Homem de elite da Idade do Bronze fez cirurgia no cérebro há mais de 3.000 anos
Descoberta marca o primeiro exemplo de trepanação ou craniotomia, um tipo de cirurgia craniana, encontrada no antigo Oriente Próximo
Quando arqueólogos encontraram o local do enterro de dois irmãos que viveram durante o século 15 aC em Israel, eles ficaram surpresos ao descobrir que um deles passou por uma cirurgia no cérebro pouco antes de morrer.
A descoberta marca o primeiro exemplo de trepanação ou craniotomia, um tipo de cirurgia craniana, encontrada no antigo Oriente Próximo.
A trefinação, também conhecida como trepanação, envolve cortar um buraco no crânio – e há exemplos de procedimentos médicos que datam de milhares de anos.
Os restos mortais dos irmãos, que viveram durante a Idade do Bronze entre 1550 aC e 1450 aC, foram encontrados durante uma escavação de uma tumba na antiga cidade de Tel Megiddo.
O irmão mais velho, com idade estimada entre 20 e 40 anos, apresentava trepanação angular entalhada. Seu couro cabeludo foi cortado e, em seguida, um instrumento afiado de ponta chanfrada foi usado para fazer quatro linhas de interseção no osso frontal do crânio, formando um orifício quadrado de 30 milímetros.
Um estudo detalhando as descobertas foi publicado na quarta-feira (22) na revista Plos One.
“Temos evidências de que a trepanação tem sido esse tipo de cirurgia universal e difundida há milhares de anos”, disse a autora do estudo, Rachel Kalisher, em um comunicado. Ela é doutoranda no Instituto Joukowsky de Arqueologia e Mundo Antigo da Brown University em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos.
“Mas no Oriente Próximo, não vemos isso com tanta frequência – há apenas cerca de uma dúzia de exemplos de trepanação em toda a região. Minha esperança é que adicionar mais exemplos ao registro acadêmico aprofunde a compreensão de nosso campo sobre cuidados médicos e dinâmicas culturais em cidades antigas nesta área”.
Curiosamente, os pedaços de osso removidos do crânio foram incluídos no túmulo – mas não foi a única descoberta incomum feita sobre os irmãos enquanto os pesquisadores estudavam seus ossos.
Irmãos da Idade do Bronze
A cidade de Tel Megiddo fazia parte da Via Maris há 4.000 anos. Essa rota terrestre crucial conectava Egito, Síria, Mesopotâmia e Anatólia, de acordo com o coautor do estudo Israel Finkelstein, diretor da Escola de Arqueologia e Culturas Marítimas da Universidade de Haifa.
Tel Megiddo controlava parte desta rota comercial, tornando-a uma cidade rica e cosmopolita cheia de palácios, templos e fortificações.
“É difícil superestimar a importância cultural e econômica de Megiddo no final da Idade do Bronze”, disse Finkelstein.
A tumba foi encontrada em uma área adjacente a um palácio da Idade do Bronze em Tel Megiddo, levando os pesquisadores a acreditar que os dois homens eram membros da elite de alto escalão da sociedade ou talvez até da realeza. O teste de DNA revelou que os dois eram parentes e provavelmente irmãos.
Os homens foram enterrados com cerâmica cipriota, comida e outros bens valiosos semelhantes aos encontrados em outros túmulos locais de alto status.
E em vida, os dois irmãos estavam gravemente doentes. Seus esqueletos são marcados por sinais de doença, incluindo extensas lesões sugerindo condições crônicas e debilitantes. Mas ambos conseguiram sobreviver por muitos anos, apesar de suas doenças.
“Esses irmãos obviamente viviam com algumas circunstâncias patológicas bastante intensas que, nessa época, teriam sido difíceis de suportar sem riqueza e status”, disse Kalisher. “Se você é da elite, talvez não precise trabalhar tanto. Se você é da elite, talvez possa seguir uma dieta especial. Se você é da elite, talvez seja capaz de sobreviver a uma doença grave por mais tempo porque você tem acesso aos cuidados”.
O irmão mais novo morreu na adolescência ou no início dos 20 anos, provavelmente sucumbindo a uma doença infecciosa como tuberculose ou hanseníase.
O irmão mais velho tinha um molar extra, então ele pode ter sofrido uma condição genética como a displasia cleidocraniana que afeta dentes e ossos, de acordo com os pesquisadores.
Os especialistas não sabem dizer por que o irmão mais velho precisou ser trepanado. A prática era usada para aliviar a pressão no crânio ou tratar sintomas de epilepsia e sinusite. Antigos textos da Mesopotâmia também sugerem que a operação pode ter sido “curativa para condições sobrenaturais ou transcendentais”, disse Rachel.
“As evidências esqueléticas nos dizem que esse indivíduo suportou a doença por um tempo prolongado, que, assumindo que não foi tratada, provavelmente progrediu”, disse Rachel. “Esse indivíduo de elite teve o privilégio de suportar uma infecção por um longo tempo e também passou por uma operação craniana de alto nível, o que nos leva a postular que a trepanação foi feita em resposta direta a um estado de declínio”.
Independentemente do motivo pelo qual o irmão mais velho fez a cirurgia, ele morreu dias ou horas depois, com base na falta de cura óssea que os pesquisadores observaram durante sua análise.
Desvendando casos médicos antigos
Muitas questões permanecem após o estudo dos ossos dos dois irmãos, disse Rachel.
Embora as evidências esqueléticas sugiram que os irmãos tinham hanseníase, mais pesquisas são necessárias para fazer uma determinação clara. Se a análise revelar DNA bacteriano compatível com a hanseníase, os irmãos podem ter vivenciado um dos primeiros casos documentados da doença.
“A hanseníase pode se espalhar dentro das unidades familiares, não apenas por causa da proximidade, mas também porque sua suscetibilidade à doença é influenciada por sua paisagem genética”, disse Rachel.
Rachel também está intrigada com o motivo pelo qual os pedaços de crânio removidos do irmão mais velho foram incluídos em seu enterro. Apenas dois outros exemplos disso foram encontrados no passado, na Inglaterra e no Peru.
“Em nosso estudo, consideramos se os pedaços de osso extirpados foram reinseridos na cabeça porque o médico pensou que isso facilitaria a cicatrização”, disse Rachel.
“Mas também volto à dicotomia medicinal/mágica que impomos ao passado. É possível que os ossos extirpados também tivessem algum outro propósito não médico, levando à sua inclusão no indivíduo. É simplesmente incognoscível para nós. Então, por enquanto, esse mistério permanece sem solução”.
Há questões maiores sobre a trefinação antiga que os pesquisadores querem responder, como por que algumas foram feitas usando brocas analógicas para criar buracos redondos, enquanto outras são quadradas ou triangulares.
Mas no que diz respeito aos irmãos, é claro que os dois homens não foram considerados párias ou “diferentes” por causa de seus problemas de saúde. Pessoas próximas aos irmãos cuidaram deles e garantiram que fossem enterrados com as tradições funerárias adequadas, disseram os pesquisadores.