Prevenção a ataques violentos requer abordagem multidisciplinar, apontam especialistas
Embora não seja possível prever a ocorrência de um evento violento, indícios podem sugerir que um estudante enfrenta problemas que podem desencadear um episódio agressivo
Ataques violentos em escolas deixam marcas para estudantes, educadores e para a sociedade como um todo. A origem do problema é alvo de análises e discussões entre especialistas de diversas áreas, incluindo profissionais de saúde mental, da educação, além de formuladores de políticas públicas.
Atos extremos, como o registrado no início da semana na cidade de São Paulo, que levou à morte de uma professora, destacam a importância do acompanhamento próximo do comportamento de crianças e adolescentes para a identificação precoce de possíveis agravos à saúde mental.
Embora não seja possível prever a ocorrência de um evento violento, alguns indícios podem sugerir que um estudante enfrenta problemas que podem desencadear um episódio agressivo. Em depoimento, o adolescente que promoveu ataque em escola na capital paulista afirmou que sofria bullying.
Para o especialista em treinamento comportamental para jovens Alex Rosseti, o bullying sofrido pelo adolescente foi algo que contribuiu para a tragédia.
“Na carta deixada pelo jovem podemos observar a menção de diversas culpas. É notória, a maneira que ele expressa e como pontua a explicação sobre o planejamento do crime desde seus 11 anos de idade. Ele gritava por um socorro, pois não era dono de um senso de fúria incontrolável”, explica o especialista. “Em um trecho da carta, o jovem é enfático e diz ‘me desculpe decepcionar você…’. Existem diversas maneiras que um jovem pode soltar essa angústia, como a automutilação ou um ataque a pessoas que ele sente que o vieram a prejudicar”, afirma Rosseti.
O psicólogo e professor de psicanálise Ronaldo Coelho destaca que um dos primeiros passos no enfrentamento ao bullying é a acolhida da criança ou adolescente.
“A criança que sofre bullying precisa ser acolhida, ouvida, protegida. Os pais e cuidadores que querem ajudar seus filhos devem se colocar à disposição de ouvir e numa postura de confiança no que a criança estiver falando. Eles tem que garantir que acreditam na criança e que o fato de saber do que acontece com ela não os decepciona nem os deixa triste”, diz.
Como é possível prevenir ataques?
A prevenção a ataques violentos passa pelo desenvolvimento de estratégias de prevenção e combate ao bullying, como explica o psiquiatra Gabriel Okuda, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo.
“Isso é muito importante justamente por que a gente está falando da infância e da adolescência, momento em que aquele indivíduo está fazendo a construção da personalidade. É o momento de maior desenvolvimento socioemocional. Então, é muito importante que tanto o agressor, quem pratica o bullying, quanto com quem é vítima sejam abordados e entendidos de alguma forma justamente para que isso não se persevere na fase adulta”, diz.
A intimidação, que pode acontecer a partir de violência física, verbal e psicológica, pode levar a traumas que persistem ao longo da vida na ausência de uma abordagem terapêutica.
“Para que aquele indivíduo acabe não sendo um agressor na fase adulta de alguma forma e, para quem sofreu o bullying, não mantenha muitas vezes alguma consequência que pode ser devastadora ao longo da vida, principalmente na fase adulta. Justamente por questões de se sentir incapacitado, triste, isolado, não conseguir ter relações sociais ou afetivas mais importantes, justamente por todos esses aspectos sofridos durante a infância e adolescência”, pontua Okuda.
Embora o bullying possa contribuir para uma reação violenta extrema, outros fatores também podem influenciar esse contexto. Coelho afirma que cada ataque deve ser entendido a partir de uma perspectiva individual.
“Dar orientações para as escolas nessas situações é sempre muito complicado porque implica pensar em cada caso o que está havendo, pensar cada caso qual é a gravidade e amplitude da situação. Porém, a escola deve sempre considerar de forma complexa e singular, procurando entender o que está havendo para intervir”, afirma.
“Muitas vezes, a família do aluno violento é igualmente violenta com ele e chamar a família na escola pode ser ocasião de a violência se perpetuar. Estratégias coletivas tendem a ser as melhores, vale convocar os professores para que pensem juntos. Sempre tem algum que é mais próximo, que sabe mais e que pode ter ideias interessantes para a situação”, acrescenta.
Para o especialista, a criação de um ambiente de escuta na escola favorece o desenvolvimento de uma relação de confiança entre alunos e educadores.
“Seria importante que a escola tivesse um espaço instituído para que os alunos pudessem falar e refletir sobre as relações na escola. Um espaço onde se falasse de conflitos e se pensasse sobre eles de forma periódica. As crianças ainda estão aprendendo a se relacionar. Nada melhor do que ter um espaço para refletir sobre isso que é novo e complexo para elas sem precisar chegar em casos extremos de violência”, explica Coelho.
A opinião é compartilhada pela psicanalista Lidia Queiroz Silva Magnino, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).
“Todo ser humano precisa de oportunidade para ser, para participar, contribuir, como uma forma de lidar com a destrutividade com esperança e confiança. A escola, semelhante a família, é um lugar de criar vínculos, de pensar e sonhar, de desenvolver potenciais, de amadurecer. É um espaço da diversidade onde as diferenças circulam favorecendo as identificações, bem como é um lugar de urbanidade, de exercício de liberdade e segurança. Um lugar de construir e desconstruir narrativas da ética do ser, de interiorizá-la no coração, de fazer laços de amizade, de deixar a linguagem do outro se manifestar, expressar a emoção, abrir caminhos com compaixão empática”, destaca.
A médica psiquiatra Carolina Hanna, do Hospital Sírio-Libanês, afirma que eventos de extrema violência podem configurar um diagnóstico de transtorno de personalidade.
“Infelizmente não existe uma forma de prever se e quando um evento como este irá ocorrer, mas a melhor forma de prevenção é a identificação de fatores de risco, endereçando o problema para profissionais especializados. Quando as figuras que cuidam do adolescente, sejam os pais ou outros adultos, fazem algum tipo de acompanhamento psicológico, também tende a prevenir de maneira geral”, diz.