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    Nobel de Medicina: entenda os impactos das descobertas para o tratamento de doenças

    Avanços nas descobertas podem trazer melhorias para o tratamento da dor crônica, além das doenças e condições que afetam os nervos

    Lucas Rochada CNN

    em São Paulo

    O toque, as sensações de frio e calor e demais aspectos associados ao tato são funções essenciais para a sobrevivência e a evolução humana. O Prêmio Nobel 2021 em fisiologia e medicina destacou descobertas sobre os receptores de temperatura e toque do corpo.

    Os cientistas contemplados, David Julius e Ardem Patapoutian, descreveram os mecanismos por trás da percepção humana de calor, frio e pressão através dos impulsos nervosos.

    Como foram realizadas as descobertas

    Até o desenvolvimento das pesquisas contempladas pelo Prêmio Nobel, o entendimento de como o sistema nervoso sente e interpreta o ambiente à sua volta ainda tinha peças fora do lugar. Faltava a explicação de como a temperatura e os estímulos mecânicos são convertidos em impulsos elétricos no nosso sistema nervoso.

    “Na pele e outras regiões do corpo que sentimos temperatura, tato, pressão ou mesmo a sensação de dor, temos moléculas receptoras nos neurônios. Nada mais são do que proteínas que, quando estimuladas, desencadeiam essas sensações”, explica Andréa da Silva Torrão, professora do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).

    Na década de 1990, o pesquisador David Julius, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, realizou avanços na análise de como um composto da pimenta malagueta, chamado capsaicina, causa a sensação de queimação quando entramos em contato com a ela.

    A partir do conhecimento de que o composto é capaz de ativar células nervosas, causando sensação de dor, os pesquisadores criaram uma biblioteca com milhões de fragmentos de DNA correspondentes a genes que são expressos em um tipo específico de neurônios, chamados sensoriais, que podem reagir à dor, calor e toque.

    Os pesquisadores esperavam que no meio desse grande conjunto de informações genéticas estaria um fragmento de DNA que codifica no organismo a proteína capaz de reagir à capsaicina, provocando as sensações. Nos testes, eles utilizaram células de cultura que normalmente não reagem ao composto, expressando genes individuais.

    A longa busca revelou um único gene capaz de tornar as células sensíveis à capsaicina. Outros experimentos revelaram que o gene identificado codifica uma nova proteína que faz com que as células sejam responsivas ao estímulo de calor.

    O receptor da capsaicina recém-descoberto foi denominado TRPV1.  Ao investigar a capacidade da proteína de responder ao calor, o cientista identificou que o receptor é ativado diante de temperaturas percebidas como nocivas.

    “O avanço na descoberta desses dois pesquisadores foi desvendar exatamente como essas moléculas, ou proteínas, estão arranjadas e de que maneira elas são estimuladas para produzir essas sensações térmicas, de dor ou de tato”, afirma Andréa.

    Por dentro do sistema nervoso

    Para entender melhor o contexto, é preciso olhar primeiro para como o sistema nervoso é formado. Ele é dividido em duas partes, o sistema nervoso central, composto pelo encéfalo (cérebro e demais estruturas) e a medula, e o sistema nervoso periférico, formado por nervos e gânglios. Para o funcionamento normal, esse sistema conta com os diferentes tipos de neurônios e outras células, chamadas gliais.

    A pesquisadora Rosana Pagano, do grupo de Neurociência do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, explica como funcionam, na prática, os mecanismos associados ao sistema nervoso identificados pelo grupo de pesquisa norte-americano.

    “Quando é ativado o TRPV1, eu percebo que aquele calor é muito intenso e que isso vai me danificar. Então, eu consigo tirar imediatamente a mão do fogo”, afirma.

    Segundo ela, a ação rápida em sinal de defesa só é possível a partir da comunicação entre os diferentes tipos de neurônio, através do impulso ou transmissão nervosa.

    A descoberta do TRPV1 permitiu à ciência entender como as diferenças de temperatura podem induzir sinais elétricos no sistema nervoso.

    Enquanto Julius utilizou a capsaicina para identificar um sensor nas terminações nervosas da pele que responde ao calor, o cientista Ardem Patapoutian, da Scripps Research, usou células sensíveis à pressão para descobrir uma nova classe de sensores que respondem a estímulos mecânicos na pele e órgãos internos.

