Brasil e China: O que está em jogo na relação com nosso maior parceiro comercial
Leilão do 5G é o maior desafio para os próximos passos da relação entre os dois países, que recentemente esteve entre ruídos políticos e bilhões em exportações
A China foi um assunto muito frequente no debate público do Brasil em 2020.
O país asiático foi tema de discussões nas mais diversas searas, não só na economia ou nas relações internacionais, mas principalmente na saúde, com a pandemia do novo coronavírus, e também na tecnologia, com a expectativa para o leilão da tecnologia 5G.
É justamente esse último ponto, o 5G, o que acende mais atenções para o futuro das relações bilionárias entre o Brasil e a China, segundo especialistas ouvidos pela CNN.
Para pesquisadores da área, o país asiático dá pouca atenção para questões políticas ou ideológicas e se concentra nas questões comerciais.
“Os chineses são pragmáticos. Há tensões políticas, mas nunca se comprou tanta soja do Brasil. Já uma medida econômica concreta, como a exclusão do 5G, teria muito mais peso. E o recado que tem sido dado nos últimos meses é claro: a China não vai aceitar bem ficar de fora deste leilão”, afirma Leonardo Trevisan, professor do curso de Relações Internacionais da ESPM.
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Para Evandro de Carvalho, professor e coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio, as relações, hoje, entre o Brasil e a China são vistas como “ambíguas”. Vão bem na economia, mas não vivem a melhor fase na diplomacia.
“De um lado, nas relações comerciais, o Brasil têm na China um parceiro comercial fundamental, é um país que nos dá um superávit muito grande. Por outro lado, há uma questão que está muito forte em setores do governo, que é a do leilão do 5G. Há uma desconfiança explícita, que beira a uma agressividade”, afirma Carvalho.
O que é o 5G e o que a China tem a ver com isso
Os sistemas de conexão e cobertura de internet em todo o mundo vêm sucessivamente se desenvolvendo ao longo dos anos.
A tecnologia 5G é a quinta geração desse sistema de conexões e promete, em frequências mais altas, permitir uma troca mais acelerado de dados e informações e um número maior de conexões simultâneas.
O Brasil tem um encontro marcado com o 5G. O governo deverá fazer, nos próximos meses, leilões nacionais e regionais, cedendo faixas e frequências telefônicas para empresas que detenham a tecnologia e estejam interessadas em explorá-la no país.
É aí que entra a questão diplomática. Há países ao redor do mundo, como a França, o Reino Unido e o Japão, que adotaram restrições para a Huawei e para a China.
A alegação principal são as suspeitas de que os chineses poderiam utilizar essas redes para algum tipo de espionagem.
Os Estados Unidos têm propagado de forma firme essa posição. Em entrevista à CNN, o embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, afirmou que seu país está disposto a conceder financiamento para estimular a presença brasileira em uma “rede limpa” – o que, para Chapman, significaria não utilizar equipamentos chineses.
Há expectativa para as posições que os EUA adotarão em sua política externa a partir de 2021, quando se iniciar o governo do presidente eleito Joe Biden.
A posição mais dura contra a China foi uma marca do governo de Donald Trump, mas não deve se desconsiderar a pressão de parte da classe política americana para que seja mantida sob Biden.
Pelo sim, pelo não, os chineses não parecem aguardar parados. Assim como ocorre geralmente em países onde encontram governos divididos, argumenta Trevisan, a China busca se fiar a um interlocutor que julgue confiável e influente. No Brasil, esse papel estaria sendo exercido pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB).
“Hoje o Brasil tem um embaixador extraoficial para a China, que é o vice-presidente da República. Não é a toa que o general Mourão passou a falar recentemente dos altos custos de uma eventual exclusão da Huawei do 5G”, explica o professor.
