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    Relembre marcos dos 10 anos de cannabis medicinal no Brasil

    No dia 4 de abril de 2014, a Justiça brasileira autorizou pela primeira vez a importação de um remédio a base da planta

    Ao longo de dez anos, a Cannabis medicinal se mostrou cada vez mais útil para o tratamento de alguns tipos de doenças
    Ao longo de dez anos, a Cannabis medicinal se mostrou cada vez mais útil para o tratamento de alguns tipos de doenças Olena Ruban/Getty Images

    Da CNN*

    Nesta quinta-feira (4), faz dez anos que a história da cannabis medicinal no Brasil tomou um rumo importante que tem impactado diretamente na saúde de milhares de pacientes que passaram a ter como opção essa terapêutica.

    No dia 4 de abril de 2014, a justiça brasileira autorizou a família Fischer a importar dos EUA um remédio feito à base de cannabis para o tratamento de Anny Fischer, na época com cinco anos de idade. A criança tem uma doença rara chamada de síndrome CDKL5, que chegou a levá-la a ter quase uma centena de convulsões em uma semana.

    O caso ganhou repercussão nacional a partir do documentário “Ilegal”, dirigido por Tarso Araújo e Raphael Erichsen, que virou reportagem no “Fantástico”, da TV Globo, no dia 30 de março de 2014. O filme retrata a luta de pacientes pela legalização da cannabis para fins medicinais no Brasi.

    Para marcar essa década de discussão sobre o tema, a CNN levantou 10 marcos importantes que mudaram os rumos do acesso à cannabis para fins medicinais no país.

    10 marcos importantes para a cannabis para fins medicinais

    1 – Abril/2014 – Primeira decisão judicial autorizando importação de CBD

    A Justiça autoriza a família da paciente Anny Fischer, com cinco anos na época, a importar dos EUA óleo à base de cannabis para tratar os quadros de convulsão que a paciente apresentava devido a uma doença rara.

    E foi a partir deste momento que outros pacientes puderam ter a chance de usar os óleos ricos em canabidiol para o tratamento de outras questões de saúde, como é o caso da Gabriela, de 18 anos, que tem epilepsia refratária.

    “A Gabriela faz uso de anticonvulsivos convencionais e do canabidiol desde 2014. Nós [família] percebemos um grande avanço cognitivo. Ela tem um atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, mas ainda assim nós percebemos um melhor controle das crises e uma melhora cognitiva significativa após o início do tratamento com cannabis, por isso nós mantemos, além de um controle mais efetivo associado aos anticonvulsivos convencionais”, conta a farmacêutica Lilian Machado Grilo, mãe da paciente.

    2 – Janeiro/2015 – Anvisa remove o canabidiol da lista de substâncias proibidas, regulamentando seu uso medicinal

    Com a autorização de importação, mudanças significativas passam a acontecer em diversos âmbitos. Entre essas mudanças está a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de retirar o canabidiol da lista de substâncias proibidas, regulamentando o uso do canabinoide para fins medicinais.

    De acordo com o biotecnologista Gabriel Barbosa, supervisor de assuntos regulatórios no laboratório de Cannabis HempMeds, até 2015 a Anvisa mantinha uma posição mais restritiva em relação ao canabidiol, principalmente devido à sua classificação dentro das convenções internacionais da ONU sobre o controle de drogas, as quais o Brasil é signatário.

    “Existem alguns possíveis motivos que podem explicar essa mudança por parte da Anvisa, como, por exemplo, o aumento das evidências científicas, a tendência internacional que vinha acontecendo em relação não somente ao canabidiol, mas à planta como um todo e o movimento de pedidos na Justiça para a permissão da entrada desses produtos em casos em que havia o respaldo médico”, explica o cientista.

    3 – Maio/2015 – Primeira regulamentação da Anvisa para importação de Cannabis

    A partir dessas movimentações, a Anvisa regulamenta a importação de produtos à base de cannabis a partir da da RDC 17/2015. Porém, na época, a autorização individual tinha que ser encaminhada pelos Correios a Brasília e levava até quatro meses para ser emitida, além de mais um mês para o desembaraço aduaneiro. Os tratamentos naquele ano dificilmente custavam menos de R$ 2.000 por mês.

