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    Três anos de Covid-19: como podemos chegar ao fim da pandemia?

    No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou como pandemia a emergência causada pelo coronavírus; especialistas avaliam o que é preciso para o encerramento da epidemia global

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a emergência causada pelo coronavírus atingiu o patamar de uma pandemia.

    Nas duas semanas anteriores àquela data, o número de casos de Covid-19 fora da China havia aumentado 13 vezes e o número de países afetados havia triplicado. No momento da declaração, o mundo contabilizava 118 mil casos e 4.291 mortes em pelo menos 114 países.

    “A OMS tem avaliado esse surto o tempo todo e estamos profundamente preocupados com os níveis alarmantes de disseminação e gravidade e com os níveis alarmantes de inação. Portanto, avaliamos que a Covid-19 pode ser caracterizada como uma pandemia”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, em comunicado à imprensa nesta mesma data três anos atrás.

    À época, a OMS foi criticada pela demora em declarar a emergência global como uma pandemia.

    “Pandemia não é uma palavra para usar levianamente ou descuidadamente. É uma palavra que, se mal utilizada, pode causar medo irracional ou aceitação injustificada de que a luta acabou, levando a sofrimento e morte desnecessários. Descrever a situação como uma pandemia não altera a avaliação da OMS sobre a ameaça representada por esse vírus. Não muda o que a OMS está fazendo e não muda o que os países devem fazer”, afirmou Adhanom.

    Nos últimos três anos, o mundo se viu diante de um vírus respiratório novo, capaz de provocar quadros clínicos com impactos que vão além dos danos ao sistema respiratório.

    A sociedade lidou com fechamentos de fronteiras e diferentes níveis de confinamento ou restrição à circulação. Passou a entender de maneira mais profunda o significado de termos técnicos que, até então, permaneciam restritos aos ambientes de laboratório como variante, cepa ou imunidade de rebanho. Foi desafiada pelo fortalecimento de discursos anticiência, pelo negacionismo às vacinas e sobre os reais riscos de uma nova doença.

    Houve a queda progressiva no número de casos e de mortes pela doença com o avanço da vacinação no mundo. E, em 2023, a sociedade vive um cenário mais próximo da realidade que conhecíamos no pré-pandemia.

    Mas a pandemia acabou?

    Fim da pandemia?

    Em mais de uma ocasião ao longo de 2022, o diretor-geral da OMS afirmou sobre os riscos da percepção equivocada de que a pandemia de Covid-19 chegou ao fim.

    “A percepção de que a pandemia de Covid-19 acabou é compreensível, mas equivocada. Uma variante nova e ainda mais perigosa pode surgir a qualquer momento, e um grande número de pessoas permanece desprotegido”, disse Tedros Adhanom à imprensa em junho.

    Três meses depois, o chefe da OMS mostrou um discurso mais otimista ao citar que, no início de setembro, o número de mortes semanais relatadas por Covid-19 havia sido o menor desde março de 2020.

    “Nunca estivemos em melhor posição para acabar com a pandemia. Ainda não chegamos lá, mas o fim está à vista. Um maratonista não para quando a linha de chegada aparece. Ela corre mais forte, com toda a energia que lhe resta. Nós também devemos. Podemos ver a linha de chegada. Estamos em uma posição vencedora. Mas agora é o pior momento para parar de correr”, destacou.

    Especialistas consultados pela CNN avaliam uma proximidade do fim da pandemia. No entanto, enfatizam também a necessidade de se completar o esquema vacinal contra a doença e que algumas medidas de prevenção devem ser incorporadas ao comportamento social.

    Cada dia estamos mais perto do fim desse momento pandêmico. Hoje, temos vacinas eficazes para a redução de casos graves e controle dessa doença. Temos agora sendo disponibilizada uma vacina atualizada bivalente contra a variante Ômicron, e temos antivirais que também estão sendo disponibilizados para o controle do vírus. O cenário já está se tornando muito mais favorável para o fim dessa pandemia

    Paola Resende, pesquisadora da Fiocruz

    A pesquisadora Paola Resende, do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), afirma que o encerramento da pandemia depende da melhoria do cenário epidemiológico a nível global.

    “Mas o fim só vai se dar em um contexto global. Não adianta no nosso país o número de caso estar mais baixo, com aumentos sazonais, sendo que em outras regiões do mundo esse vírus ainda está causando óbitos e um alto número de hospitalizações. Precisamos atingir em um contexto global uma diminuição da gravidade dessa pandemia para que aí sim a Organização Mundial da Saúde possa ter segurança para o decreto do fim dessa emergência global”, afirma.

    Para o pesquisador Júlio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o fim da pandemia está próximo, mas depende de ampliação do acesso igualitário à vacina.

