Outubro Rosa: projetos sociais resgatam autoestima de mulheres com câncer de mama
Em meio ao tratamento, dentre outros efeitos colaterais, pacientes podem perder cabelos e serem submetidas a intervenções cirúrgicas nas mamas
A perda de cabelo, a cirurgia na mama e os diversos efeitos colaterais que podem resultar dos medicamentos associados ao tratamento contra o câncer de mama são alguns dos obstáculos que pacientes oncológicas precisam superar.
“Tudo isso impacta na autoestima da mulher, ou mais ou menos. Então é super importante o médico abordar esse tema no dia a dia”, ressalta Pedro Exman, oncologista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
De acordo com o especialista, cabe ao oncologista tratar a paciente, e não somente sua doença. “A gente precisa estar o tempo inteiro conversando sobre como a mulher está se sentindo, como está sua autoestima, como está a relação dela com as pessoas, como ela está se vendo no espelho”, explica.
Embora também possa acometer homens, representando 1% do total de casos da doença, segundo informações do Instituto Nacional do Câncer (Inca), as mulheres são as principais impactadas pelo câncer de mama. No Brasil, excluídos os tumores de pele não melanoma, é o tipo de câncer mais frequente no público feminino. Por isso, no mês de outubro, várias iniciativas de conscientização sobre a doença tomam corpo, no chamado “Outubro Rosa”.
Diagnóstico precoce
Vanessa Araújo descobriu o câncer em maio de 2023, após notar, durante o autoexame da mama, o crescimento de um nódulo que vinha acompanhando com seu médico. Depois de uma mamografia, a biópsia confirmou o câncer em grau 2.
“Desse processo todo, o que me impactou mais foi a perda do meu cabelo. Com 14 dias depois da primeira sessão de quimioterapia, meu cabelo começou a cair em tufos”, conta a paciente.
Pelo tamanho do tumor, a paciente pôde fazer a cirurgia de retirada antes de começar a quimioterapia. O procedimento se concentrou no quadrante inferior de sua mama, mas a reconstrução foi feita no mesmo dia, usando sua própria gordura — sem alterações na aréola.
O oncologista explica que o tratamento é escolhido a partir do diagnóstico da paciente, uma vez que existem mais de um tipo de câncer de mama.
“De acordo com o tipo de doença, a cirurgia é a escolha inicial e, depois, o tratamento com medicação, mas, se tem uma doença mais avançada, normalmente, a gente começa com medicação e quimioterapia e, depois, vai para a cirurgia”, afirma Exman.
Um mês depois de ter sido operada, em agosto, Vanessa começou as sessões de quimioterapia. Quando estava decidida a raspar a cabeça, seu caminho cruzou com o da ONG Cabelegria, que, desde 2013, arrecada cabelos para confeccionar e distribuir, gratuitamente, perucas para pacientes que lutam contra o câncer.
Já com pouco cabelo, Vanessa estava decidida a comprar uma peruca e raspar a cabeça, quando encontrou um stand da organização em uma feira de beleza, em São Paulo. No mesmo dia, a paciente saiu de lá com sua peruca.
“Foi um alento”, diz sobre o acessório. Depois de raspar a cabeça, “eu senti até um alívio de não ver mais aquele monte de cabelo caindo no chão.”
Segundo informações da Cabelegria, a ONG já recebeu a doação de 345 mil cabelos e confeccionou 13 mil perucas — sendo que 95% dos artigos foram doados para mulheres em tratamento contra o câncer de mama.
Apesar de o diagnóstico precoce de Vanessa ter sido decorrente do autoexame, o médico explica que essa não é uma ferramenta de rastreamento.
“O autoexame é importante para a mulher se conhecer, conhecer sua anatomia e, eventualmente, notar se tiver alguma coisa diferente, mas ele não é uma ferramenta para rastreamento”, afirma.
Segundo Exman, a recomendação é de que as mulheres realizem a mamografia anualmente a partir dos 40 anos.
Uma nova mulher
Dados do Inca referentes ao ano de 2020 indicam que, a cada 10 mil mulheres, 11,84 morrem no país em razão do câncer de mama.
Sobre novos casos, a estimava do instituto é de que, para cada ano do triênio 2023-2025, sejam diagnosticadas 73.610 pessoas com câncer de mama.
Cada uma dessas pacientes lidará com a doença de uma forma diferente. No caso de Rose Mota, de 50 anos, o diagnóstico foi um “mal que veio para o bem”. A carioca se define como “uma nova mulher depois do câncer”.
Rose descobriu o câncer aos 39 anos, em 2012, ao solicitar um exame de mamografia, devido à casos anteriores na família.
Vítima de violência doméstica e criando quatro filhos ao lado de seu então marido, que “vivia na rua, bebendo e se drogando”, a cabeleireira diz que quando soube da doença “já não tinha mais lágrimas”.
O tratamento durou cinco anos, contando mastectomia — que é a retirada cirúrgica de toda a mama —, quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia.
A cirurgia ocorreu ainda em 2012, mas a reconstrução da mama foi feita dois anos mais tarde, em 2014. Segundo Rose, lidar com a ausência do seio não foi tão difícil: ela usava próteses removíveis e conseguia disfarçar com as roupas.
Mas, depois de ter passado por duas intervenções cirúrgicas, a paciente decidiu que não retornaria para fazer a reconstrução da aréola.
“Quando eu olhava no espelho, eu sentia que faltava alguma coisa, mas procurava nem olhar muito para aquela mama, olhava só para a outra. E eu consegui bloquear na minha cabeça”, relembra.
Alguns anos mais tarde, em reuniões da Fundação Nacional de Combate ao Câncer (FNCC), Rose conheceu Patrícia Bastos, uma micropigmentadora paramédica que se dedica a ajudar pacientes com câncer ou vitiligo.
O projeto Volte a Ser Feliz foi fundado por Patrícia em 2014. Desde então, ela é a única financiadora, embora conte com algumas parcerias eventuais.
A dermopigmentadora mantém uma clínica na cidade do Rio de Janeiro e outra em Petrópolis e já atendeu mais de 800 mulheres com a iniciativa.
“A intenção que sempre tive é mostrar que elas ainda podem viver normalmente”, afirma.
Eu me olhava no espelho e me sentia reconstruindo. Conforme eu ia reconstruindo os pedaços do meu corpo, eu também fui reconstruindo a minha vida emocional.
Rose Mota
De acordo com o oncologista Pedro Exman, a mastectomia tem sido evitada pelos profissionais da saúde, tanto em hospitais privados quanto públicos.
“Na minoria das vezes, hoje em dia, a gente faz uma cirurgia mais agressiva com a retirada completa. Atualmente, a cirurgia conservadora poupa a mama, o mamilo, e acaba tirando só o setor em que está o tumor”, explica o médico.
Nos casos em que a mama precisa ser completamente retirada, a lei garante a realização de cirurgia plástica reparadora pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Mesmo com a garantia legal, apenas 20% das 92,5 mil mulheres que fizeram mastectomia entre os anos de 2008 e 2015 passaram pelo procedimento de reconstrução mamária, segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) com base em dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS).
Além disso, a reconstrução da aréola costuma ser feita alguns meses após a reparação da mama, devido ao período de cicatrização. Isso faz com que muitas mulheres desistam de se submeter a uma nova cirurgia — assim como aconteceu com Rose.
Esse cenário reforça a necessidade de acompanhamento de uma equipe médica formada por profissionais de diferentes áreas, como oncologia, psicologia, nutrição e fisioterapia, conforma aponta Exman. “A gente tem que deixar a paciente próxima de opções que a farão se sentir melhor”, afirma o especialista.