Praia de areia preta, cachoeiras cenográficas e glaciar são belezas intocadas do Sul da Islândia

Região do país tem passeio de moto na neve ao redor de vulcão ativo, museu interativo sobre a atividade vulcânica e até chef brasileiro em restaurante local

Daniela Filomenodo Viagem & Gastronomia , Islândia

Terra de superlativos, a Islândia é um país onde elogios como “belo”, “imponente” e “maravilhoso” não são suficientes. Território europeu cheio de contrastes naturais, as paisagens daqui mudam a cada quilômetro e nos arrancam um sincero “uau” a cada passo.

Tudo isso é ainda mais potencializado na região Sul do país, onde o calor geotérmico encontra o frio glacial e resulta em cenários, no mínimo, arrebatadores.

Falo de praias de areia preta, cachoeiras espetaculares que lavam a alma, um dos maiores glaciares da Europa – que tem até vulcão que pode entrar em erupção a qualquer momento – e paradinhas estratégicas em restaurantes que, à mesa, traduzem a tradição local.

Depois de sobrevoar um vulcão ativo que entrou em erupção dias depois de minha visita e relaxar nas famosas águas geotérmicas do Blue Lagoon, a capital Reykjavik também foi o ponto de partida para novas aventuras, desta vez pelo Sul da Islândia, que podem ser vistas nos episódios da quinta temporada do CNN Viagem & Gastronomia.

Dotado de maravilhas naturais que enchem nossos olhos, o Sul é facilmente acessado de carro a partir de Reykjavik em cerca de 40 minutos, tempo suficiente para alcançar o começo da região.

Além das paisagens deslumbrantes, a área também é marcada por especialidades culinárias. Vegetais cultivados localmente e peixes e frutos do mar pescados no dia são insumos essenciais da boa mesa daqui.

No meio do caminho topamos ainda com cervejarias artesanais, muitas delas microcervejarias, que nos oferecem os mais variados estilos e sabores. Hoje uma das bebidas mais populares do país, ela chegou a ser proibida até o final da década de 1980 – a Islândia comemora o “Dia da Cerveja” em 1º de março, data do final da proibição.

Vale ressaltar que o Sul engloba uma série de passeios e atividades incríveis, incluindo a rota cênica do Círculo Dourado (Golden Circle), que aprofundarei em outra coluna.

Em meio a tantos locais magníficos a serem percorridos, elenco a seguir uma seleção dos mais imperdíveis e que marcaram minha estadia no país do gelo e do fogo. Detalhe: eles não ficam longe um do outro e a melhor maneira de aproveitá-los é alugando um carro.

Reynisfjara: a praia de areia preta

Um dos cartões-postais da Islândia, Reynisfjara é a mais famosa praia de areia negra do país e fica a cerca de 180 km de Reykjavik. É daqueles passeios imprescindíveis que devem estar na lista do que fazer na Islândia.

Estar aqui é se deparar com um choque da natureza que não estamos acostumados e topar com a agitação das águas do Atlântico Norte. A areia é preta justamente por conta da atividade vulcânica do território: é formada por lava fervente que flutuou pela costa e, ao se encontrar com a água fria, se solidificou ao longo de milhares de anos.

Além da areia, o cenário é composto por cavernas, grandes formações rochosas e muitas pedras. Brinco que aqui são vários tons de cinza.

Há também as emblemáticas colunas de basalto, que, além de intrigantes, são para lá de fotogênicas e ficam no sopé da montanha Reynisfjall.

As colunas também são provenientes de lava endurecida, moldadas a partir da contração de rocha vulcânica que endurece em um pilar à medida que esfria.

​​A praia de Reynisfjara é adjacente à charmosa vila de Vík, que reúne apenas 900 moradores e está situada entre o mar e o glaciar Mýrdalsjökull, outro ponto extraordinário.

Expedição pelo glaciar

Já pensou em andar literalmente em cima de um glaciar? Ou ainda passear pelo local a bordo de uma moto adaptada para neve? Este é um dos programas oferecidos no glaciar Mýrdalsjökull, situado ao norte da cidadezinha de Vík.

A geleira soma 595 quilômetros quadrados e seu pico fica a cerca de 1.500 metros acima do nível do mar. Em dias de tempo agradável, as paisagens daqui ficam na memória para sempre.

Scooter na neve, trenós puxados por cães e passeios de escalada no gelo são a gama de atividades que podem ser feitas na geleira ao lado de guias e empresas especializadas, assim como o snowmobile.