    Segundo a pesquisadora do Hospital Sírio-Libanês, os ganhadores do Prêmio Nobel aprofundaram o conhecimento sobre as respostas do organismo humano aos estímulos externos, especialmente no que diz respeito às moléculas associadas à sensação de dor.

    “A dor aguda serve para detectarmos o que é nocivo e o que não é. Os receptores que foram descobertos pelos pesquisadores podem detectar desde um estímulo leve de calor e toque até aqueles que são considerados pelo nosso sistema nervoso como nocivos e fazem com que prestemos atenção de que há algo errado ali”, afirmou Rosana.

    De acordo com o neurocirurgião e neurocientista do Hospital das Clínicas de São Paulo, Fernando Gomes, os avanços nas descobertas podem trazer melhorias para o tratamento da dor crônica, além das doenças e condições que afetam os nervos, como a neuropatia periférica.

    “As pesquisas abordam um ponto estratégico, responsável pela transformação de uma informação térmica ou de pressão em uma informação elétrica que vai para as vias do corpo. Isso abre uma possibilidade de tratar pessoas que têm dor crônica, que têm uma sensibilidade maior ao frio ou calor ou alterações da própria percepção”, ressalta Gomes, apresentador do quadro Correspondente Médico, do jornal do Novo Dia, da CNN.

    Avanço no tratamento da dor crônica

    A perda da sensibilidade, debilidade e atrofia muscular são alguns dos impactos da neuropatia periférica, condição que afeta os nervos responsáveis por encaminhar as informações do cérebro e da medula espinhal para o corpo humano.

    O diagnóstico pode ser realizado a partir da avaliação clínica pelo neurologista e de exames como análise do líquor (fluido do sistema nervoso), biópsia do nervo periférico (retirada de fragmento do tecido para análise), e eletroneuromiografia (medição da atividade muscular com choques e agulhas).

    Segundo o neurologista Carlos Eduardo Altieri, do Hospital Sírio-Libanês, a neuropatia periférica tem mais de 90 causas, incluindo a inflamação nos nervos por lesões ou esforços repetitivos, intoxicação e doenças autoimunes. A condição também pode ter origem infecciosa (doenças como a hanseníase), medicamentosa (pelo uso de quimioterápicos, antibióticos ou estatinas) e metabólica (diabetes, alcoolismo, hipotireoidismo).

    A pesquisadora do Hospital Sírio-Libanês, Rosana Pagano, explica que a lesão dos nervos prejudica o funcionamento do sistema nervoso e provoca a dor crônica. Diante dessa condição, um simples toque pode induzir uma dor severa nos pacientes. O fenômeno, chamado alodinia, representa uma resposta errada do organismo humano para a dor.

    “O que os pesquisadores descobriram é que essa nossa interpretação de dor vem por esses receptores que foram descobertos. Em uma situação dessas doenças, que são várias, está tudo mal interpretado”, disse Rosana.

    A busca por medicamentos mais específicos

    Para os especialistas, as descobertas abrem caminhos para a busca por alvos terapêuticos para o tratamento da dor crônica.

    “Nos estudos, os pesquisadores estão bloqueando a ação do TRPV1, por exemplo, para melhorar dores como orofacial, osteoartrite e dor neuropática. Com a descoberta, conseguimos aprofundar nosso conhecimento para essas moléculas que tem a ver com dor. Com isso, podemos direcionar novos tratamentos mais efetivos”, afirma Rosana.

    “Os estudos premiados trazem informações mais precisas para ajudar a regular sistemas relacionados com a percepção da dor. Por exemplo, se usarmos um medicamento que vai intervir em vários receptores e não só sobre aquele específico para aquela sensação, temos efeitos colaterais. Quando conseguimos atuar de forma específica, talvez seja possível interferir de forma mais precisa na sensação do paciente”, complementa Gomes.

    Embora a neuropatia periférica não tenha cura, o tratamento pode ser realizado com o objetivo de minimizar os impactos dos sintomas. Os cuidados incluem a administração de medicamentos, fisioterapia e terapia ocupacional, reposição de vitaminas e antioxidantes, além do controle das doenças que podem desencadear a condição, como a diabetes.