Insider: Índia pela jornalista Sofia Patsch
A Sofia Patsch comanda, ao lado de Fabi Saad, o programa Mulheres Positivas na TV Estadão. O projeto mostra experiências enriquecedoras que possam inspirar mulheres a lutarem pelos seus sonhos. A jornalista, que também integra a coluna Direto da Fonte, da Sonia Racy no O Estado de S.Paulo, realizou um sonho ao cruzar a Índia de trem do Triângulo Dourado até a vibrante Mumbai.
Chegaram minhas tão sonhadas férias e com elas um convite irrecusável: conhecer a Índia de trem através de um roteiro montado pela Cox & Kings – empresa indiana de turismo fundada em 1758, que atua em diversos países da Ásia, Oriente Médio e Europa. Foram quase 24 horas de viagem – quinze horas até Dubai, seis horas no aeroporto para conectar e mais duas horas e meia até Délhi. A capital indiana foi o ponto de partida da viagem.
O Deccan Odyssey é um trem luxuoso que faz seis rotas diferentes pela malha ferroviária indiana, uma das maiores do mundo, construída pelos britânicos na época da colonização. Aliás, na Índia é muito comum viajar de trem, os indianos utilizam muito esse meio de transporte. Assim como o sistema de castas, os vagões são divididos em classes, 1°, 2° e 3°.
Ficamos uma semana no trem. Nossa rota era Délhi-Mumbai, passando pelo triângulo dourado indiano – região do noroeste da Índia, ao sul da Cordilheira do Himalaia, que tem Nova Délhi, Agra e Jaipur como as extremidades de um triângulo perfeito e forma um dos tesouros turísticos indianos.
Inspirado nas viagens que os marajás e aristocratas britânicos faziam pelos desertos e montanhas do país, o trem era um verdadeiro hotel cinco estrelas em cima dos trilhos. Nossa cabine ficava no vagão Bollywood. Era pequena, mas muito confortável. O banheiro tinha água quente e as camas eram macias.
Nós tínhamos nosso próprio mordomo, o Sanjay, que nos acordava cedo, às vezes às 5h da manhã, quando o passeio pedia. Ele estava sempre com um sorriso no rosto e café quente com bolachas na bandeja. No fim do dia, nos trazia uma taça de vinho tinto para relaxar. Ele também providenciava tudo que precisávamos, como mandar as roupas sujas para a lavanderia e arrumar o quarto enquanto estávamos fora.
Outra facilidade do trem era o serviço de spa. Sim, existia uma massagista tailandesa à disposição dos hóspedes (as massagens eram pagas à parte). Além das massagens, tinha sauna e academia – pequena, mas dava para queimar calorias em uma esteira ou na bicicleta, além de fazer alguns pesinhos para os braços e pernas. Também tinha um salão de cabeleireiro, que disponibilizava o serviço de manicure e pedicure.
Experimentei uma massagem relaxante e, mesmo com o balanço do trem, consegui ficar zen. Depois fiz sauna. A academia não consegui usar, confesso que preferia tomar um bom vinho no vagão do bar. Tentei agendar o serviço de pé e mão, mas no dia a manicure estava de folga.
Antes de ir para a Índia ouvi muita gente dizer que tinha emagrecido porque a comida indiana é muito apimentada para o paladar brasileiro. Bom, esse não foi meu caso. O trem contava com dois restaurantes, um de comida tradicional indiana e outro de culinária continental. Ambos deliciosos.
O staff era muito cuidadoso e pensava em tudo. Quando descíamos do trem para algum passeio éramos recebidos com uma calorosa recepção. Os indianos têm o costume de dar as boas-vindas aos turistas com um colar de flores, tradicionalmente feito pelas indianas como oferenda para os Deuses, e pintam o Bindi – famoso terceiro olho indiano.
Além desse ritual, indianos vestidos com as roupas típicas da região nos recebiam com uma dança local. Depois, era só entrar no ônibus e seguir para o passeio. O legal é que no caminho já tinha um guia que ia explicando tudo sobre a atração e curiosidades da região. Também tinha água filtrada e petiscos à disposição. Todos os tickets e refeições que fazíamos fora do trem já estavam pagos. É parte do pacote.
Na noite de despedida todos os passageiros ganharam roupas típicas indianas. As mulheres Sáris e os homens Curta Pijamas. Todos se vestiram e foram dançar no vagão do bar, onde montaram uma verdadeira festa indiana.
A Índia não é um país fácil para quem é de fora. Os tão comentados contrastes indianos entre pobreza e riqueza estão por toda a parte e não foi diferente no trem. Quando parávamos em uma estação, era só olhar pela janela que eles estavam ali. Vejo a Índia como um país intrigante, que faz com que você enxergue além do caos, com a alma e o coração, sem julgamentos. Falta saneamento básico na maior parte das cidades, assim como outros problemas de infraestrutura, mas sobra cultura, fé e tradição.
A seguir um resumo dos sete dias no trem.