Em evento na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o vice-presidente defendeu a participação da Huawei, citando um ponto com o qual os chineses contam bastante. A empresa já fornece muitos dos equipamentos usados no 3G e no 4G e, portanto, excluí-los como fornecedores poderia resultar em um gasto adicional.
“Se, por um acaso, dissessem que a Huawei não pode fornecer equipamento, vai custar muito mais caro, porque vai ter que desmantelar tudo que tem aqui, porque ela não fala com os equipamentos das outras. E quem é que vai pagar esta conta? Somos nós, consumidores”, disse o vice-presidente.
Os números dessa relação
Segundo números do Ministério da Economia, a corrente de comércio (soma das exportações e importações) entre os dois países foi de pouco mais de R$ 94 bilhões nos primeiros onze meses do ano, o equivalente a mais de 28% de tudo que foi comprado ou vendido pelo Brasil até novembro.
Desse total, dois terços foram de exportações brasileiras para a China, o equivalente a R$ 63,1 bilhões, enquanto o terceiro terço foi de importação, com R$ 30,8 bilhões. No saldo final, entraram R$ 32,3 bilhões de dinheiro novo no Brasil vindo da China.
O total da corrente de comércio entre Brasil e China é o dobro da que o país mantém com os Estados Unidos, que foi de R$ 41,1 bilhões no mesmo período do ano, com prejuízo para o Brasil.
Os brasileiros venderam R$ 19 bilhões para os EUA e compraram R$ 22,1 bilhões em produtos americanos, um saldo negativo de R$ 3,1 bilhões.
A China observa a política brasileira com atenção, apontam os especialistas, com um olhar especial para o resultado das eleições municipais.
Apesar de se tratar, afinal de contas, de um regime comunista, não é apenas para os partidos de esquerda que a China está olhando.
“Sem dúvida, a China olha para essa identidade eleitoral que salta das eleições de 2020. Forças conservadoras e com ligações muito diretas com o agronegócio, que saíram vitoriosas no interior do país, e tendem a pressionar para conservar uma boa relação que garanta as suas exportações”, opina o professor Leonardo Trevisan.
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Na seara política, o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), que coordena a Frente Brasil-China da Câmara dos Deputados, disse que a prioridade é amenizar potenciais prejuízos, em um horizonte difícil para a recuperação econômica brasileira.
“Se essa relação turbulenta com a China se consolidar ao longo do tempo, os prejuízos virão. Acordos que poderiam ser feitos não serão, investimentos que poderíamos receber não virão. Os danos podem ser muito expressivos para o Brasil”, argumenta Almeida à CNN.
O que vem pela frente
Segundo noticiado pelo jornal Folha de S.Paulo, a minuta elaborada por técnicos da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para o leilão do 5G não incluiu a previsão de qualquer restrição à participação de Huawei.
A expectativa é que a diretoria da agência decida um protocolo para a realização do certame ainda no primeiro semestre de 2021.
Subindo alguns degraus na escala, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, no início de setembro, que “quem vai decidir o 5G sou eu”.
“Nós somos uma potência. Nós temos que ter um sistema de inteligência robusto para poder trabalhar ali na frente”, disse então, em live nas redes sociais.
O professor Evandro de Carvalho argumenta em favor de uma preocupação com a segurança da informação independentemente da origem dos equipamentos.
“Os países de todo o mundo que espionam outros fazem isso independentemente de estarem presentes com infraestrutura ou não. A questão da espionagem é nevrálgica para qualquer país e a gente só vai resolver isso com pesquisa e inovação. Não podemos estar diante de fazer a opção por quem vamos deixar nos espionar”, argumentou à CNN.
O especialista aponta também que estariam sobre a mesa do Brasil outras opções regulatórias, algumas delas, utilizadas pela própria China. Por exemplo, a criação de joint ventures entre empresas nacionais e estrangeiras e estímulo a acordos de transferência de tecnologia.
Também aponta para a possibilidade de regras que possam vedar o monopólio e estimulem a concorrência entre companhias que atuam no setor.