Opinião: o antídoto surpreendente para o burnout
Tess Taylor aponta como capinar e preparar um terreno para uma horta comunitária ajudou no controle do estresse
Eu sei que dizem que abril é o mês mais cruel, especialmente no hemisfério norte. Mas, honestamente, maio, pouco antes do fim do ano letivo nos Estados Unidos, parece ser bastante complicado também. Por que é que tudo que há no planeta terra precisa ser resolvido agora?
Recentemente, quando eu pensava estar ocupada demais para assumir qualquer outra tarefa, lembrei-me de que tinha me oferecido para passar um dia inteiro na escola do meu filho para ensinar alguns poemas para a turma da sexta série e depois para levar um monte de alunos da terceira série para capinar e preparar um terreno para uma horta comunitária.
Ah, sim, e depois disso, eu deveria hospedar a tropa de escoteiras de nossa filha para comer pizza ao redor de uma fogueira no quintal, já que todos os locais de acampamento na nossa vizinhança ficaram encharcados na devastadora tempestade de inverno da Califórnia.
Vou ser sincera: ao encarar para esses compromissos brilhando no olho eletrônico do calendário do meu telefone, não fiquei feliz. Não vi tempo para descansar. Nenhuma dessas promessas de como meu tempo seria engolfado parecia oferecer uma chance de ler, brisar ou simplesmente conseguir responder meus e-mails em paz. Nenhuma parecia oferecer um tempo para o coquetel com o qual eu queria brindar com meu parceiro.
É sério isso? Daí pensei:
– Tess, por que você continua fazendo isso com você?
Tenho certeza de que muitos de vocês podem se identificar com a enxurrada de prazos para cumprir este mês. Os meus incluem a inscrição para um pedido de bolsa num portal que parece projetado por um deus malévolo que não quer conceder dinheiro, a ninguém, nunca.
Outra coisa: minha mãe e minha filha já passaram por alguns percalços em termos de saúde, e tivemos dias sugados pelas adversidades cansativas do sistema de saúde dos Estados Unidos.
Qualquer pessoa que tenha passado um dia de multitarefas enquanto escuta a musiquinha da sala de espera de um endocrinologista sabe o que quero dizer quando eu pergunto: tem certeza que você quer passar o fim de semana inteiro fazendo trabalho voluntário?
Certamente não há problema em dizer não. Fui criada por uma geração de mulheres que leram o livro “Meditações para mulheres que fazem demais”. Tenho certeza de que ainda há meditações nesse clássico válidas para muitas de nós hoje.
O voluntariado na comunidade ainda é um trabalho muito feminino – organize a reunião de pais! Cuide da exposição de artes! O grupo de jovens! A escola dominical! Asse um bolo! Salve as baleias e o mundo enquanto você está nele! Acabei de editar um livro sobre jardinagem, que eu amo, mas, gente, tem dias que eu não quero cuidar de mais nada. Depois de me sentir oprimida pelos anos de pandemia, eu fico arrepiada com qualquer “mais” em minha vida.
Mas a verdade, e eu sei disso, é que é bom cuidar. A comunidade se sente bem. O ativismo faz bem. Plantar faz bem. Antes da pandemia, quando eu estava acostumada de organizar eventos para uma instituição para pessoas em situação de rua, eu tinha um roteiro pronto para transformar a tristeza e fúria que sinto sobre algumas situações em satisfação.
Eu tinha um ombro no qual podia me deitar, podia encarar minha dor e, então, recomeçar. Eu não sei onde você mora, mas, onde eu moro, muitas cercas e muros caíram e muitos espaços precisam de cuidados.
Quando eu afundo abaixo do primeiro degrau de esgotamento, quando chega aquela vontade de sair de sintonia, percebo que parte do tal trabalho que preciso fazer se traduz em simplesmente sustentar um pilar necessário para ter esperança ou senso de comunidade.
