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    Metas globais de saúde infantojuvenil estão em risco, alertam pesquisadores

    Em série de estudos publicada na revista The Lancet, especialistas defendem urgência na implementação de cuidados abrangentes e coordenados, do pré-natal à idade adulta

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    Apesar do progresso recente, o mundo corre o risco de não cumprir as metas globais de saúde da criança e do adolescente. Em 2019, foram registradas mais de 8,6 milhões de mortes de pessoas entre 0 e 20 anos no mundo.

    Pesquisadores defendem a urgência na implementação de cuidados abrangentes e coordenados, do pré-natal à idade adulta, para reduzir a mortalidade infantil e melhorar a saúde da criança e do adolescente.

    O alerta foi realizado a partir de uma série de estudos publicada no periódico científico The Lancet nesta quarta-feira (27).

    Os autores cobram de líderes e formuladores de políticas globais a substituição das abordagens atuais de saúde da criança e do adolescente, consideradas fragmentadas por faixas etárias ou voltadas a condições específicas de saúde. A proposta apresenta estratégias para a oferta de cuidados abrangentes, que incluem nutrição, saúde preventiva, educação e apoio econômico e comunitário em todas as faixas etárias até os 20 anos.

    A nova coleção de documentos também destaca como a pandemia de Covid-19 interrompeu os serviços de saúde e de educação, bem como economias e sistemas sociais, colocando em risco o progresso recente para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) das Nações Unidas e aumentando a vulnerabilidade das crianças à violência, abuso e condições precárias de saúde mental.

    “Os desafios enfrentados para responder às necessidades de crianças e famílias durante a pandemia de Covid-19 devem servir como um alerta para a comunidade global, ressaltando a necessidade urgente de transformar a agenda de saúde infantil e adolescente em escala global”, disse o coordenador e autor da série, Zulfiqar Bhutta, do Centro de Saúde Infantil Global do Hospital for Sick Children (SickKids), Toronto, no Canadá, e da Universidade Aga Khan, de Karachi no Paquistão.

    O especialista acrescenta que metas de saúde infantojuvenil permanecem fora do escopo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

    “Uma abordagem holística que apoie as crianças e suas famílias desde antes do nascimento até o início da idade adulta é urgentemente necessária para nos colocar de volta aos trilhos, construindo uma base que durará toda a vida e melhorará os resultados de saúde, economias e sociedade”, completa.

    A probabilidade de mortalidade nos primeiros cinco anos de vida é um indicador comumente usado de capital humano e desenvolvimento dos países. No entanto, para os pesquisadores, este indicador fornece apenas uma visão estreita da saúde e do desenvolvimento infantil.

    Os especialistas consideraram as condições de sobrevivência, crescimento, deficiência e educação em diferentes regiões do mundo e seus efeitos em estágios cruciais da vida, desde o terceiro trimestre da gravidez até os 20 anos de idade.

    Nessa faixa etária, houve 8,6 milhões de óbitos em 2019. Desses óbitos, 1,9 milhão (23%) foram natimortos e 2,4 milhões (28%) foram óbitos neonatais. Além disso, 2,75 milhões (32%) de crianças morreram entre um mês e 5 anos de idade. Entre as mortes de crianças mais velhas e adolescentes, 506 mil (6%) ocorreram na faixa de 5 a 9 anos; 368 mil (4%) mortes ocorreram entre 10 e 14 anos e 595 mil (7%) óbitos entre 15 e 19 anos.

    “Ao observar a mortalidade e a nutrição do terceiro trimestre da gravidez até os 20 anos, podemos ter uma compreensão mais completa da saúde da criança e do adolescente. Nossa análise indica claramente que os dois primeiros anos de vida são indicadores cruciais da saúde futura, mas essa faixa etária é apenas uma peça do quebra-cabeça”, diz o autor do estudo, Robert Black, professor da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, em Baltimore, nos Estados Unidos.

    “Intervenções como a melhoria da nutrição durante a gravidez e a infância funcionam em conjunto com redes de educação e apoio social que atingem crianças e famílias em uma ampla gama de intervenções, desde oferecer cuidados às mães durante a gravidez até fornecer serviços de saúde mental e saúde reprodutiva a adolescentes”, acrescenta Tyler Vaivada, do Centro de Saúde Infantil Global, de Toronto.

    União entre apoio social e serviços de saúde

    Intervenções durante o pré-natal, a gravidez e nos primeiros anos de vida que abordam a sobrevivência e nutrição infantil têm uma forte influência no peso, altura e desenvolvimento e servem como indicadores-chave de saúde, nutrição, nível de educação e quocientes de inteligência futuros –se forem entregues em alto nível de qualidade.

    Os especialistas defendem que esse monitoramento deve ser ampliado e continuado até a primeira infância e adolescência por meio de plataformas escolares e comunitárias, em que crianças e famílias possam ter acesso consistente a programas de vacinação e triagem para a abordagem de áreas muitas vezes negligenciadas da saúde infantil, como anemia, visão, condições odontológicas, doenças não transmissíveis, doenças tropicais negligenciadas e condições de saúde mental (incluindo ansiedade e depressão).

