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    Turismo espacial chega aos 20 anos dependente de multibilionários

    Setor é bancado por empresários que carregam o sonho infantil de chegar ao espaço - ou então a ambição de explorar financeiramente esse sonho

    Eduardo Geraque, colaboração para a CNN Brasil

    Uma palavra em russo, traduzida por “maravilhosamente”, saiu da boca de um norte-americano a caminho do espaço no dia 28 de abril de 2001. O milionário Dennis Tito, ex-engenheiro da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, alimentou um sonho de criança até os 60 anos. Com um bilhete comprado  na  época por aproximadamente US$ 20 milhões, ele se tornou o primeiro turista espacial da história.

    Ao contrário das pioneiras missões espaciais da história, realizadas por EUA e União Soviética, países protagonistas da Guerra Fria no século passado, o início do turismo espacial, 20 anos atrás, já tinha o enredo que se repete agora. Ele permanece totalmente dependente de multibilionários que carregam o sonho infantil de chegar ao espaço – ou então a ambição de explorar financeiramente esse sonho.

    Exibindo a bandeira americana no braço, Tito decolou para a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) a bordo da Soyuz-U, uma nave russa. Ele deixou a Terra a partir do cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão. Eram 4h37 pelo horário de Brasília.

    No início do voo que atingiria 320 quilômetros de altura, Tito respondeu em russo, após ser questionado em inglês, sobre como se sentia. Pouco importava que a missão dele, nos sete dias que ficaria em órbita, era apenas tirar fotos da ISS e do espaço.

    Empresa pioneira fechou as portas

    Empresários russos no final do século passado criaram a MirCorp, empresa que pretendia usar a estação espacial Mir, em vias de ser desativada, de forma privada. Ou seja, levando turistas para lá.

    O plano não deu certo. A estação russa e a empresa não existem mais. Porém, antes de fechar as portas, os empresários conseguiram cumprir uma das missões — ou seja, mandar ao menos alguns turistas para o espaço. Tito não foi para a Mir, mas conseguiu chegar à ISS.

    Dennis Tito, primeiro turista espacial
    Dennis Tito (à esquerda), primeiro turista espacial, viajou em uma missão russa em 2001
    Foto: Nasa

    Projetos dominados por trio de multibilionários

    Os últimos anos foram difíceis para as agências estatais dos Estados Unidos e da Rússia. Sem a corrida espacial a todo vapor, como ocorreu durante a Guerra Fria, está cada vez mais difícil conseguir verbas bilionárias para novos programas espaciais estatais dentro dos dois países.

    Na última década, a Nasa teve de cortar os lançamentos dos ônibus espaciais e desidratar vários programas científicos. Apesar de manter a Soyuz voando, os russos também estão com o orçamento mais apertado.

    Nesse contexto, o turismo espacial está totalmente dependente de multibilionários, como os norte-americanos Elon Musk, dono da SpaceX e CEO da Tesla, e Jeff Bezos, da Amazon, que controla a Blue Origin. O britânico Richard Branson, do grupo Virgin, completa um trio peso pesado de empresários do setor aeroespacial por meio da Virgin Galactic.

    “Não há dúvida de que a SpaceX está muito à frente das outras. Pelo menos uns dois degraus a mais”, afirma o brasileiro Lucas Fonseca, engenheiro aeroespacial e empreendedor do setor, hoje radicado nos Estados Unidos.

    Custo cai, mas ainda é alto

    Fonseca avalia que o avanço do turismo espacial nestes últimos 20 anos, desde a MirCorp, poderia ter sido mais rápido. “Mesmo assim, nos próximos anos, o setor terá cada vez mais viagens, ainda para um grupo restrito, mesmo com o custo caindo bastante”, afirma.

    Se em 2001 as estimativas falavam em dezenas milhões de dólares, hoje, com menos de meio milhão, uma pechincha, já é possível pensar em se arriscar em alguma viagem espacial.

    As opções mais viáveis atualmente apontam três alternativas: subir a uns 30 km de altura em uma cápsula presa a um balão; fazer voos suborbitais, a menos de 100 km de altitude – foco principal da Virgin Galactic –, e alcançar o espaço propriamente dito, indo à ISS ou dando uma voltinha pela Lua, por enquanto, sem descer.

    “Caminhada” no espaço

    Mas mesmo esses itinerários básicos já podem contar com alguma sofisticação. Que tal visitar a ISS nas próximas férias e poder, também, andar pelo lado de fora da base, protagonizando um verdadeiro spacewalk?

    Essa possibilidade, ainda dentro da apertada nave Soyuz, acaba de ser anunciada, apesar de o preço continuar sob sigilo. A agência russa Roscosmos, por meio do seu braço comercial, a Glavkosmos, pretende liberar em 2023, numa parceria com a empresa americana Space Adventures, uma caminhada pelo lado de fora da Estação Espacial. Isso, claro, se tudo der certo, o que nem sempre ocorre em se tratando de planejamentos espaciais.

    O autor ou autora da façanha será o primeiro ser humano civil a fazer um spacewalk. Os treinamentos serão severos, dizem as duas empresas, e tudo será supervisionado por um cosmonauta.

    A parceria entre a Space Adventures e os russos já rendeu oito viagens turísticas à ISS. O forte da empresa, entretanto, é vender bilhetes para voos suborbitais, ou seja, a menos de 100 km de altura.

