a taxa de rolha não é ilegal ou abusiva, desde que as informações sobre ela e seu valor sejam claramente apresentadas, de preferência no cardápio. Alguns estabelecimentos cobram um valor fixo por garrafa, como Toto, Oseille e companhia, enquanto outros adotam uma porcentagem sobre o preço da bebida ou cobram o valor do vinho mais barato de sua própria carta.