Tomógrafo criado no Brasil reduz em 80% necessidade de ECMO em casos de Covid-19
Aparelho indicado para pessoas com insuficiência respiratória grave monitora os pulmões em tempo real
Um tomógrafo que monitora em tempo real o pulmão de pacientes com problemas respiratórios graves está fazendo a diferença no tratamento da Covid-19. Desenvolvido na Universidade de São Paulo (USP), o aparelho consegue otimizar a ventilação mecânica e evitar o agravamento do estado de saúde dos pacientes.
Um estudo que avaliou o uso do equipamento brasileiro no Massachusetts General Hospital, em Boston, nos EUA, mostrou que ele ajudou a diminuir em 80% a necessidade de submeter pacientes com insuficiência respiratória a terapia de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), a mesma utilizada pelo ator Paulo Gustavo.
O trabalho também indicou que o fato de o aparelho monitorar o que ocorria dentro dos pulmões em tempo real diminuiu em 50% a mortalidade de pacientes obesos com insuficiência respiratória grave. Os resultados do estudo foram descritos em um artigo publicado na revista Respiratory Care.
O Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP (Incor), de São Paulo, também está levantando dados sobre o impacto uso do tomógrafo no tratamento de seus pacientes com Covid-19 internados na UTI . Os resultados devem ser divulgados até julho, segundo o pneumologista Carlos Carvalho, um dos autores da pesquisa.
O médico do Incor explica que o uso do equipamento permite observar a entrada e a saída de ar dos pulmões de pacientes intubados, ou seja, como o ar emitido artificialmente está sendo distribuído nos pulmões já lesionados pelo coronavírus. Isso possibilita à equipe médica ajustar a ventilação mecânica, se necessário – um ajuste que pode ser a diferença entre a vida e a morte do paciente.
“Sem a visão de dentro do pulmão, pode parecer que está tudo certo lá dentro, mas pode estar ruim. Com o tomógrafo eu consigo ver a situação real, e com isso, se necessário, fazer manobras e ajustar melhor a ventilação mecânica”, afirma Carvalho.
O pneumologista afirma que um ajuste mais otimizado da ventilação mecânica provavelmente pudesse ter feito a diferença no alto número de mortes entre pacientes intubados no Brasil. “O desequilíbrio na oferta de oxigênio pode ainda causar lesões cerebrais, cardíacas e nos rins, que ajudam a piorar o quadro do paciente e o risco de morte”, explica Carvalho.
Um levantamento realizado no ano passado pela Fiocruz mostrou que 80% dos pacientes de Covid intubados no Brasil morreram — a média mundial é de 50%.
Como funciona a tecnologia
O tomógrafo foi desenvolvido por alunos das faculdades de engenharia e de medicina da USP e financiado pela Fapesp. O projeto foi pensado para auxiliar as equipes médicas de UTIs na acurácia dos cuidados com pacientes com insuficiência respiratória grave, que precisam da suplementação de oxigênio, devido à inflamação dos pulmões.
O equipamento faz uso de sinais elétricos de alta frequência e baixa intensidade para fornecer imagens ao vivo da respiração, mostrando o desempenho pulmonar do paciente em tempo real. Os sinais elétricos são transmitidos e recebidos através de eletrodos embutidos em uma cinta posicionada ao redor do tórax do paciente que, passados para a máquina, geram imagens do pulmão.
Ao perpassar por todo o tórax, a corrente elétrica indica a região dos pulmões por onde circula o ar e, com isso, gera 50 imagens por segundo, que permitem aos médicos enxergar a dinâmica de insuflação do pulmão em tempo real, na beira do leito. Um software integrado ao equipamento permite à equipe médica avaliar a melhor estratégia de ventilação protetora para o paciente.
Segundo Rafael Holzhacker, um dos engenheiros do projeto da USP e hoje CEO da Timpel, empresa que desenvolve e comercializa o tomógrafo para hospitais, a comercialização do equipamento ganhou maior escala com a pandemia de Covid-19. Ele afirma que o aparelho já é usado em ao menos cem hospitais no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, entre os quais os hospitais Albert Einstein e o Incor.
Diminuição do uso de ECMO
Não há dados no Brasil que atestem a diminuição da necessidade da ECMO pelo uso da tomografia por impedância elétrica. Mas a importância da monitorização existe, sobretudo por ela evitar os problemas causados pela ventilação mecânica prolongada que podem levar à necessidade da ECMO, segundo Ederlon Rezende, diretor do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo e membro do conselho consultivo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).
A ECMO é utilizada quando a respiração mecânica já não é suficiente para proporcionar uma boa oxigenação ao paciente. O equipamento, conhecido como pulmão artificial, é formado por uma membrana porosa colocada dentro de uma estrutura com uma entrada de oxigênio puro nos pulmões e outra para a saída do gás carbônico produzido pela respiração.
Além de garantir a troca gasosa, o aparelho propicia um repouso ao pulmão bastante comprometido do paciente, para que o tratamento contra a insuficiência respiratória faça efeito e o órgão seja recuperado.
Rezende ressalta que o uso da tomografia e da ECMO podem ser complementares, já que a primeira é uma ferramenta de diagnóstico e a segunda de tratamento. “A ECMO é uma terapia de suporte, não de cura, que serve para manter o paciente vivo enquanto seus pulmões se recuperam”, afirma.
Ele explica que enquanto a ventilação mecânica é indicada para uma população enorme, a ECMO deve ser indicada para um número muito restrito de pacientes, para casos extremamente graves. “Na prática clínica, os dados fornecidos pelo material de ventilação mecânica podem indicar que não seja necessário a ECMO e, assim, se evita o uso de uma tecnologia de alto custo”, diz. Uma diária de ECMO pode custar mais de R$ 30 mil, segundo o intensivista