Como a luz solar pode transformar água do mar em potável para população costeira
Startup de Abu Dhabi está desenvolvendo um dispositivo flutuante de dessalinização
Um verão de calor extremo e seca em todo o mundo tem sido um lembrete de que a escassez de água é uma questão urgente e que só vai piorar com as mudanças climáticas. Mais de dois bilhões de pessoas em todo o mundo já não têm acesso fácil à água potável, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)
Para alguns países, as usinas de dessalinização oferecem uma solução — remover o sal da água do mar para satisfazer suas necessidades de água doce. O Oriente Médio tem a maior concentração destes no mundo.
Mas essas plantas, ainda alimentadas principalmente por combustíveis fósseis, consomem muita energia e o processo cria um efluente extremamente salgado conhecido como salmoura, que pode danificar ecossistemas marinhos e animais quando é bombeado de volta ao mar.
É por isso que algumas startups e pesquisadores estão atualizando a tecnologia de destilação solar centenária, que usa apenas a luz solar para purificar a água.
Embora a tecnologia ainda esteja longe de produzir o volume de água doce gerado pelas usinas de dessalinização, ela pode ser valiosa para comunidades fora da rede ou costeiras.
Alambiques solares flutuantes
A startup Manhat, com sede em Abu Dhabi, fundada em 2019, está desenvolvendo um dispositivo flutuante que destila água sem precisar de eletricidade ou criar salmoura.
Consiste em uma estrutura de estufa que flutua na superfície do oceano: a luz do sol aquece e evapora a água sob a estrutura — separando-a dos cristais de sal que são deixados para trás no mar — e à medida que as temperaturas esfriam, a água se condensa em água doce e é recolhido no seu interior.
“É realmente semelhante ao ciclo natural da água”, disse Saeed Alhassan Alkhazraji, fundador da empresa e professor associado da Khalifa University de Abu Dhabi. Ele diz que a evaporação solar tem sido usada há muito tempo para esse propósito, mas normalmente envolve colocar água em uma bacia onde, uma vez que a água evaporou, o sal é deixado para trás.
Ao contrário dos tradicionais alambiques solares, o dispositivo de Manhat flutua no oceano, retirando água diretamente do mar. O sal não se acumula no aparelho e o ângulo do cilindro coletor evita que as gotas de água evaporem de volta ao mar, diz Alhassan.
No início deste ano, a tecnologia patenteada da Manhat ganhou o prêmio Water Europe Innovation para pequenas e médias empresas com soluções inovadoras no setor de água, elogiado por sua capacidade de produzir água doce com “pegada de carbono zero e rejeição de salmoura zero”.
A startup planeja aproveitar sua tecnologia em fazendas flutuantes, que usariam seus dispositivos de dessalinização para fornecer irrigação de água doce para culturas sem a necessidade de transporte de água e suas emissões associadas.
Isso beneficiaria áreas costeiras áridas onde a terra é cultivada intensivamente, diz Alhassan. “Se você produz água (doce) na superfície do mar e a usa para agricultura, pode efetivamente permitir que as terras aráveis sejam rejuvenescidas”, diz ele, acrescentando que a tecnologia pode funcionar bem para países como as Maldivas, que têm pouca terra disponível para usinas de dessalinização.
Outros também estão inovando com alambiques solares. Em 2020, pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) desenvolveram uma unidade de dessalinização flutuante que consiste em um evaporador multicamadas que recicla o calor gerado quando o vapor de água se condensa, aumentando sua eficiência geral.
Enquanto os testes de campo estão em andamento, ele foi apresentado como uma tecnologia que poderia “servir potencialmente áreas costeiras áridas fora da rede para fornecer uma fonte de água eficiente e de baixo custo”. Pesquisadores sugeriram que ele poderia ser configurado como um painel flutuante no mar, fornecendo água doce através de tubos para a costa, ou poderia ser projetado para atender a uma única casa, usando-o em cima de um tanque de água do mar.
Ampliação
Geoff Townsend, que trabalha em inovações em escassez de água para a empresa de tratamento e higiene Ecolab, acredita que, embora seja improvável que as inovações solares substituam a dessalinização convencional, elas poderiam “suplementar a tecnologia existente, reduzindo a pegada geral de carbono da dessalinização”.
Mas ele adverte que “a dessalinização normalmente precisa fornecer um suprimento de água muito previsível” e que “haverá preocupações potenciais sobre até que ponto as mudanças diurnas (diárias) e sazonais no desempenho podem afetar a capacidade de atingir o requisito mínimo de produção.”
Um desafio ainda maior para esse tipo de tecnologia é a escala. “Uma desvantagem é sua baixa eficiência intrínseca”, diz Townsend, acrescentando que eles tendem a ocupar muito espaço para a pequena quantidade de água que produzem.
Descobriu-se que o dispositivo do MIT produz cerca de cinco litros de água doce por hora para cada metro quadrado de área de coleta solar. O atual protótipo flutuante de Manhat, que cobre 2,25 metros quadrados, mas tem apenas um metro quadrado aberto à água, produz 1,5 litro de água doce por dia — uma gota no oceano, considerando que a Organização Mundial da Saúde estima que uma pessoa média precisa de pelo menos dois litros por dia para ser saudável.
Alhassan diz que a Manhat está trabalhando para aumentar esse volume para cinco litros, otimizando materiais e design, com a meta de longo prazo de atingir pelo menos 20 litros. A startup levantou US$ 130 mil em financiamento até agora, predominantemente por meio de uma colaboração com a Abu Dhabi Ports, mas com o aumento do investimento, ele está confiante de que essas metas podem ser alcançadas.
Um piloto do conceito de fazenda flutuante começará no próximo ano. Ao conectar vários dispositivos modulares em uma formação de grade, Manhat acredita que sua tecnologia atual pode fornecer dessalinização suficiente para cultivar culturas menos intensivas em água, como cogumelos, e, à medida que os dispositivos melhorarem, eles poderão começar a visar outras culturas, como alface ou tomate.
Apesar dos desafios, Alhassan acredita que os alambiques solares um dia se tornarão uma importante fonte de água doce. “Temos que aceitar o fato de que a água do mar deve ser um fator-chave no fornecimento de água doce”, diz ele. “Mas precisamos ter uma solução que minimize as emissões de CO2 e elimine completamente a salmoura”.