    “Estamos próximos do fim da pandemia, sim. Para que isso ocorra, é importante que a gente tenha uma maior porcentagem da população mundial vacinada. Que a gente consiga diminuir a desigualdade no que diz respeito ao acesso à vacina, principalmente para os países pobres e para as populações mais vulneráveis, porque isso diminui a letalidade da doença e o número de óbitos diários”, diz Croda.

    Percepção de risco

    O avanço na vacinação contra a Covid-19 no Brasil e no mundo refletiu em uma redução progressiva no número de casos e de óbitos pela doença.

    Globalmente, quase 4,5 milhões de novos casos e 32 mil mortes foram relatados no último período de 28 dias contabilizado pela OMS, de 6 de fevereiro a 5 de março. Os dados representam uma queda de 58% e 65%, respectivamente, em comparação com os 28 dias anteriores. Até o dia 5 de março, mais de 759 milhões de casos foram confirmados e mais de 6,8 milhões de mortes foram relatadas em todo o mundo.

    No Brasil, os dados mais recentes do Ministério da Saúde contabilizam mais de 37 milhões de casos confirmados e 699.310 óbitos pela doença.

    Os altos índices de cobertura vacinal no Brasil e no mundo, especialmente em países desenvolvidos, permitiram a flexibilização de restrições e medidas de prevenção.

    Houve o fim de bloqueios, como o lockdown, a liberação da obrigatoriedade no uso de máscaras em ambientes fechados e em transportes públicos e a queda da exigência do comprovante de vacinação para a entrada em ambientes de convívio social.

    “Após três anos aprendendo e convivendo com esse vírus, e graças à vacinação, nós conseguimos voltar a uma vida quase normal, sem mais necessidade do uso de máscaras indiscriminadamente. Sim, mantendo a necessidade da vacinação, só que, mais uma vez, as vacinas foram vítimas do seu sucesso. Por que as pessoas deixaram de ter a percepção da gravidade da Covid-19”, afirma a médica infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo.

    A opinião é compartilhada pelo médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

    “Depois de três anos, existe um cansaço da população com relação às medidas de prevenção, um relaxamento natural. A percepção de risco diminui. A própria sensação de vulnerabilidade acaba diminuindo, porque as pessoas acham que não há mais casos, que tudo se concentrou nos últimos três anos”, diz ele.

    “Há muita resistência a completar esquema vacinal, a usar máscara e manter as medidas de prevenção. Tudo isso acaba propiciando esses pequenos aumentos de casos, especialmente depois de grandes eventos e de festas, como estamos observando após o Carnaval”, analisa Furtado.

    Etiqueta respiratória

    Com a pandemia de Covid-19, novos hábitos passaram a fazer parte do cotidiano, como o uso de máscaras no transporte público. O costume, que já era adotado em países como a China e o Japão, foi incorporado por diversos países para reduzir a circulação do coronavírus.

    O alto índice de cobertura vacinal, com reflexos em melhorias no cenário epidemiológico, permitiu a retirada progressiva da obrigatoriedade do uso de máscara em ambientes fechados, no transporte público e, mais recentemente, em aviões e aeroportos.

    No entanto, especialistas ressaltam que, apesar dos índices positivos, alguns hábitos adquiridos durante a pandemia devem ser mantidos, com o objetivo de reduzir a incidência das doenças respiratórias.

    “Apesar da vacinação, o vírus ainda circula. Então, algumas regras de etiqueta são fundamentais. Se você estiver com quadro respiratório, não saia de casa. Se você precisa sair, vista uma máscara. Assim, você não vai colocar em risco as outras pessoas”, afirma Rosana.

    “Se você estiver em algum local e tiver alguma tosse ou espirro, sempre cubra o nariz e a boca, de preferência na região do cotovelo. Assim, você vai contaminar o ambiente muito menos em comparação com o uso das mãos”, completa.

    Além do uso de máscaras diante de sintomas respiratórios, a chamada etiqueta respiratória inclui medidas como higienização das mãos e objetos com regularidade, trabalhar de casa, evitar contato físico e compartilhamento de objetos pessoais e aglomerações em caso de sinais sugestivos de infecção – veja as recomendações aqui.

    Atualização do esquema vacinal

    A proteção oferecida pelas vacinas contra a Covid-19 está associada ao esquema vacinal completo. Imunizantes como a Pfizer, AstraZeneca e Coronavac, disponíveis no Brasil, contam com esquema primário de duas doses, além de aplicações de reforço de acordo com fatores como idade e condição de saúde.

    Receber apenas a primeira dose de imunizantes com esquema primário de duas doses confere uma imunidade parcial contra a infecção pelo coronavírus. O Ministério da Saúde estima que cerca de 19 milhões de brasileiros tomaram apenas uma dose contra a Covid-19 e podem estar vulneráveis ao agravamento da doença.

    Evidências indicam que pessoas totalmente vacinadas têm menos probabilidade de infecção, incluindo assintomática, de adoecer de forma grave e de transmitir o vírus a outras pessoas.