Trata-se de uma moto adaptada em que percorremos áreas fascinantes e chegamos até as redondezas do Katla, vulcão com uma boca de 10 quilômetros de diâmetro que entra em erupção a cada 40 ou 60 anos – a última grande delas foi registrada há 105 anos.

O recado é claro: ele é um dos vulcões mais poderosos do mundo e, segundo geologistas, uma erupção pode estar próxima, o que significa que todo o gelo à sua volta derrete e forma violentas inundações.

Mas antes de imaginarmos tal cenário, vamos nos concentrar no passeio: ele começa com um briefing e troca de roupas especiais numa base, que inclui macacão e capacete. Em seguida, embarcamos em um verdadeiro ônibus adaptado para a geleira e subimos até o topo da Mýrdalsjökull.

Os cenários e toda a vestimenta faz com que pensemos que estamos em outro planeta!

Confesso que, com todas as informações, estava um pouco nervosa. Foi a primeira vez que quase desisti de uma atividade para o CNN Viagem & Gastronomia. No fim, encarei o desafio e assumo: foi recompensador!

É uma mistura de emoções com paisagens que eu nunca tinha visto, uma conexão inexplicável. O frio, as manobras do snowmobile e o fato de estarmos literalmente ao lado da boca de um vulcão que pode entrar em erupção causa calafrios.

Vale lembrar que para dirigir um snowmobile precisamos ter uma carteira de motorista válida. Esse tipo de passeio tem valores em média por cerca de 28.900 coroas islandesas (cerca de R$ 1 mil).

Cachoeiras surpreendentes

Com uma série de lugares para vermos e sentirmos, o Sul da Islândia também nos surpreende com suas quedas d’água que parecem ter saído da ficção. E adivinhe? Elas são formadas pela água dos glaciares.

Além da cachoeira Gullfoss no Círculo Dourado e de Svartifoss no Parque Nacional Skaftafell, outras também merecem destaque pelo caminho, como a Skógafoss e a Seljalandsfoss.

A primeira é uma queda de cerca de 60 metros no rio Skógá, na vila de Skógar. Em dias mais ensolarados, podemos até ver um lindo arco-íris formado em frente à queda. Um dos aspectos curiosos é que há uma lenda que diz que um baú de ouro foi enterrado sob a cachoeira.

O rio, inclusive, contém peixes como salmão e truta do Ártico – pescadores podem ser vistos de julho a outubro.

Além do nível do chão, podemos apreciar a cachoeira de cima: a subida é feita por um caminho no morro – haja fôlego! – em que há até mirante lá em cima para ver a queda.

Outra das cachoeiras imperdíveis pelo caminho é a Seljalandsfoss, que fica a cerca de 30 km da vila de Skógar e possui uma queda de 65 metros.

Uma das mais conhecidas de toda a Islândia, seu diferencial está no seu percurso, já que podemos literalmente passar por detrás da queda d’água, graças à formação natural do paredão rochoso.

Fotogênica e poderosa, palavras não descrevem o que é vê-la de perto com os próprios olhos. É de lavar a alma.

Vale ressaltar que visitei a Islândia no verão – uma das melhores épocas para ver de perto a esplendorosa natureza islandesa. Durante o inverno, a área ao redor da cachoeira Seljalandsfoss pode ser perigosa, já que a trilha é escorregadia e grandes pedaços de gelo chegam a cair lá de cima.

Cervejaria pelo caminho e tubarão fermentado

Apesar de ter apenas 900 moradores, a pequena vila de Vík chega a receber uma movimentação de quatro a cinco mil indivíduos em dias de verão. Assim, a localidade também é casa de vários restaurantes.

Um deles é a cervejaria Smidjan Brugghus, parte do roteiro das cervejarias da Islândia que leva fama também por ser considerado o restaurante que serve o melhor hambúrguer da região.

Interessante é que, com o fim da proibição da bebida, cervejarias artesanais se espalharam pela Islândia. Elas surgiram inclusive do fato de muitas pessoas começarem a fazer cerveja em casa nos tempos proibidos.

A Smidjan Brugghus é uma microcervejaria, um daqueles lugares que valem a parada para conhecermos mais seus sabores e história. Interessante é que os nomes das cervejas e os rótulos se referem a episódios da vida da família.