    “Como a substância era proibida, as decisões judiciais eram proferidas no sentido de obrigar que a Anvisa permitisse a entrada desses produtos em casos onde havia o respaldo médico. E em maio de 2015 foi lançada a primeira resolução que flexibilizava o acesso a esse tipo de produto, fazendo com que não fosse mais necessária uma decisão judicial, bastava seguir o que havia sido imposto nesta resolução”, explica Barbosa.

     

    Cannabis medicinal, imagem ilustrativa / Getty Images

    4 –  Novembro/2015 – Anvisa remove o THC da lista de substâncias proibidas

    Havia (e ainda há) uma espécie de conforto maior por parte da população ao falar em canabidiol, por não ser uma substância considerada psicoativa como o THC, responsável pela “alta” que a planta promove.

    Porém, a ciência passou a evidenciar que o THC também tem potencial terapêutico para tratar alguns casos de saúde, além da sua presença na composição do medicamento colaborar com o chamado “efeito comitiva”, uma espécie de sinergia única que só acontece quando todos os compostos químicos da planta estão juntos.

    Desta forma, em 2015, a Anvisa removeu o THC da lista de substâncias proibidas.

    O neurologista Rubens Wajnsztejn, um dos primeiros prescritores de cannabis no Brasil, afirma que não é só o canabidiol que apresenta potencial terapêutico e que o THC também tem suas potencialidades e, por isso, deve ser uma opção.

     “O THC é utilizado na forma recreativa em altas concentrações. Nas concentrações menores, esse canabinoide também pode funcionar como anticonvulsivo, além de tratar questões relacionadas à ansiedade e aos distúrbios de sono”, explica o médico. 

    5 –  Janeiro/2017 – Anvisa aceita o registro do primeiro medicamento à base de CBD e THC para venda em farmácias

    Em janeiro de 2017, a Anvisa aceita o registro do primeiro medicamento com CBD e THC em sua composição para venda em farmácias. O Mevatyl começa a ser vendido para tratar, principalmente, para pacientes adultos que apresentam espasmos de moderados a graves, por causa da esclerose múltipla.

    “Uma vez que conseguimos associar o canabidiol com THC, nós teríamos aí uma ampla variedade de efeitos terapêuticos. O CBD e o THC agem como complementares de uma série de funções, mas eles também podem ser utilizados separadamente”, afirma o Dr. Rubens.

    6 – Dezembro/2019 – Anvisa regulamenta venda de cannabis nas farmácias

    Em dezembro de 2019, a Anvisa publicou a RDC 327/2019 que autoriza a fabricação e a importação de produtos à base de cannabis para fins medicinais, além de estabelecer requisitos para a comercialização, a prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização desses produtos. Assim, passa a ser possível ter uma maior oferta de medicamentos em farmácias.

    Atualmente, quatro anos após a resolução, já há mais de 20 empresas de cannabis com produtos disponíveis nas prateleiras de farmácias. Os preços, no entanto, são bem superiores aos produtos importados.

    7 – 2020 – Anvisa aprimora regras para importação de produto derivado da cannabis

    Se em 2015 a burocracia fazia com que tudo ficasse mais moroso na hora de começar o tratamento com medicamentos à base de Cannabis, cinco anos depois, a autorização da Anvisa passa a ser emitida no mesmo dia e a ter validade de dois anos.

    Além disso, os produtos chegam na casa do paciente em cerca de três semanas após a compra e a concorrência e mercado em expansão fazem o custo do tratamento cair para menos de R$ 200 por mês em alguns casos, segundo a HempMeds, primeira empresa do setor no Brasil.

    “De produtos importados, que a gente chama de mercado compassivo, foi uma evolução enorme. Hoje não existe mais essa burocracia. Mediante uma receita simples e uma autorização na Anvisa, que é concedida praticamente de forma imediata”, explica Matheus Patelli, diretor-geral da HempMeds Brasil.