    “As pessoas devem manter a sua vacinação em dia, completar os seus esquemas e fazer as vacinas atualizadas para a população de risco, principalmente os mais velhos, os de maior risco, exatamente pra gente manter a nossa condição de proteção para doenças graves e morte. Quanto mais a gente mantiver uma população devidamente vacinada, menor vai ser o impacto na saúde individual, mas principalmente na saúde coletiva e no nosso sistema de saúde”, diz Rosana.

    Na linha de frente contra a Covid-19 no Hospital das Clínicas desde o início da pandemia, o médico Álvaro Furtado afirma que ainda são observados casos graves, principalmente entre não vacinados e pessoas com esquema vacinal incompleto.

    Nos hospitais, o que estamos vendo são mais casos graves de internação entre pessoas que têm comorbidades, idosas ou que tem alguma alteração imunológica. Essas pessoas ainda estão internando e evoluindo para forma grave da doença. Isso acontece em uma intensidade muito menor do que há dois ou três anos. Vemos uma movimentação menor, mas constante, de casos graves, especialmente nessas pessoas que têm esquema vacinal incompleto, acima de 65 anos ou com comorbidades como diabetes, obesidade e disfunção imunológica

    Álvaro Furtado, médico infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP)

    Lições da pandemia

    No início de 2020, o mundo ainda não tinha ideia de como um vírus novo, capaz de provocar uma doença até então desconhecida em humanos, poderia trazer impactos significativos para os sistemas de saúde de diversos países.

    O SARS-CoV-2 expôs fragilidades do mercado global em saúde. Logo nos primeiros meses da pandemia, uma competição entre os países acirrou a busca por equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras, luvas e toucas médicas, além da corrida por respiradores.

    O cenário se agravou com a concentração de cerca de 90% da produção global de EPIs pela China, que decretou medidas rígidas de restrição e lockdown em grandes metrópoles, prejudicando a produção e exportação dos produtos.

    O sanitarista Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), avalia que o enfrentamento à pandemia destacou a importância do investimento em saúde pública.

    Acho que a principal lição que a pandemia deixou é a da importância de ter um sistema de atenção à saúde de base universal e financiado com recursos públicos. Essa noção de que a saúde é um bem público e, por isso, deve ser responsabilidade do Estado oferecer um sistema de atenção à saúde. Acho que esse foi o principal legado deixado pela pandemia

    Gonzalo Vecina, sanitarista e professor da USP

    O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Júlio Croda afirma que os retornos às atividades sociais foram alcançados com a vacinação, fruto do investimento em ciência e tecnologia.

    “Talvez a grande lição seja a importância de se falar e do investimento em ciência para responder às demandas de novas pandemias muito rapidamente. Tanto no que diz respeito a vacinas como a tratamentos. Ou seja, o investimento em ciência é fundamental para que a gente possa desenvolver novas vacinas e novos medicamentos. É importante o investimento em ciência para entendermos no futuro como lidar melhor com esses eventos de emergência de saúde pública”, diz.

    O especialista defende que governos estabeleçam medidas em preparação a uma resposta mais rápida diante de uma nova pandemia. “Essa preparação envolve ter insumos estratégicos, uma comunicação mais adequada e uma vigilância ativa para a detecção de forma mais rápida de tendência de aumento de número de casos”, pontua.

    Apesar das lições colocadas à mesa pela pandemia, especialistas pontuam que os países, incluindo o Brasil, podem estar despreparados para a emergência de uma nova pandemia.

    O sanitarista Gonzalo Vecina afirma que a preparação para novas pandemias requer o reforço de estratégias de vigilância. Ele cita como exemplo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, instituição com ampla capacidade de sequenciamento e identificação de microrganismos com potencial de causar infecções em humanos.

    “O Brasil está atrasado no reconhecimento da utilização de genômica como um instrumento para identificar novos patógenos. Nós não temos isso, precisamos ter um centro de controle de doenças federal com força e com capacidade de articular uma rede de identificação genômica, uma rede que não só vai controlar as epidemias, mas também as zoonoses. Precisamos acompanhar o que acontece no mundo animal, no mundo vegetal, porque são diversas as fontes que isso pode acontecer”, afirma Vecina.

    Para Júlio Croda, da Fiocruz, ainda faltam investimentos em preparação de resposta a emergências.

    “Ainda temos um material técnico, vamos dizer assim, insumos estratégicos, que não são adequados. As equipes não são bem treinadas. Nosso serviço de vigilância não consegue identificar em tempo oportuno um aumento expressivo de casos de maneira eficaz para prevenir o espalhamento de uma doença ou de uma possível nova pandemia”, diz.

    “Não estamos melhor preparados para novas pandemias porque não fazemos uma vigilância genômica adequada, não temos sistema de informação adequado para essa resposta e não temos capacitação adequada no território para que essa resposta ocorra de forma eficiente”, conclui.

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