1° dia – Délhi
Capital da Índia e maior portão de entrada do País. A metrópole é poluída e caótica, antiga e moderna. Carros dividem espaço com tuc tucs e animais na pista. Lá o trânsito não tem muitas regras e o que impera é a buzina. Nosso motorista até comentou que dirigir na Índia é trabalho duro, por isso não aconselho nenhum turista a alugar seu próprio carro. Mas o metrô funciona e é um grande aliado para fugir do trânsito nos horários de pico.
A cidade é dividida em Nova Délhi e Antiga Délhi. Na parte nova é onde se encontram a maior parte dos monumentos e vestígios de impérios perdidos.
Em nosso tour, passamos pela Qutab Minar, ou Torre da Vitória, construída para estabelecer o poder do Islã e o início do domínio muçulmano na Índia. O túmulo de Humayun – o primeiro grande exemplo do estilo arquitetônico islâmico/hindu, que se tornou a marca da dinastia Mongol no país. India Gate ou Portão da Índia – um memorial aos soldados que lutaram e morreram na Primeira Guerra Mundial. E os prédios que datam da época da invasão britânica, como a residência do Presidente, a Casa do Parlamento, sede do Governo e as embaixadas, que ficam na área mais policiada e florida da cidade.
Old Délhi, ou Antiga Délhi, é onde fica o maior mercado de especiarias da Ásia. Quem for vai reparar que muitas pessoas começam a tossir por causa do cheiro forte das pimentas. Local bem tradicional, onde se encontra comércios que são passados de geração em geração. Não se pode entrar de carro, só de tuc tucs e motos. Os Indianos têm o costume de andar em três ou mais em cima da mesma moto. Foi em Old Délhi que comecei a entender como é a cultura indiana.
Antes de pegar o trem, passamos a noite no hotel The Oberoi, que fica em Gurgaon, uma cidade satélite mais moderna e industrial, com escritórios, arranha-céus e shoppings.
2° dia – Sawai Madhopur – Ranthambore National Park
Nossa primeira parada no estado do Rajastão foi em Sawai Madhopur, mais conhecida como a “cidade do tigre”. É lá que fica o Parque Nacional Ranthambore, lar de várias espécies selvagens, como crocodilos, leopardos e tigres. O local é ideal para safaris. Se for seu dia de sorte, poderá ver um tigre relaxando ao sol ou caçando cervos ao redor dos lagos. Infelizmente, não foi nosso caso.
Antes de regressar ao trem, visitamos as famílias que vivem nas fazendas da região. As pessoas mantêm os mesmos costumes de antigamente e se sustentam com o cultivo de goiabas. Um desses fazendeiros recebeu nosso grupo em sua propriedade e ofereceu um tradicional massala chai, que foi degustado em baixo de um pé de manga.
3° dia – Agra – Taj Mahal
O Taj Mahal é o epítome do turismo na Índia. Considerado uma das sete maravilhas do mundo, é celebrado por sua magnificência arquitetônica e beleza estética, que realmente são de impressionar. O monumento é uma homenagem ao amor eterno. Foi construída pelo imperador Shah Jahan em memória de sua esposa Mumtaz Mahal. Os túmulos do casal estão dentro do mausoléu. Feito em mármore branco, foram necessários 22 anos e mais de 20.000 trabalhadores e artesãos para completar a obra.
Situado entre jardins, é um lugar de muita paz, mesmo com os milhares de turistas que o visitam diariamente. Sexta é fechado ao público.
4° dia – Jaipur – Cidade Rosa
Jaipur é conhecida como a Cidade Rosa por causa da cor de suas construções. Capital do Rajastão e uma das cidades mais famosas e pulsantes do Estado, abriga belos edifícios, incluindo o Palácio da Cidade, Amer Fort e o Hawa Mahal ou Palácio dos Ventos. O centro histórico está em obras, estão construindo um metro, o que dificulta um pouco o trânsito na região.
Para quem curte moda e compras, vale muito a pena transitar pelos mercados da cidade, onde os artesãos exibem joias, pinturas, esculturas e tecidos. A marca registrada de Jaipur são os tecidos feitos com estampas fabricadas manualmente com carimbos de madeira, num método conhecido como Block Print, utilizado na Índia há mais de 300 anos.
Uma dica: não aceite o primeiro preço, os indianos adoram negociar e baixam o valor para menos da metade, basta não se mostrar muito interessado. É bom trocar seus dólares por rupias indianas, pouquíssimos estabelecimentos aceitam dinheiro estrangeiro.
Muitos turistas optam por subir até o Amer Fort em cima de elefantes. Os animais são usados como meio de transporte na índia há séculos e, na época dos Marajás, quanto mais elefantes o exército tinha, mais poderoso ele era. Para evitar acidentes, no turismo dão preferência às elefantes fêmeas, que são mais calmas que os machos.
Para quem se interessa por arte e cultura, visitar o museu do Palácio da Cidade é obrigatório. O local abriga uma vasta coleção de utensílios da família real de Jaipur. Podem ser vistos trajes que eram do rei – bordados com muito ouro e prata. Antiguidades e artefatos de guerra. E uma galeria de arte com uma excelente coleção de pinturas em miniatura, tapetes, parafernália real e raros trabalhos astronômicos em árabe, persa, latim e sânscrito.