Estou tão feliz de não ter cancelado nada. Que fique registrado: estou muito ocupada agora. E mais: o longo dia em que tudo ia acontecer foi fabuloso. Os alunos do sexto ano foram meio desconfiados, mas perspicazes.
Os alunos do terceiro ano rasgaram o mato e colheram erva-doce selvagem do jardim, preparando-o para gerar os primeiros tomates dessa terra.
As escoteiras comeram pizza, acenderam o fogo e cantaram várias músicas bobas: uma sobre meias pretas que nunca ficam sujas, uma sobre o grande e velho Duque de York e uma sobre um homem chamado Joe que trabalha em uma fábrica de botões.
As escoteiras, agora com 7 anos, foram rudemente arrancadas do convívio de muitos outros mortais aos 4 anos, quando a pandemia começou. Elas estão animadíssimas de estarem em grupo. Elas riem muito. Elas aprenderam a acender fósforos – algumas nunca tinham sequer tentado.
“Poemas são apenas viagens imaginárias, não são?”, perguntou um garoto do sexto ano enquanto a gente lia o poema de “A Ilha do Lago de Innisfree”, de W.B. Yeats. Nele, o poeta irlandês imagina partir para viver sozinho em uma ilha entre “o rumor das abelhas”.
Mas, então, de alguma forma, no final do poema, ele permanece na cidade, agora alterada por sua imaginação.
Eu amo esse poema, porque você pode viajar para uma cabana da ilha muito pacífica que Yeats constrói em palavras tanto quanto ele constrói de fato, realmente indo para lá – um lugar que é restaurador porque sugere possibilidade, mais do que oferece completude.
Eu prezo a solidão. Mas eu aprecio a possibilidade, também. Às vezes saímos e trabalhamos em comunidade porque queremos alterar e renovar o nosso sentido do que é possível. Pensei em como, ao trabalhar num jardim, passar um dia com crianças, cantar com amigos ao redor do fogo, enquanto momentos reais e vividos, são também uma viagem que pode nos mudar, fazendo-nos imaginar um futuro diferente.
Quando nos voluntariamos ou trabalhamos com os outros, alteramos nossa orientação, de voltada para nós mesmos, para se voltar aos outros, para o nosso caminho no mundo, mesmo que apenas por algumas horas.
Num mundo que tem sido profundamente inquieto, em que os humores se abalam com frequência, construímos espaços onde podemos, por pouco tempo, viver em comunhão mais profunda uns com os outros. Na clareira, somos nós que estamos cantando.
Uma das piores partes da pandemia foi que ela me tirou, por um tempo, de algumas das práticas ativistas que são meu esteio.
Acho que não estou sozinha na necessidade de reconstruir a comunidade. E comunidade, é claro, é uma prática, não uma coisa.
Neste ano, ainda estou encontrando meu caminho de volta para esse trabalho. Penso nessas horas em jardins e escolas como oferendas, não só para o mundo tal como ele é, mas para o mundo que eu gostaria de ver.
Minha pequena jornada me ajudou. No ano passado, a autora Laura Vanderkam escreveu no “New York Times” que abandonar tudo não é a resposta para o burnout ou esgotamento. Ela recomendou, em vez disso, uma mudança, uma reorientação, uma prática deliberada de ação significativa.
Eu concordo. Voltando para a minha mesa, depois de talvez 36 horas fora, o portal impiedoso para inscrição para a tal bolsa parecia menos tenebroso, o pedido em si menos complicado, os vários fardos um pouco mais leves.
Eu não tinha fugido para uma cabana numa ilha, mas havia um maço de erva-doce selvagem em uma vasilha, um pouco de cheiro de fogueira na minha blusa, um pouco de música tocando na minha cabeça.
Nota do editor: Tess Taylor é autora de cinco coleções de poesia, incluindo “Work & Days” e “Rift Zone” (sem edição no Brasil). Ela vai lançar a antologia “Leaning Toward Light: Poems for Gardens & the Hands That Tend Them” em agosto. As opiniões expressas neste texto são dela.