Planejar a viagem ou deixar o acaso no comando: futurista Luiz Candreva reflete

Nosso colunista conta uma história recente que tinha tudo para dar errado na Flórida, nos Estados Unidos, mas que o levou a conhecer novos lugares especiais pelo sul do estado

Luiz Candrevacolaboração para o Viagem & Gastronomia

Planejar com antecedência ou ver tudo de última hora? Qual o seu time?

Planejar uma viagem tem inúmeros benefícios: te permite gastar menos, garantir ingressos ou acesso a todo tipo de atração, analisar diferentes hotéis, criar um roteiro que não deixe nada relevante de fora e diminuir a possibilidade de pepinos no caminho, seja antes, durante ou até depois da viagem.

o oposto, que é deixar o acaso no comando, também tem, é verdade, seus encantos. Muitas vezes de acaso em acaso se cria um roteiro com uma baita experiência.

Numerosos são os casos de encontros por engano que se tornaram achados para uma vida. No campo das ciências, os exemplos vão da penicilina ou da radiação, ou até a descoberta do continente americano durante as grandes navegações da Idade Média.

Boa parte da jornada humana no mundo se pautou na aleatoriedade de fatos e conexões e, especialmente, em como cada protagonista dessas aventuras respondeu ao caos à sua frente.

Começo da aventura

A história de hoje versa sobre isso. Em março deste ano, após o SXSW, maior festival de criatividade, negócios, cinema e música do mundo que ocorre no Texas, visitei uma amiga que mora na Flórida, a Bianca, e decidimos viajar até Key West, no conjunto de ilhas no extremo sul americano que formam as Florida Keys.

Sem muita programação, nos encontramos no fim da tarde do dia anterior em Miami para um café, com direito a drinques e pôr do sol no terraço do lounge Sugar, no bairro de Brickell, com jantar no Quinto La Huella, um uruguaio descolado com atmosfera bacana.

Lá combinamos o horário de saída e que, ao longo do caminho, veríamos se ficávamos hospedados na cidade que fica a apenas 90 milhas de Cuba ou se retornaríamos no mesmo dia a Miami. Um amigo meu, Cássio, também se animou em ir, bem como uma amiga da Bianca que estava visitando a cidade.

Key West é a cidade mais ao sul da Flórida e fica a apenas 90 milhas (cerca de 144 km) de Cuba / Ed Schipul/Flickr

No outro dia pela manhã, aluguei um carro em uma plataforma que permite locações “peer to peer”, ou seja, tal qual o Airbnb, diretamente de pessoas físicas. Estando em Miami, com clima incrível e em duas pessoas, optei por um carro confortável, esportivo e evidentemente conversível.

Retirei o carro logo pela manhã e, até aqui, tudo estava dentro do programado. Avisei à Bianca que estava com o carro e ia ao encontro dela e de sua amiga para tomarmos café e esperarmos o Cássio que estava em Aventura (ao norte de Miami) para nos encontrar e partirmos.

Acasos

Aqui, começam os acasos que nos levariam a um desfecho incrível. Cássio se empolgou com a ideia do conversível e, resumidamente, quis alugar também. Ocorre que o cadastro dele demorou a sair, sugeri então outra locadora.

Conseguimos o carro, mas lá se foram cerca de 1h30. Com relógios já marcando quase 10h e com Cássio ainda em Aventura e com uma viagem pela frente de pelo menos 3h30, o retorno no mesmo dia já parecia improvável. No final, o café da manhã virou brunch, e partimos depois das 13h.

Enfatizo que reagir às adversidades de maneira “good vibes” é a melhor saída

Colocamos o pé na estrada e eu e a Bianca seguimos à frente, com cliques num dia lindo de sol e com o objetivo de encontrarmos um lugar gostoso, pé na areia se possível, para curtir a tarde.

Já convencidos de que não iríamos até Key West, o objetivo se tornou aproveitar ao máximo a jornada e as demais ilhas no caminho, sem destino nem horários definidos.

Encontramos uma série de opções em Islamorada, ilha que fica a aproximadamente 130 km de Key West ou de Miami, basicamente na metade do caminho. Escolhi uma rua aleatória para chegarmos ao mar, curiosamente, chamada de Beach Road.

