Provence: uma viagem pelo coração do sul da França
Os arredores de Aix-en-Provence guardam uma vida local pautada no cuidado com a terra e com os pequenos produtores; deleites gastronômicos, hospedagens singulares e campos de lavanda estão entre os resultados
Mais do que seus campos de lavanda mundialmente famosos, de suas fortalezas medievais que se entrelaçam com a vida contemporânea e de seu êxtase histórico e gastronômico, digo que a Provence é um convite para o amor.
Vagar entre as cidadelas bem conservadas, pelas pequenas comunas e adentrar áreas rurais, além de nos deixarmos surpreender pelos sabores, aromas, cores e texturas desta região francesa, é um convite para testemunharmos o amor pela terra, pela natureza, pelos pequenos produtores e, principalmente, pelas pessoas que aqui vivem e comungam deste território.
Assim, digo que estar na Provence é vivenciar um estilo de vida bem local, mesmo que por poucos dias. O resultado é quase como um sentimento, daquele que nos deixa com um gosto agradável na boca e com um aconchego no peito.
Durante as gravações do CNN Viagem & Gastronomia em Provence, pude experimentar uma viagem no tempo e desfrutar de dias encantadores por várias cidadezinhas e comunas ao redor. Experiências em torno da mesa, do campo e de construções surpreendentes marcam a jornada por aqui.
No roteiro, ainda pude mergulhar na filosofia de sustentabilidade e do cuidado com os ingredientes desta região através de uma marca especial. Mesmo do Brasil, automaticamente conecto a Provence com a L’Occitane, empresa de cosméticos que nasceu nesta terra e tem uma interessante sede na comuna de Manosque.
A Provence
Quando falamos em Provence estamos nos referindo, na verdade, a uma grande porção da atual parte administrativa francesa de Provence-Alpes-Côte d’Azur.
A Provence fica no sudeste da França, é banhada pelo Mediterrâneo e tem Marselha, a segunda maior cidade de todo o país, como sua mais importante cidade, sendo capital de Provence-Alpes-Côte d’Azur. Para se ter uma ideia, a cidade fica a cerca de 660 km da capital Paris.
Interessante relembrar que foi uma das primeiras regiões conquistadas pelos romanos fora da Itália. Com a queda do Império Romano do Ocidente, foi incorporada de fato ao domínio francês em 1486.
Por aqui, cidades medievais, châteaux, campos de lavanda e de trigo são algumas das características principais que encontramos pelo caminho. Vinhos rosé, ervas, uma série de plantas medicinais e plantas comestíveis fazem parte do que brota do campo.
Enquanto gravava os episódios nesta parte cativante da França, pude visitar várias cidades, comunas e vilarejos de carro.
Junto da equipe de filmagem, experimentei estas terras de um jeito diferente: aluguei casa, apartamento, cozinhei, fui à feira e, claro, vivi o que de melhor a região pôde me oferecer nos aspectos gastronômicos e culturais.
Minha dica por aqui é andar, passear e viver como um local por alguns dias, mesmo de férias. Assim investimos no conhecimento, que não se resume apenas à história: são pequenas curiosidades que transformam a viagem.
Desta maneira, notei também que a vida aqui acontece muito ao ar livre, além das refeições terem um gostinho de celebração. É um misto de calma e de estímulos.
E não somos apenas nós que ficamos arrebatados pelas paisagens peculiares: Monet, Cézanne e Van Gogh foram alguns nomes do mundo da arte que se apaixonaram pela região e desenvolveram suas obras.
Pintor pós-impressionista francês, Paul Cézanne, inclusive, nasceu e faleceu em Aix-en-Provence, uma das bases mais interessantes para conhecer a Provence. A cidade, que carrega um charme peculiar, foi um dos pontos principais da viagem, onde visitei pontos históricos e me “perdi” pelas suas ruas.
Aix-en-Provence: charme de interior
Apesar de ter mais de 140 mil habitantes e já ser considerada uma cidade grande, Aix-en-Provence mantém o charme que apenas os centros antigos e bem preservados podem nos proporcionar.
Obra dos romanos, foi fundada em 122 a.C e conserva características medievais, onde vários dos pontos, seja no centro ou não, possuem um ar de interior.
Já adianto: uma das estrelas da cidade é sua catedral, a Catedral de Saint-Sauveur, cuja história remonta o século 5 e vai até o século 18 – é o prédio mais antigo da cidade.
Vale conhecer para entender um pouco mais a região e a evolução durante os anos, uma vez que ela carrega diferentes estilos arquitetônicos e influências que foram sendo moldadas durante os séculos.
Um portal romano provençal está colocado sobre um muro da alta Idade Média; há um outro portal gótico; um batistério do século 6 e as naves interiores remetem aos estilos romano provençal, gótico e barroco.
