Pesquisadores da USP encontram coronavírus na gengiva de vítimas da Covid-19
O vírus foi encontrado no tecido periodontal por meio de uma autópsia minimamente invasiva; é a primeira vez que pesquisadores detectam o SARS-CoV-2 em gengivas
Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) detectaram, pela primeira vez, a presença do novo coronavírus na gengivas de pacientes com Covid-19 que faleceram em decorrência da infecção.
Os resultados do estudo foram publicados nesta sexta-feira (26) no Journal of Oral Microbiology, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Para realizar as análises, os pesquisadores adotaram uma autópsia minimamente invasiva em pacientes diagnosticados com Covid-19 que morreram no Hospital das Clínicas da FM-USP e observaram, por meio de análises por RT-PCR e histopatológicas, a presença do SARS-CoV-2 no tecido periodontal.
As descobertas contribuem para desvendar uma das possíveis fontes do novo coronavírus na saliva de pacientes com COVID-19, destacam os autores do estudo.
“A presença do SARS-CoV-2 no tecido periodontal pode ser um dos fatores que contribuem para a presença desse vírus na saliva de pacientes infectados e demonstra que as origens do novo coronavírus em gotículas salivares não são somente as vias respiratórias”, disse Bruno Fernandes Matuck, um dos pesquisadores do estudo, à Fapesp.
Poucos vírus já foram detectados em gengivas
Antes do surgimento do SARS-CoV-2, outros poucos vírus, como da herpes simples (HSV), o Eptein-Barr (EBV) e o citomegalovírus humano (HCMV) já tinham sido detectados em tecidos gengivais.
As possíveis fontes de infecção podem ser as células epiteliais da gengiva, expostas à cavidade oral, e a migração desses vírus pela corrente sanguínea.
Em razão da alta infecciosidade do SARS-CoV-2 em comparação com outros vírus respiratórios, os pesquisadores levantaram a hipótese de que o novo coronavírus poderia se replicar na cavidade bucal e, dessa forma, aparecer na saliva.
Com o intuito de testar essa hipótese, eles mapearam componentes da cavidade bucal que contribuem com a composição da saliva. Entre eles, as glândula salivares, o tecido periodontal e células do trato respiratório superior.
“A ideia foi procurar dentro desses três componentes o que estaria contribuindo para a saliva de pacientes com Covid-19 apresentar uma carga viral tão alta”, explica Matuck.
Por meio de um sistema de endoscópio por vídeo, acoplado a um smartphone, foi possível localizar e extrair, com pinças, amostras desses tecidos e também das papilas gustativas e do epitélio respiratório de, inicialmente, sete pacientes mortos por COVID-19, com idade média de 47 anos.
As análises das amostras indicaram a presença do SARS-CoV-2 no tecido periodontal de cinco pacientes até 24 dias após a manifestação dos primeiros sintomas da infecção em alguns casos. “Esses achados mostram que o tecido periodontal parece ser um alvo do SARS-CoV-2, podendo contribuir, por muito tempo, para a presença do vírus em amostras de saliva”, diz Matuck.
Os pesquisadores ponderam que a infecção do tecido periodontal pelo SARS-CoV-2 e a presença do vírus na saliva por longo tempo não significa que as partículas do RNA viral sejam infecciosas por todo esse tempo.
“Outros estudos demonstraram que a capacidade de contágio do vírus diminui ao longo do tempo e atinge o pico em 15 dias”, diz Luiz Fernando Ferraz da Silva, professor da FM-USP e coordenador do estudo.
Periodontite pode agravar infecção pelo coronavírus
A detecção do SARS-CoV-2 na gengiva também corrobora a hipótese de que a inflamação do tecido gengival, chamada de periodontite, aumenta o risco de apresentar quadros graves da Covid-19, avaliam os pesquisadores.
Isso porque pessoas com periodontite têm maior secreção do fluido gengival que compõe a saliva. Além disso, comorbidades como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e síndrome metabólica, fatores que podem contribuir para um pior prognóstico de Covid-19, estão altamente associadas à doença periodontal.
“Uma vez que o SARS-CoV-2 infecta o tecido periodontal, a maior secreção de fluido gengival eleva a carga do vírus na saliva”, afirma Matuck.
O estudo também confirma a acurácia de testes de Covid-19 pela saliva, como o desenvolvido no Brasil pelo Centro de Estudos do Genoma Humano (CEGH-CEL) e o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), financiado pela FAPESP.
“Da mesma forma que o exame de RT-PCR é importante porque detecta o vírus em secreções nasofaríngeas, o SARS-CoV-2 também pode ser detectado com muita precisão na saliva porque há carga viral sustentada nesse fluido em pacientes infectados”, afirma Silva.
O próximo passo dos pesquisadores é analisar a carga viral do SARS-CoV-2 no tecido periodontal de pessoas com Covid-19 assintomáticas ou com sintomas leves da doença para avaliar se a resposta nessas células é diferente em comparação com as de pacientes em estado grave.
Atualmente, eles estudam os receptores de entrada do SARS-CoV-2 na cavidade bucal.