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    Pode tomar remédio com café? Conheça os riscos

    De acordo com especialistas, alguns medicamentos podem ter seus efeitos terapêuticos prejudicados pela cafeína

    Gabriela Maraccinida CNN

    O café é uma bebida presente na rotina de muitas pessoas. Apesar de oferecer benefícios, como promover mais energia e disposição para o dia, a cafeína pode trazer alguns efeitos colaterais quando consumida em excesso ou quando misturada com outras substâncias. Inclusive, é por isso que remédios não devem ser tomados com café.

    Um estudo publicado em 2020 na revista científica BioMed Research International mostrou que tomar certos medicamentos com café pode afetar a forma como eles funcionam no organismo. De acordo com a pesquisa, a bebida pode melhorar a resposta terapêutica de alguns remédios, mas pode inibir a ação de outros fármacos. Mas como isso acontece, exatamente?

    De acordo com Moacyr Luiz Aizenstein, professor do Departamento de Farmacologia do ICB-USP (Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo), um remédio administrado via oral percorre várias etapas no organismo até cair na corrente sanguínea e atingir seu alvo. “A cafeína pode interferir em todos esses processos quando ingerida junto com o medicamento e, na maioria das vezes, o efeito não é positivo, ou seja, é prejudicial”, afirma à CNN.

    Qual caminho o remédio percorre no organismo?

    Para entender como a cafeína pode prejudicar o funcionamento de um medicamento, é preciso compreender como o fármaco atua no organismo. De maneira geral, um remédio pode ser administrado de diferentes formas: oral, intravenosa, subcutâneo e intramuscular, por exemplo. A maneira mais comum é a oral, através de comprimidos ou gotas.

    Ao ser ingerido, o medicamento percorre diferentes etapas no organismo. A primeira delas é o processo de absorção, que começa pelo estômago, seguindo para a parte superior do intestino delgado. Nesse momento, ele é desintegrado da forma farmacêutica (comprimido) e ocorre a dissolução do princípio ativo, para que seja liberado para a passar para a próxima etapa. Em seguida, ele segue para o fígado até chegar na corrente sanguínea.

    “Essa absorção é parcial, nem tudo o que é absorvido é aproveitado. Normalmente, no caso dos medicamentos orais, a biodisponibilidade [o que é aproveitado do fármaco] varia de 30%, 50% e 70%, dependendo das características dos medicamentos”, explica Aizenstein.

    Uma vez na corrente sanguínea, o medicamento é distribuído para todo o organismo, incluindo seu alvo (como receptores, canais iônicos ou enzimas), onde terá efeito terapêutico. Em seguida, o fármaco vai novamente para o fígado, onde é metabolizado, ou seja, transformado um outro composto (metabólito), facilitando sua excreção pelos rins.

    De forma didática, as últimas fases são chamadas de farmacodinâmica (quando ocorre a interação fármaco-alvo) e fase farmacocinética (caracterizada pelo caminho que o fármaco realiza no organismo), conforme explica Michelle Fidelis Correa, professora do curso de farmácia da Universidade Cruzeiro do Sul, à CNN.

    “Vale ressaltar que existem fatores que podem influenciar e/ou alterar todas essas fases, como as vias de administração, formas farmacêuticas, características particulares de cada organismo bem como, interações medicamentosas”, afirma.

    O que acontece com o medicamento quando ele é ingerido com café?

    Quando o medicamento é ingerido com café, a cafeína pode influenciar positivamente ou negativamente em todo o percurso que o fármaco faz no organismo. Isso pode potencializar ou minimizar o seu efeito, ocasionando consequências variáveis.

    “A cafeína, assim como qualquer outra molécula, pode interagir com outras substâncias. Essa interação pode acarretar modificações nos processos citados anteriormente e afetar significativamente o efeito dos medicamentos”, afirma Correa.

    A professora exemplifica que a cafeína pode modificar a absorção de fármacos, ao alterar o perfil de dissolução e o pH gastrointestinal. Consequentemente, ela prejudica a absorção de certos medicamentos e reduz seus efeitos terapêuticos.