Além dela, por onde andamos topamos com pontos que aguçam nossos sentidos. E, ao meu ver, ir aos mercados e feiras livres é uma das melhores maneiras de conhecer de fato uma localidade.
Feiras livres
São uma das atrações mais envolventes do passeio por Aix-en-Provence.
Aqui faço um adendo: qualquer que seja o destino, sempre tento colocar no roteiro os mercadões e feiras livres, uma vez que é por meio deles que conhecemos produtos e hábitos alimentares regionais, e onde mergulhamos na cultura do país.
Em Aix-en-Provence, as feiras ocorrem em vários pontos da cidade, principalmente na Cours Mirabeau e na Place Richelme, essencialmente às terças, quintas e sábados.
Não tem preço acordar bem cedo e se deparar com aromas e sabores do destino. Conferi a Place Richelme, que sedia uma tradicional feira ao ar livre. É impossível não querer experimentar tudo!
Queijos variados, frutas, legumes, embutidos, pães, ostras, chutneys… Vários são os produtinhos de pequenos produtores. Quando bater a fome, procure pelo sanduíche que leva raclette – custa por volta de 6 € e é o melhor e mais barato almoço!
Após o passeio pela manhã, vale se dirigir para a Cours Mirabeau, o coração da cidade.
Cours Mirabeau
É a avenida principal de Aix-en-Provence, uma via larga que reúne bares, restaurantes e cafés. É um caminho onde os nobres do século XVII construíram casarões, que estão preservados até hoje.
A dica aqui é escolher uma brasserie e se deliciar com pratos tipicamente franceses, como o steak tartare com fritas e uma taça de vinho. É a França numa garfada e em um gole!
Assim como Bordeaux tem o canelé, a Provence também tem um doce para chamar de seu. É o calisson, docinho com camada de hóstia e recheio feito com amêndoas e frutas cristalizadas (principalmente melão), que conta ainda com camada de açúcar que não ultrapassa os seis milímetros.
E ele tem lugar certo para ser apreciado: na Pâtisserie Béchard, doceria tradicional que está na Cours Mirabeau desde os anos de 1870. Empresa familiar centenária, passada de geração em geração, todos seus produtos são feitos in loco.
Empurrar as portas da Maison Béchard, como é chamada a loja na altura do número 12, é estar em meio a vitrines de docinhos típicos que parecem obras de arte. Além de comprar os doces, o endereço já virou ponto emblemático da cidade.
Atelier de Cézanne
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A vida e a morte do pintor pós-impressionista Paul Cézanne se deu em Aix-en-Provence, e, segundo a história, a luz particular e as paisagens da região deram-lhe material suficiente para trilhar seu caminho criativo e trabalhar em obras de arte que hoje estão espalhadas nos principais museus do mundo – alguns de seus quadros podem ser conferidos no Museu de Arte de São Paulo, o MASP.
Na cidade fica seu atelier, um terreno comprado em 1901 e onde fica a casa do artista, que ficou pronta apenas no ano seguinte. Foi nesse local que Cézanne trabalhou intensamente em seus últimos quatro anos de vida, até falecer em 1906.
Rodeada de natureza, a casa possui um ar pacato, singelo, e seu interior contém objetos que eram usados para as pinturas de arte morta do artista. Na visita, estão dispostas ainda algumas cartas, como as de Cézanne para Monet.
Um painel de vidro possibilita a entrada de luz dentro do atelier e seu mobiliário artístico fica exposta ao lado de objetos originais.
A visita individual leva cerca de meia hora e custa 6,50 €; visitas guiadas também acontecem no espaço e saem por 9,50 €. O estúdio ainda possui uma lojinha e sedia algumas exibições temporárias ao longo do ano, assim como encontros artísticos e gastronômicos.
Le Puy-Sainte-Réparade
A cerca de 17 km de Aix-en-Provence fica a comuna de Le Puy-Sainte-Réparade, que nos reserva um estilo de vida provençal e propriedades dignas de serem visitadas.
Falo mais especificamente do Château La Coste, que promove um verdadeiro encontro com a arte, arquitetura e vinho, além do Château de Fonscolombe, onde a construção histórica dá lugar à uma hospedagem e gastronomia de forma impressionante.
Château La Coste
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A 20 minutos de carro de Aix-en-Provence fica o Château La Coste, grande propriedade que abrange as facetas mais charmosas da França e da região: o local reúne vinhedos, de onde saem bons vinhos rosé, a especialidade da Provence, e ainda arte, arquitetura, restaurantes e hospedagem.
A comparação é inevitável: é como uma Inhotim da Provence. É um museu a céu aberto, onde esculturas, obras e pavilhões enchem nossos olhos e entram em harmonia com a natureza ao redor. São centenas de hectares e alguns quilômetros de bosques e gramados.
Obras do brasileiro Tunga estão entre as várias esculturas e monumentos, assim como um pavilhão de Oscar Niemeyer foi inaugurado em abril deste ano – último projeto concebido pelo emblemático arquiteto brasileiro, que foi trabalhado entre 2010 e 2013.