Uma curiosidade: Hoje o Palácio da Cidade é muito procurado para Destination Weddings.
5° dia – Udaipur
A cidade, conhecida como a Veneza do Oriente, por causa de seus lagos, é a mais romântica e limpa que conhecemos em todo percurso. É lá que fica o maior complexo palaciano do Rajastão, segundo maior da Índia.
O Palácio da Cidade é hoje um museu com vasta coleção de arte e arquitetura indianas. Lá também funciona um hotel de luxo que abriga a maior coleção de cristais do mundo. São 1600 peças datadas de 1900, entre elas, um cama – a única feita com o material no mundo.
Em frente ao Palácio da Cidade fica o lago Pichola, onde foi construído o Lake Palace, que era para onde o rei e sua família iam passar os dias de verão. Hoje o local funciona como um hotel cinco-estrelas administrado pelo grupo Taj.
Foi nesse mesmo lago Pichola que gravaram o filme 007 contra Octopussy, em 1983. O ator Roger Moore foi o primeiro hóspede do hotel que fica dentro do Palácio da Cidade. O rei de Udaipur ainda mora na cidade e é um homem de negócios, administra 15 hotéis no Rajastão.
Depois de conhecer o museu e a Galeria de Cristal, pegamos uma balsa/barco para almoçar na ilha de Jagmandir, um palácio do século XVII que era usado para festas e comemorações reais. Hoje funciona como restaurante e continua sendo usado para festas. O local é muito procurado por indianos endinheirados que querem fazer um Destination Weddings.
Uma curiosidade: quando vai acontecer um casamento na cidade, as pessoas pintam as fachadas de suas casas com desenhos típicos indianos, como o símbolo de Ganesha, que significa boa sorte. A cultura hindu diz que o deus ajuda a remover obstáculos do caminho. Por isso Ganesha é sempre o primeiro convidado dos casamentos.
6° dia – Vodadora
A cidade fica no estado de Gujarate, região da Índia onde nasceu Mahatma Gandhi e também o atual primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, empossado em 26 de maio de 2014.
Lá visitamos o Parque Arqueológico Champaner-Pavagadh – patrimônio mundial da UNESCO. É a única cidade islâmica pré-Mongol que continua completa e inalterada. É no parque que se encontra a Jama Masjid, mesquita que data de 1513. Sua construção foi realizada ao longo de 25 anos e é um dos monumentos mais notáveis construídos pelo sultão Mahmud Begada. Está em ótimo estado de conservação.
Almoçamos no trem e fomos tomar um autêntico chai indiano no belo Laxmi Vilas Palace.
7° dia – Aurangabad/Ellora Caves
Descemos do trem, entramos no ônibus e nos deslocamos 30 km até Ellora Caves, as incríveis cavernas artificiais esculpidas por monges budistas, hindus e jainistas ao longo de cinco séculos. São 34 cavernas que funcionavam como mosteiros, capelas e templos. Além da antiga arquitetura indiana, o que impressiona são as esculturas que decoravam os locais, notavelmente detalhadas.
A mais notável das cavernas é o Kailasa Temple, templo dedicado ao Deus Shiva. É a maior escultura monolítica do mundo, escavada de cima a baixo contra uma encosta rochosa. Foram precisos mais de 7.000 homens para levantar a estrutura em um período de 150 anos.
Na entrada do parque arqueológico existe bastante comércio. Tentaram vender de tudo, desde colares de pedras, até banana para dar aos macacos, que são numerosos e ficam espalhados pelo local. Os animais viraram uma atração à parte.
8° dia – Mumbai
A capital financeira da Índia é uma metrópole de mais de 20 milhões de habitantes. Foi a cidade indiana mais ocidental que conhecemos, com muita arquitetura britânica, herança dos ingleses que lá viveram. Chegamos fim de tarde e o sol estava se pondo no mar. Ficamos pouco tempo na cidade, infelizmente. Lá existem bons restaurantes e grandes hotéis.
Nós nos hospedamos no Trident Hotel, que fica de frente para a orla. A cidade tem um calçadão que lembra algumas cidades litorâneas brasileiras, mas com outra atmosfera. As pessoas frequentam a praia artificial, construída pelos britânicos, mas ninguém se arrisca a entrar no mar, é muito poluído. Do nosso hotel dava para ir a pé até a Colaba Causeway, ótimo lugar para compras. Por lá dá para achar de tudo, desde souvenires indianos até finas pashminas, nas lojas mais chiques. Só tem que tomar cuidado com o assédio dos vendedores e sempre lembrar de barganhar.
À noite fomos encontrar um amigo indiano que nos levou para jantar em um gostoso restaurante japonês no bairro chamado Bandra, conhecido como bairro dos artistas. Uma região jovem e descolada, mas um pouco longe do centro. Tivemos que pegar um típico táxi de Mumbai, eles são decorados com motivos indianos. Para terminar fechar a noite com chave de ouro, fomos tomar cerveja em um típico pub inglês, mais uma herança deixada pelos britânicos.
Fotos: Sofia Patsch