Novo estudo reforça relação entre alimentos ultraprocessados e câncer
Pesquisa se soma a um conjunto de evidências que sugerem uma ligação entre esses alimentos e a doença
Comer uma determinada quantidade de alimentos ultraprocessados foi associado a um maior risco de desenvolver câncer do trato digestivo superior, como câncer de boca, garganta e esôfago, de acordo com um novo estudo.
Publicado na última terça-feira (21) na revista European Journal of Nutrition, ele analisou dados de dieta e estilo de vida, incluindo questões sobre o consumo de alimentos ultraprocessados, de 450.111 adultos que participavam da Investigação Prospectiva Europeia sobre o Câncer e a Nutrição, ou EPIC.
Um dos maiores estudos deste tipo na Europa, o EPIC recrutou participantes de 10 países europeus e no Reino Unido.
Segundo a pesquisa, pessoas que consumiram 10% mais alimentos ultraprocessados do que outras pessoas no estudo tiveram um risco 23% maior de câncer de cabeça e pescoço e um risco 24% maior de adenocarcinoma de esôfago, um tipo de câncer que cresce nas glândulas que revestem o interior dos órgãos.
“Este estudo se soma a um conjunto crescente de evidências que sugerem uma ligação entre alimentos ultraprocessados (UPFs, na sigla em inglês) e o risco de câncer”, disse a Dra. Helen Croker, diretora assistente de pesquisa e política do Fundo Mundial de Pesquisa do Câncer Internacional, que financiou a pesquisa.
Mas serão necessárias muito mais pesquisas e coleta de dados para entender a ligação encontrada pelo novo relatório, disse a coautora do estudo, Dra. Ingre Huybrechts, epidemiologista nutricional do Departamento de Nutrição e Metabolismo da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, que ajudou a patrocinar o estudo.
Os dados dietéticos foram recolhidos na década de 1990, “quando o consumo de UFPs ainda era relativamente baixo”, disse Huybrechts. “Como tal, as associações podem ser potencialmente mais fortes em coortes, incluindo avaliações recentes de acompanhamento dietético”.
Alimentos ultraprocessados – como refrigerantes, salgadinhos, nuggets, sopas embaladas, sorvetes e muito mais – contêm ingredientes “nunca ou raramente utilizados em cozinhas, ou classes de aditivos cuja função é tornar o produto final palatável ou mais atraente”, segundo o Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas.
A lista de aditivos inclui conservantes para resistir a mofo e bactérias; emulsificantes para evitar a separação de ingredientes incompatíveis; corantes e corantes artificiais; agentes antiespumantes, de volume, branqueadores, gelificantes e de revestimento; e adição ou alteração de açúcar, sal e gorduras destinadas a tornar os alimentos mais atraentes.
Nos Estados Unidos, uma pesquisa de 2019 estimou que cerca de 71% do fornecimento de alimentos pode ser ultraprocessado.
Gordura corporal é fator de risco para câncer
Estar com sobrepeso ou obesidade é um fator de risco bem conhecido para o desenvolvimento de pelo menos 13 tipos de câncer, incluindo câncer de esôfago, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Os alimentos ultraprocessados costumam ser ricos em calorias e são considerados um fator de excesso de peso, dizem os especialistas.
Depois de realizar análises estatísticas dos resultados, no entanto, os investigadores descobriram que o aumento da gordura corporal foi responsável apenas por parte da associação estatística entre alimentos ultraprocessados e cânceres do trato digestivo superior durante um período de 14 anos.
Um aumento da relação cintura-quadril explicou apenas 5% do risco 23% maior de câncer de cabeça e pescoço, de acordo com o estudo. Um aumento no índice de massa corporal, ou IMC, explicou 13% dos 24% de risco adicional de câncer de esôfago, enquanto a relação cintura-quadril explicou 15%.
“Em outras palavras, se os UFPs contribuem para o risco de câncer, fazem-no em pequena medida, contribuindo para a obesidade, e numa medida muito maior, através de outros mecanismos”, disse o Dr. David Katz, especialista em medicina preventiva e de estilo de vida que foi não envolvido no estudo.
“O que poderiam ser? Inflamação induzida pela dieta; perturbação do microbioma; efeitos epigenéticos adversos; e muitas outras possibilidades vêm à mente”, disse Katz. Katz fundou a organização sem fins lucrativos True Health Initiative, uma coalizão global de especialistas dedicados à medicina de estilo de vida baseada em evidências.
É possível que ingredientes como emulsionantes, conservantes, adoçantes artificiais e toxinas encontradas nas embalagens de alimentos também possam desempenhar um papel na ligação entre alimentos ultraprocessados e câncer ou outras doenças, disseram os autores do estudo.
Relação incomum com ultraprocessados
O estudo também encontrou uma ligação entre alimentos ultraprocessados e mortes acidentais, o que estava sendo usado como controle para o estudo.
“Os pesquisadores usaram a morte acidental como um ‘controle negativo’, ou seja, algo ao qual os UPFs não deveriam ser associados se apenas os impactos diretos estivessem sendo contabilizados”, disse Katz por e-mail.
“Os UPFs foram, no entanto, associados a uma taxa mais elevada de morte acidental – sugerindo que os UPFs são um marcador de circunstâncias adversas em geral. Entre os fatores que podem contribuir para esta associação estão a pobreza, a discriminação, a degradação ambiental e assim por diante.”
Portanto, não está claro o que está por trás dessa ligação, disse o coautor do estudo, Dr. George Davey Smith, professor de epidemiologia clínica na Universidade de Bristol, no Reino Unido.
“Os UFPs estão claramente associados a muitos resultados adversos para a saúde, mas ainda não está claro se são realmente os causadores ou se fatores subjacentes, como comportamentos gerais relacionados com a saúde e posição socioeconómica, são responsáveis pela ligação”, disse ele num comunicado.
Associação em crescimento
Este não é o primeiro estudo a encontrar uma ligação entre alimentos ultraprocessados e câncer. Uma pesquisa de agosto de 2022 descobriu que a ingestão de alimentos ultraprocessados aumentou significativamente o risco de câncer colorretal nos homens, bem como um risco maior de doenças cardíacas e morte precoce em homens e mulheres.
Um estudo publicado em janeiro descobriu que cada aumento de 10% no consumo de alimentos ultraprocessados estava associado a um aumento de 2% no desenvolvimento de qualquer tipo de câncer – e a um risco aumentado de 19% de ser diagnosticado com câncer de ovário.
Outro estudo publicado recentemente, utilizando dados do EPIC, descobriu que a ingestão de maiores quantidades de alimentos ultraprocessados aumentava o risco de ser diagnosticado com multimorbilidade, que consiste em ter múltiplas condições crónicas, como diabetes, doenças cardíacas e cancro. Nesse estudo, o consumo de mais produtos de origem animal ultraprocessados e bebidas açucaradas explicou boa parte da associação.
Outro estudo de 2023 descobriu que o consumo de maiores quantidades de alimentos e bebidas ultraprocessados, especialmente se esses itens forem adoçados artificialmente, pode estar ligado ao desenvolvimento de depressão em mulheres. Comer 400 calorias por dia de alimentos ultraprocessados como parte de uma dieta de 2.000 calorias aumentou o risco de demência, de acordo com um estudo de 2022.