    “Então a gente tem um processo que ocorre muito mais rápido e as importações também estão muito mais rápidas. A gente tem outras formas de acesso aos produtos, como, por exemplo, farmácia de manipulação e associações”, acresenta.

    8 – Junho/2021 – Projeto de Lei 399/15, que regulamenta o cultivo da cannabis para fins medicinais e industriais, é aprovado em comissão da Câmara — mas está parado

    O projeto de lei 399/15 regulamenta o plantio de cannabis para fins medicinais e a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta em todo o país. Mas não é só isso.

    “Queremos muito que o cultivo seja liberado. A gente tem parte dos ativos, da mão de obra, da logística dolarizada e isso encarece bastante o produto. Temos a possibilidade em um país tão grande de criar realmente uma indústria muito séria. Temos outros mercados também que podem ser criados, dentre eles mercados de nutracêuticos, usando sementes, o mercado têxtil, usando as fibras do próprio cânhamo, então tem mercados aí que podem passar a existir”, argumenta Patelli.

    “A gente tem uma economia em torno da planta muito grande, a própria questão agrônoma, a própria questão agrária é muito significativa e pode impactar positivamente o que hoje é o maior produto do Brasil, que são os insumos agrícolas”.

    O PL foi aprovado, mas deputados entraram com recurso, o que fez com que, desde então, o projeto se encontre parado.

    / Plantas de cannabis exibidas na Expo Cannabis anual em Montevidéu, Uruguai 04/12/2021 REUTERS/Mariana Greif/Foto de arquivo

    9 – Dezembro/2023 – SP aprova lei que inclui derivados de cannabis no SUS

    O governador Tarcísio de Freitas regulamentou a lei que prevê o fornecimento de remédios à base de cannabis medicinal pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo no dia 26 de dezembro de 2023.

    A decisão foi vista como algo muito importante devido ao peso que as decisões do estado têm sobre as decisões tomadas em outras localidades do país. Pacientes com síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa serão os primeiros beneficiados. 

    A empresa mineira Ease Labs ganhou edital para fornecer por um ano o medicamento à base de cannabis para os pacientes do SUS do estado de São Paulo.

    “O ponto positivo é o reconhecimento do poder público da cannabis como uma ferramenta terapêutica. Um meio eficaz de tratar determinadas doenças que a medicina tradicional se mostrou falha ou com mais efeitos colaterais nocivos do que a cannabis para fins medicinais”, afirma Vladimir Saboia, advogado especialista em Cannabis e presidente da Comissão de Direito do setor da cannabis Medicinal da OAB-RJ.

    “O ponto negativo é a limitação do número de doenças que podem ser tratadas via SUS e poucos produtos. Isso ainda não está avançado”, complementa.

    10 – 2024 – 24 estados já têm leis em vigor ou tramitando para fornecer cannabis medicinal no SUS

    Além de São Paulo, outras 24 unidades federativas possuem leis em vigor ou em tramitação que garantem o fornecimento do composto pelo sistema público de saúde. Em SP, PR, RJ, GO, DF, MT, CE e RN as leis já estão em vigor. E apenas nos estados de PE, PB e AP não há nenhum projeto apresentado.

    O que é possível fazer hoje

    Médicos e dentistas podem prescrever derivados da cannabis. Segundo a Kaya Mind, empresa de análise de dados desse mercado, a maioria das prescrições vem de clínicos gerais (34%), seguidos de neurologistas (16%), psiquiatras (15%) e especialistas em dor (9%). Dentistas representam 5% do total de prescrições. Ainda de acordo com a empresa de dados, são mais de 10 mil prescritores de cannabis no Brasil.

    Já as importações dobram ano a ano. Em 2019, foram 3,3 mil pacientes autorizados a importar a substância, número que subiu para 66 mil em 2023 (95%). Os dados são da Anvisa e referentes ao primeiro semestre de cada ano.

    *Publicado por Aline Oliveira, da CNN