Além da vista absurda, havia um caminho que levava para dentro de uma propriedade que parecia ser um hotel. Entramos e bisbilhotamos: o lugar era lindo, com uma infraestrutura superbacana. Sem nem precisar falar nada, estava claro que ambos já tínhamos escolhido aquela hospedagem para passar o dia.

Lindas paisagens vão se formanda em Islamorada, parte de Florida Keys / Luiz Candreva

Como gostamos da vista, da infraestrutura e da atmosfera, procurei no mapa do celular pelo nome do hotel. Ligamos, perguntamos sobre a disponibilidade e tarifas e, segundo a atendente, o local estava lotado e não havia disponibilidade até abril.

Mesmo assim, como já estávamos no local, conversamos com alguns hóspedes e funcionários e descobrimos que o hotel tem diversos tipos de hospedagens, desde vilas, chalés, quartos comuns, hospedagens num campo de golfe até casas de proprietários.

É raro termos tudo 100% lotado: muitas vezes, se você persistir, conseguirá uma das vagas que eram “impossíveis”, “esgotadas” ou “indisponíveis”. Munido dessa convicção decidi insistir: melhor do que a central de reservas, seria o balcão diretamente.

Tenho a convicção de que, quase sempre, há ao menos um ingresso, um quarto, um assento, uma vaga disponível

 

O hotel

Depois de rodar um pouco pelas ruas, fui até uma portaria. Chegamos, informei na guarita que buscávamos hospedagem e um local para almoçarmos. Nossa entrada foi liberada, entramos e o caminho, com prédios dos quartos e demais instalações, só confirmou nossa certeza. Tudo era muito bonito e organizado.

O prédio principal fica de frente para o Atlântico e, além de um bar interno, o complexo tem cinco restaurantes de diferentes cozinhas e propostas. Você já deve ter notado que ainda não disse o nome do local, mas segure um pouco mais.

Fui até a recepção explicar a imprevisibilidade da visita e procurar por acomodações. Usualmente as tarifas no balcão são mais altas do que em sites e centrais de reservas. Contudo, às vezes há a possibilidade de negociar e quanto mais perto do horário de virada de dia, melhor, já que, para o hotel, é melhor ocupar um quarto por um preço mínimo do que deixá-lo vazio.

Me informei e expliquei que aguardaria meus colegas para definirmos qual seria o próximo passo. Pedimos uma mesa para almoçar no Atlantic’s Edge e por lá ficamos com uma vista de tirar o fôlego.

Restaurante ao lado do mar foi uma das descobertas da viagem / Luiz Candreva

Aliás, a vista é a principal atração do restaurante. Não que a comida seja ruim, inclusive sobremesas, drinques, sucos e entradas são deliciosos. O custo, contudo, não se equilibra com a qualidade. Um almoço ou jantar tardio para quatro pessoas com entradas, salada, peixe e acompanhamentos e bebidas variadas, incluindo vinho, sai por algo entre US$ 80 e US$ 120 por pessoa.

Do restaurante pude entender mais o resort: ele fica em frente a uma porção do mar bastante rasa e calma. Quase não há ondas, o vento entra na parte traseira da ilha, onde, inclusive, há oferta de esportes à vela. O hotel também possui opções variadas como stand up paddle, caiaque, canoa havaiana – todos inclusos na diária – além de lopcação de jet skis e passeios de barco e pesca.

As vistas são deslumbrantes. O serviço, apesar de por vezes ser mais lento do que se poderia desejar, é de primeira linha, com 90% dos funcionários não apenas solícitos e educados, mas buscando o “extra mile”, ou seja, fazendo algo a mais em suas entregas.

Isso contribui fortemente para a experiência como um todo. Almoçamos e a tarde se esvaiu enquanto papeávamos e passeávamos pelos píeres.

Explosão de cores em pôr do sol por Islamorada / Luiz Candreva

Entre algum debate em relação a quartos, valores de tarifas, horários, fui até a recepção entender o que ainda estava disponível. Um quarto duplo já fora “surrupiado” por outro visitante; sem bater com os demais, reservei o apartamento.