Uma estrutura metálica tubular em meio à vinícola é de autoria de Jean Nouvel, nome por trás da Torre Mata Atlântica no hotel Rosewood São Paulo. O protagonista entre as construções, porém, é o japonês Tadao Ando, que tem três edifícios e um origami em grande escala.
A vinícola também pode ser visitada, com direito a degustação, e o vinho exerce papel fundamental na propriedade. Esta região tem uma apelação oficial, ou seja, é certo que saem bons vinhos rosé daqui.
E ele é sinônimo de celebração. Os vinhedos do Château La Coste, inclusive, produzem vinhos orgânicos, mas a propriedade tem tomado um passo a mais e ido em direção a uma produção biodinâmica.
Quatro restaurantes, suítes, spa, centro de arte e adega ainda completam as instalações. É definitivamente um passeio completo em que devemos tirar um dia ou uma longa tarde para apreciar com folga o espaço. Considero um dos pontos altos do que fazer na Provence.
Confira preços e admissões no site.
Château de Fonscolombe
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Situado em um local idílico, é outro endereço que abriga a arte da boa hospedagem, gastronomia e ainda possui cuidados com vinhos próprios. Grandiosa e impressionante, a construção do castelo data do século 18.
A poucos minutos do Aix-en-Provence, a residência pertenceu a duas grandes famílias, a do Marquês de Saporta e a de Fonscolombe. Hoje, os andares dão lugar ao hotel 5 estrelas com 50 quartos, e os interiores possuem papéis de parede chineses do século 18 e estantes recheadas de livros antigos – para se ter uma ideia, folheei um de 1819.
Interessante notar que o primeiro andar é repleto de opulência, já que era onde os convidados eram recebidos. O segundo andar ainda conta com uma decoração sofisticada, mas menos abastada. E o terceiro andar foi, através dos tempos, deixado vazio, dado o tamanho da construção. Assim, o hotel segue diferentes decorações em cada andar.
É uma hospedagem que conta história e que, pela localização, é um bom ponto de base para outras comunas. Ficar aqui é ter um gostinho da vida rural de Provence, já que há produção própria de vinho, azeite, grãos, flores e plantas aromáticas.
O restaurante da casa, o L’Orangerie, oferece menus com o que de mais fresco há na região, como o uso das ervas e plantas aromáticas combinados a legumes da época da horta e de outros pequenos produtores.
É uma cozinha leve, fresca, com o que é colhido no dia e ainda harmonizado com frutos do mar, carnes e peixes – além de, claro, vinho.
Manosque: lar da L’Occitane
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A cerca de 35 minutos de Aix-en-Provence fica uma das joias do sul da França. Quando falamos de Provence, associamos diretamente a região à L’Occitane, que foi fundada em 1976 e desenvolve produtos de beleza e fragrâncias naturais com óleos essenciais vindos do que brota desta terra.
Estar aqui é se deparar com uma filosofia em torno da sustentabilidade, do pequeno produtor, da biodiversidade e do cuidado com o ingrediente. É traduzir a terra através de produtos.
A sede da L’Occitane abrange a fábrica, que pode ser visitada, além de museu, jardins e loja com os produtos.
Uma vez aqui, temos uma boa noção do que é a Provence ao revisitarmos cheiros, aromas, e atrelar histórias.
Olivier Baussan é o fundador da marca, que, desde o começo, há mais de 50 anos, tem o cuidado de olhar para as pessoas e o meio ambiente, os quais possibilitam transformar as riquezas deste solo em produtos admirados ao redor do mundo.
“A ideia da L’Occitane no início eram as plantas. Então era para captar o que estava nas plantas e oferecê-las ao público. Tenho uma frase que gosto muito: o importante é saber oferecer às pessoas em pé o que só se encontra de joelhos. Você tem que saber ser humilde e respeitoso e, ao mesmo tempo, saber mostrar produtos”, disse-me Baussan durante a visita na sede.
Com entrada gratuita, o jardim mediterrâneo ao redor do museu já nos desperta para aromas agradáveis, em que lavanda, verbena e amêndoas nos recebem para um abraço. Fica nítido o zelo pela procedência da matéria-prima, e que a marca também tem laços com pequenos produtores locais.
Em um dos cantinhos da sede podemos ver de perto também uma engenhoca original que Olivier Baussan usava no campo de lavanda: é um destilador a vapor que extraia o óleo essencial puro, a “alma da planta”, segundo o fundador.
Para o futuro, a ideia é ampliar o espaço para que se torne um circuito turístico. Um jardim de borboletas está nos planos junto da extensão a um castelo logo em frente, um jardim medieval e uma fábrica de caramelo.
É uma visita imperdível! Confira como visitar a fábrica e os outros espaços aqui.