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    Pesquisa aponta relação de falta de ar com efeito do coronavírus na coagulação

    Pesquisas iniciais com anticoagulante heparina feitas pela USP mostraram melhoras em quadros graves da doença

    Leonardo Lopes, da CNN em São Paulo

    Um dos sintomas mais associados aos quadros graves de Covid-19 é a insuficiência respiratória. Um grupo de cientistas da USP sustenta a hipótese de que a raiz de parte dos mais severos sintomas respiratórios da doença está em um distúrbio de coagulação do sangue causado pelo novo coronavírus. Além disso, foram positivos os resultados preliminares do uso do remédio anticoagulante heparina no tratamento de pacientes graves.

    Uma das primeiras profissionais a iniciar estudos sobre os efeitos na coagulação do sangue causados pelo novo coronavírus foi a médica Elnara Negri, professora da Faculdade de Medicina da USP, que atua no Hospital das Clínicas e no Hospital Sírio-Libanês, ambos na capital de São Paulo.

    A médica contou à CNN que, no final de março, observou uma paciente no Hospital Sírio-Libanês que, mesmo respirando normalmente, apresentava níveis baixos de oxigênio no sangue. Além desta condição, chamada de “hipóxia silenciosa”, a paciente apresentou sinais de trombose no dedão do pé. 

    Elnara explicou que, ao ver as marcas no dedão, associou os sintomas a um problema na coagulação e começou a administrar heparina. A paciente teve uma melhora progressiva até se recuperar da doença e ganhar alta hospitalar. 

    A médica compartilhou o resultado desta primeira experiência com outros médicos do Hospital das Clínicas (HC) da USP. Assim, os pesquisadores foram tentar entender como estes coágulos poderiam estar afetando os pulmões de quem morreu com quadro grave de Covid-19. 

    Esse estudo foi possível graças a um método de autópsia seguro e pouco invasivo desenvolvido no HC, que inclusive ganhou destaque na renomada revista científica Nature. Os pesquisadores compilaram suas descobertas em um artigo que foi revisado por outros cientistas e publicado no Journal of Thrombosis and Haemostasis.

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    Os efeitos do vírus na coagulação

    Os estudos mostram que a Covid-19 faz com que, basicamente, as células do revestimento interno dos pulmões descamem, ficando em “carne viva”. “Isso libera na circulação uma grande quantidade de uma substância chamada ‘fator tecidual’, e faz com que a coagulação seja ativada na circulação pulmonar”, afirmou Elnara. Esses microcoágulos obstruem os vasos do pulmão e impedem a passagem de oxigênio para nosso sangue.

    Em síndromes respiratórias “comuns”, os alvéolos – pequenos “sacos” internos aos pulmões onde as trocas gasosas são feitas – “inflamam mais rapidamente, se enchem de líquido e células inflamatórias, e o pulmão fica enrijecido”, conta Elnara. Na Covid-19, essas condições não acontecem.

    “O pulmão ainda é fácil de insuflar, como uma ‘bexiga mole’, mas mesmo que entre ar, como os capilares estão obstruídos, não ocorre a passagem de oxigênio para o sangue”, complementa.

    Por isso, muitas pessoas aparentam estar respirando normalmente, mas têm índices de oxigenação baixos sem perceber. O nível de oxigenação pode ser monitorado de maneira simples, até mesmo em casa, através de um aparelho chamado oxímetro.

    Esta abordagem inédita dos cientistas sobre os efeitos do novo coronavírus na coagulação sanguínea não interfere nos estudos e projetos de vacina que já estão em desenvolvimento sobre a Covid-19. Mas muda a forma com que podem ser tratados os pacientes graves da doença – o que representa de 10% a 15% dos infectados, segundo Elnara. 

     

    Tratamento com heparina

    A médica afirma que já repetiu o uso de heparina em quadros graves de Covid-19 com mais de 100 pacientes do Hospital Sírio-Libanês desde o final de março. Até agora, os resultados preliminares se demonstraram positivos com redução no tempo de internação, menor necessidade de se utilizar respiradores e melhoras na recuperação. Sua experiência com os 27 primeiros pacientes foi descrita em um artigo publicado na plataforma medRxiv.

    Os resultados dos testes em pacientes graves devem ser consolidados em um estudo maior que está para ser iniciado em conjunto com grupos da Universidade de Toronto, do Canadá, e da Universidade de Amsterdã, da Holanda. De acordo com Elnara, eles aguardam a aprovação do comitê de Ética do Hospital das Clínicas para iniciar a pesquisa. 

    Um dos objetivos deste estudo será também o tratamento com heparina de pacientes que ainda não evoluíram para o quadro mais grave de Covid-19. A ideia seria receitar o remédio anticoagulante precocemente, assim que os níveis de oxigênio começarem a cair.

    “Acredito que se deve iniciar precocemente, assim que o paciente começar a ficar com baixa oxigenação. Estamos trabalhando para provar isso em trabalhos científicos não apenas observacionais, mas infelizmente leva tempo”, conclui a médica.

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