A acomodação era muito confortável, basicamente dois quartos em um, com uma cozinha completa, geladeira, cooktop, máquina de lavar pratos, cafeteira e afins. O pôr do sol veio e com ele um festival de cores incríveis, além de na sequência uma lua cheia que deixou a noite, já aprazível, ainda mais deliciosa.

Drinques, jantar rápido e lá se foi a noite, entramos na madrugada. Como falei acima, em noites de céu aberto e dias não tão quentes, carros conversíveis se pagam pela experiência.

Um dos píeres da grande propriedade em Islamorada, parte de Florida Keys / Luiz Candreva

Acabei optando por dar uma volta nas estradinhas que cortam as pequenas ilhotas. O fato de haver pouquíssimas luzes artificiais permite ver um céu bastante estrelado. Vídeos e muitas fotos em “modo noturno” além de boa música com capota abaixada deram o tom.

Lá pelas 2h30 todos estávamos acomodados nos aposentos. Sorrateiramente para não acordar ninguém, levantei por volta das 5h30 e fui correr na beira do mar, esperando pelos primeiros raios de sol. Os horários de transição de luz são sempre os mais incríveis e essa região e esse resort tem ângulos e paisagens fantásticos.

Depois disso tudo, fui experimentar o café da manhã. Pedi um bowl de frutas, além de um tipo de muffin feito com clara de ovo, farinha de amêndoas e blueberries, além de um suco de laranja e um chocolate quente de leite de amêndoas.

Mais uma vez, o restaurante não decepciona, mas também não encanta. As mesas encheram rapidamente após as 7h30, e era visível como muitos eram hóspedes frequentes (quiçá proprietários) cumprimentando e sendo cumprimentados de volta pelos garçons pelos seus respectivos nomes. Esse ponto pra mim é o que dá a liga desse conjunto todo:

O senso de comunidade, tão tradicional na cultura norte-americana, que também se faz presente por lá. Há um zelo de todos pelo todo e assim, a limpeza, a organização e as boas vibes: do lugar têm em sua origem, ao meu ver, esse senso comunitário aflorado e presente. 

Deixei o café e fui curtir a piscina – ao todo são mais de nove piscinas espalhadas pelo complexo. Aproveitei a paz do recinto vazio para meditar e descansar um pouco e rodei por algumas áreas que ainda não tinha conhecido.

No restante do dia, curtimos a infraestrutura do hotel, peguei uma prancha de stand up e fui remar aproveitando as águas plácidas. O almoço foi de petiscos e aperitivos e saladas variadas, e comi um salmão com uma salada de tomates e abacate, que talvez foi a melhor refeição em termos de sabores novos que experimentei por lá.

Como de costume em todo os EUA, o almoço tem valores bem mais baixos do que os do jantar: com drinques, sobremesas e almoço para três, o total não passou de US$ 100. Vale pela experiência!

Após o almoço fiz o check out e sentei no bar do lobby, que, aliás, é uma experiência que recomendo em qualquer cidade norte-americana, pois temos a oportunidade de interagir e se divertir com os outros.

Moral da história

Percebi então que não chegaríamos a tempo de devolver o carro sem incorrer novos custos frente ao horário previamente definido. Aqui entra uma das facilidades da plataforma de aluguel de carro: direto pelo app, pedi a extensão, que já estava pré-autorizada, combinei com a proprietária o novo horário e tudo pronto.

A bordo seguimos de volta para Miami com o sol se pondo e a certeza de que, de vez em quando, vale muito a pena se deixar levar sem planos, sem norte, sem enxergar os aparentes problemas no caminho como meros reveses.

Muitas vezes eles nos apresentam novas oportunidades e servem de chaves para descobrimos experiências que, de outra sorte, seriam perdidas, além de lugares incríveis como o Cheeca Lodge, o resort que me refiro neste texto em Islamorada, no estado da Flórida.

Sobre Luiz Candreva

Luiz Candreva / Divulgação

Luiz Candreva é um dos principais futuristas brasileiros. Head de inovação da Ayoo, colunista da CBN e CNN Brasil, diretor de criação do Disruptive MBA, é professor da Fundação Dom Cabral, da HSM, e da Startse; board member do Aleach Ventures, palestrante com mais de 800 apresentações em diferentes países, além de recordista mundial de KiteSurfing.


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