    A espaçonave russa Soyuz
    A espaçonave russa Soyuz foi lançada no Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão
    Foto: Carla Cioffi/Nasa

    Avanços de Elon Musk

    Enquanto os produtos espaciais ganham corpo, as conquistas recentes da SpaceX reforçam a tese de que a empresa está na vanguarda da área, mesmo em projetos não voltados ao turismo.

    “Eles fizeram algo inédito na história do desenvolvimento aeroespacial. Eles testam e desenvolvem protótipos de forma muito rápida. O que proporciona um aprendizado enorme. Isso não ocorreu nem nos tempos da Guerra Fria, quando havia muitos cientistas debruçados sobre projetos, mas poucos protótipos realmente montados”, analisa Lucas Fonseca.

    De acordo com o engenheiro, o fato de alguns testes nos últimos anos terem terminado em explosão não significa fracasso, muito pelo contrário. “Na verdade, em alguns desses casos, eu teria me surpreendido se a aterrissagem tivesse sido perfeita”, afirma.

    Um dos projetos da SpaceX com a Nasa, a nave Crew Dragon, não apenas foi testado como está aprovado. A moderna e confortável nave está neste exato momento no espaço. A primeira parte da missão da espaçonave, a chegada na ISS com mais quatro astronautas – Shane Kimbrough e Megan McArthur, da Nasa, Akihiko Hoshide, da Agência Espacial Japonesa, e Thomas Pesquet, da Agência Espacial Europeia –, foi concluída com sucesso no último sábado (24). Nesta quarta-feira (28), deve começar o voo de volta. A Dragon é a primeira nave privada a levar astronautas ao espaço.

    O projeto Starship, que teve protótipos testados e destruídos nos últimos anos, corre em paralelo. Essa é uma espaçonave projetada para viagens interplanetárias de longa duração. O que isso quer dizer? Levar carga e seres humanos até a Lua e, como apontam os sonhos de Elon Musk, também a Marte.

    Em 2023, o projeto deve promover o seu primeiro voo tripulado, este sim por turistas, para dar uma voltinha na Lua, sem aterrissagem. A viagem está sendo paga pelo empresário japonês Yusaku Maezawa. Os companheiros dele estão sendo selecionados. E existem candidatos brasileiros.

    Elon Musk. presidente-executivo da Tesla
    Elon Musk
    Foto: REUTERS/Mike Blake/Foto de arquivo

    Como viver na Lua e chegar a Marte?

    O que ainda parece um filme de ficção científica, viver uma temporada em uma base lunar ou até mesmo no planeta vermelho, talvez não esteja tão distante assim, segundo Lucas Fonseca. As estimativas indicam que isso pode ser uma realidade, principalmente para quem tem hoje menos de 50 anos.

    No caso da Lua, que está em média a 380 mil km da Terra, a questão é bem menos complexa do que um deslocamento a Marte. Mesmo assim, desde 1972, os humanos não pisam no satélite natural. Construir uma base lá significa que os turistas terão que estar protegidos de vários problemas, desde aspectos físicos e emocionais até riscos de acidente.

    A falta de gravidade pode fazer com que alguém seja atingido por um meteorito, por exemplo. “Costumo dizer que estes anos 20 [2020] serão lunares e, os de 30, serão de Marte. Não estou falando de turismo ainda, mas de pousos nesses lugares”, diz Fonseca.

    Sobre Marte, a complexidade ainda é gigantesca. Como não dá para fazer bate e volta – a distância, quando os planetas estão alinhados, é de 230 milhões de km e mais do que dobra quando eles passam para lados opostos do Sol –, o retorno fica inviável sem muita energia a bordo.

    Sem a possibilidade de carregar muito combustível na ida, por questão de peso e de segurança, a solução seria encontrar maneiras de produzir energia “made in Marte”. Mas esse é apenas um dos problemas. Como respirar? Como se alimentar? Como produzir água? São perguntas que até agora só em tese podem ser respondidas. Na prática, tudo deve ser diferente. Ainda mais para pessoas sem o mesmo tipo de treinamento dos astronautas.

    Novos negócios e muitos riscos

    Independentemente do que ocorrer nas próximas décadas, alguns desdobramentos são praticamente certos. Há, por exemplo, empresas que estão construindo hotéis espaciais que poderão ser usados com alguma frequência. Eles ficam perto da Terra, assim como a Estação Espacial Internacional.

    O desenvolvimento dos foguetes pelas empresas privadas também poderá tornar possível voos espaciais da Terra para a Terra, o que significa ser transportado de Pequim a Nova York, por exemplo, em uma ou duas horas.

    Mas como todo negócio, o turismo espacial vai precisar se sustentar financeiramente. Fora as questões de saúde, que afetam inclusive os astronautas que ficam meses no espaço, acidentes serão inevitáveis e provocarão impacto nas contas das empresas e na demanda de clientes. “Um monte de gente provavelmente morrerá no começo”, disse o próprio Elon Musk esta semana. Para o dono da SpaceX, a missão espacial para Marte será “árdua e perigosa” mas, ao mesmo tempo, “uma aventura gloriosa”.

    A missão SpaceX Crew-2 da NASA é a segunda missão de rotação da tripulação da es
    A missão SpaceX Crew-2 da NASA é a segunda missão de rotação da tripulação da espaçonave SpaceX Crew Dragon e do foguete Falcon 9 para a Estação Espacial Internacional.
    Foto: Aubrey Gemignani/NASA via Getty Images

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