    Outro efeito negativo pode ser observado na etapa de metabolização pelo fígado. De acordo com Aizenstein, alguns tipos de fármacos são metabolizados pelas mesmas enzimas que atuam na cafeína. “Isso causa uma competição entre eles, porque, muitas vezes, não há enzimas suficientes para metabolizar ambas substâncias. Com isso, os fármacos ou a cafeína vão ter o metabolismo inibido”, explica.

    O principal risco nesse cenário é o aumento da concentração do fármaco na corrente sanguínea, o que pode potencializar seu efeito a níveis que não estão previstos na bula. “A cafeína pode aumentar, por exemplo, a concentração de varfarina no organismo, que é um anticoagulante, aumentando o risco de sangramentos”, cita o professor. “Isso acontece com outras substâncias também, como o metotrexato, que é um anti-inflamatório, e alguns tipos de antipsicóticos usados no tratamento da esquizofrenia”, completa.

    Quais medicamentos não devem ser tomados com café?

    De acordo com os especialistas consultados pela CNN, existem diversos medicamentos que possuem interação com a cafeína e, por isso, é importante estar atento em relação a qual medicamento faz uso. “Em geral, medicamentos que são metabolizados pelas enzimas do citocromo P450 (CYP450) apresentam interações importantes que devem ser consideradas”, afirma Correa.

    “A cafeína é, principalmente, metabolizada por essas enzimas, podendo exercer um papel de competição com outros fármacos e impactar na taxa de metabolismo. A indução ou inibição destas enzimas metabolizadoras pode resultar em falha na resposta terapêutica, intensificação de efeitos colaterais ou até mesmo toxicidade”, completa a professora.

    Além disso, alguns outros tipos de remédios têm seu efeito prejudicado pela ação da cafeína e podem trazer riscos à saúde. É o caso de:

    • Antidepressivos: medicamentos para depressão podem ter sua absorção no estômago e intestino delgado prejudicada pela cafeína;
    • Ansiolíticos: a cafeína, por ter ação estimulante e favorecer a ação de neurotransmissores como dopamina e adrenalina, reduz o efeito terapêutico de medicamentos usados no tratamento da ansiedade;
    • Antipsicóticos: reduz o efeito terapêutico de medicamentos utilizados no tratamento da esquizofrenia por afetar a absorção pelo estômago e intestino, além de prejudicar o metabolismo do fármaco no fígado;
    • Levotiroxina: medicamento utilizado para o tratamento do hipotireoidismo que tem sua absorção afetada pela cafeína e, por isso, deve ser ingerido em jejum.

    Além disso, algumas vitaminas e minerais podem ter sua absorção afetada pela cafeína. O estudo publicado na BioMed Research International, por exemplo, cita que “a absorção de ferro é reduzida entre 39% e 90% quando se toma uma xícara de café ou outras bebidas com cafeína” e, por isso, a bebida não deve ser ingerida junto com alimentos ricos em ferro ou suplementos vitamínicos.

    Segundo Aizenstein, a absorção de vitamina D também pode ser prejudicada pela cafeína. “Isso é muito sério, já que a deficiência da vitamina D é uma das causas de osteoporose e a literatura já mostrou que idosos que tomam muito café podem ter maior risco dessa doença”, afirma.

    Quais medicamentos podem ter o efeito potencializado pela cafeína?

    Por outro lado, existem alguns medicamentos que podem ter o efeito potencializado pela cafeína. Isso acontece, principalmente, pelo fato de a substância poder aumentar a absorção e a biodisponibilidade de fármacos, aumentando a sua concentração no organismo.

    Segundo os especialistas consultados pela CNN, entre os medicamentos cujos efeitos são potencializados pela cafeína estão os analgésicos, anti-inflamatórios não esteroides, relaxantes musculares, diuréticos e estimulantes do sistema nervoso central.

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