Na casa, experimentei uma cerveja de manga e maracujá direto do tanque. É uma boa dica, já que é bem leve e com sabores marcados. A cervejaria produz cervejas temáticas, como as de Natal e ainda uma que “cura” a ressaca.

No caminho, já na localidade de Hvolsvöllur, a cerca de 105 km de Reykjavik, fica outra paradinha: o Hygge Restaurant & Bar.

Trata-se de uma casa que propõe uma fusão entre a comida islandesa e internacional. Apesar dos insumos e da localização, a cozinha é composta pela América do Sul: o dono, Jorge Muñoz, é colombiano, e o chef, Robert Stephan, é brasileiro.

E o que faz uma pessoa de nosso país em terras tão longínquas? Aos 17 anos Robert saiu do Brasil em direção à Espanha, onde começou na cozinha. Foi no país europeu que conheceu Jorge, o qual se mudou para a Islândia e, depois de alguns anos, resolveu montar o restaurante no Sul do país.

Jorge então propôs que Robert comandasse a cozinha do espaço. Tarefa aceita, hoje ele trabalha com um menu que muda de acordo com os produtos mais frescos do dia.

Uma truta defumada pescada de manhã acompanhada de cerveja saciou minha fome na minha visita ao restaurante.

Comum em toda a Islândia, Jorge também me ofereceu tubarão fermentado, cuja carne do animal é servida em cubos e possui alto teor e cheiro de amônia. Assim que o pote é aberto, o forte cheiro se espalha pelo ar. Confesso que acabei não comendo, mas é um do símbolos do país.

A casa também serve o Brennivín, aguardente nacional feito de polpa de batata fermentada e cominho. A bebida é geralmente tomada junto do tubarão fermentado – uns dizem que é para limpar o paladar após ingerir a iguaria.

Mas uma coisa é certa: a fermentação, a defumação e os alimentos curados são uma realidade na gastronomia de países mais frios, em especial a Islândia. É uma das características interessantes de se notar e experimentar por aqui.

Mas, para além da gastronomia, qual foi o choque cultural que o chef brasileiro Robert passou por aqui? “O inverno é muito lindo, há as auroras boreais, mas é difícil ficar a -20 °C enquanto estava acostumado com 40°C”, me contou aos risos.

Lava Centre: entendendo a Islândia

Impossível falar sobre a Islândia e não se debruçar sobre seus vulcões. Já contei aqui que a alta atividade vulcânica do país é um dos trunfos que o torna um território como nenhum outro, em que ela cria paisagens e faz com que fogo e gelo interajam.

É no Lava Centre, a 1h30 de Reykajavik, na pequena vila de Hvolsvöllur, que podemos entender ainda mais a formação do país. Mergulhamos de cabeça na história e na experiência de um vulcão.

Antes, uma curiosidade: durante as gravações do CNN Viagem & Gastronomia, cheguei a acordar de madrugada com tremores de terra. Não é como nos filmes, onde tudo balança e os objetos caem: se assemelha mais a um trem passando por debaixo da cama. Durante o tempo que fiquei na Islândia, milhares de tremores foram registrados, mas a maioria quase imperceptíveis.

“Terremotos são basicamente a liberação de energia que foi acumulada na Terra, na crosta terrestre. Assim, quando essa energia se libera, ela viaja pela terra através de ondas”, diz George Montalvo, geólogo e guia do Lava Centre. “Não sabemos quando vamos ter uma erupção ou não”, completa.

Essas e outras informações são aprendidas de perto aqui, numa exposição educacional que explora a geologia e os sistemas vulcânicos do país. Salas interativas, artefatos, filmes e gráficos de erupções ao longo do tempo formam a experiência.

Aqui também é possível monitorar os tremores de terra que acontecem aos montes pelo país – eles também disponibilizam câmeras online do vulcão Hekla, um dos mais ativos com última erupção datada de 2010.

É uma verdadeira aula que nos apresenta mais da condição geológica única do território.

Inclusive, foi no Lava Centre que ficamos sabendo que, em breve, uma erupção aconteceria em algum dos sistemas, só não sabíamos onde nem ao certo quando. Dias depois, a confirmação: o vulcão Fagradalsfjall entrou em erupção – fato que ocorreu pouco tempo depois de eu ter feito uma caminhada em suas redondezas.

Aberto todos os dias das 9h às 17h, a entrada do Lava Centre sai por cerca de 4.390 coroas islandesas (cerca de R$ 160).


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