    Com base nessa análise, os autores apontam que, para ampliar a saúde das crianças, os sistemas de saúde precisam fazer parceria com estratégias sociais, incluindo iniciativas em escolas, comunidades e plataformas digitais que ofereçam serviços de promoção, prevenção e cuidado relevantes para essa faixa etária.

    “Embora a ampliação de intervenções de alta qualidade baseadas em unidades de saúde em crianças menores de 5 anos tenha o maior efeito na redução das taxas de mortalidade infantil, também temos que nos envolver com as famílias para impulsionar o desenvolvimento das crianças e pensar além da clínica para as escolas e comunidades para alcançar crianças mais velhas cujas necessidades de saúde foram relativamente negligenciadas”, diz a Margaret Kruk, pesquisadora da Harvard Chan School of Public Health, de Boston, nos Estados Unidos.

    Os autores também apontam os crescentes desafios que crianças e adolescentes mais velhos enfrentam por causa da pandemia, incluindo a falta de apoio social e os efeitos na saúde mental, como sentimentos de isolamento, solidão e ansiedade.

    “A pandemia da Covid-19 nos mostrou os efeitos devastadores que as lacunas nos cuidados e na educação podem ter nas crianças. Os sistemas de saúde e social devem estar mais bem equipados para trabalhar juntos para atender às necessidades emergentes de crianças e famílias como parte do esforço para reconstruir serviços equitativos e resilientes”, diz a professora Maureen Black, da RTI International e da Universidade de Maryland, em Baltimore, nos EUA.

    Efeitos de longo prazo da pobreza

    Uma análise de dados de 95 pesquisas nacionais em países de baixa e média renda aponta que grandes desigualdades econômicas persistem entre e dentro dos países, com fortes conexões entre pobreza no início da vida e impactos para saúde, nutrição e desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes.

    Dos países incluídos na análise, as crianças na extremidade mais baixa do espectro de riqueza tinham pelo menos o dobro do risco de resultados prejudiciais à saúde ligados à pobreza no início da vida, como mortalidade infantil, atrasos no desenvolvimento, maternidade na adolescência e ensino fundamental incompleto em comparação com as crianças do outro lado da ponta.

    Os autores também analisaram dados de estudos que realizaram o acompanhamento a longo prazo de seis conjuntos de nascimentos para observar os efeitos específicos da pobreza no início da vida. As diferenças mais marcantes foram observadas nos quocientes de inteligência examinados em dois grupos diferentes de Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde crianças e adolescentes no topo da escala de riqueza pontuaram 20 pontos a mais em comparação com crianças na base da escala.

    Essas disparidades também foram observadas em crianças com menos de 5 anos de idade, indicando que, embora as diferenças gerais no acesso à escola provavelmente tenham desempenhado um papel nos índices de cognição, fatores ambientais ligados à pobreza desde a primeira infância (como nutrição, doenças infantis e vida em uma zona de conflito) têm um grande impacto desde a gestação e continuando ao longo da infância e adolescência.

    “A pandemia da Covid-19 exacerbou os fatores que já impulsionam a pobreza no início da vida”, diz Cesar Victora, pesquisador da Universidade de Pelotas. “No entanto, à medida que os programas de recuperação da pandemia são desenvolvidos, os formuladores de políticas têm uma oportunidade sem precedentes de fortalecer as políticas anti-pobreza existentes e criar novos programas multissetoriais que trabalharão com intervenções de saúde e nutrição para compensar o impacto da pandemia em mulheres e crianças”, completa.

    Crianças e adolescentes no centro da agenda política global

    O impacto a longo prazo da pandemia para crianças e famílias ainda não é totalmente conhecido. No entanto, as evidências sugerem que as interrupções causadas pela pandemia, particularmente no acesso das crianças a serviços preventivos de saúde e educação, provavelmente resultarão em excesso de mortalidade e morbidade para bebês, crianças e adolescentes –prejudicando os ganhos conquistados nos últimos anos.

    Em um comentário conjunto, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, e a diretora-executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Catherine Russell, afirmaram que a saúde da criança e do adolescente deve ser uma prioridade neste momento de fragilidade no mundo.

    “Este é o momento de governos, doadores e instituições se unirem não apenas para acabar com a pandemia, mas também para prevenir futuras, corrigir deficiências estruturais de longa data em sistemas de saúde frágeis, incluindo o fortalecimento da força de trabalho em saúde e abordar os problemas sociais e ambientais determinantes de saúde que colocam as crianças em risco”, afirmaram.

    Segundo as autoridades, a ausência de mudanças nas políticas públicas voltadas para a saúde desta faixa etária poderá colocar em risco a vida de cerca de 21 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 24 anos e de 43 milhões de crianças menores de cinco anos, que poderão perder a vida até 2030.

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