Mais de 160 milhões de mulheres não têm acesso a anticoncepcionais, diz estudo
Uso de contraceptivos está relacionado a reduções na mortalidade materna e neonatal, prevenindo gravidez indesejada
Mais de 160 milhões de mulheres e adolescentes não tiveram acesso a métodos contraceptivos no mundo em 2019. Os dados são de um dos mais amplos estudos sobre o tema, publicado nesta quinta-feira (21), na revista científica “The Lancet”.
A pesquisa apresenta estimativas do uso, da necessidade e dos diferentes tipos de anticoncepcionais em todo o mundo em um contínuo de 1970 a 2019. Os índices apontam estatísticas por país, faixa etária e estado civil.
De acordo com o estudo Carga Global de Morbidade (Global Burden of Disease), a expansão do acesso à contracepção está ligada ao empoderamento social e econômico das mulheres e a melhores resultados de saúde, além de ser um objetivo fundamental de iniciativas internacionais e um indicador dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O uso de anticoncepcionais também está relacionado a reduções na mortalidade materna e neonatal, prevenindo gravidez indesejada. Segundo o estudo, ao permitir que as mulheres planejem o momento da gestação, a contracepção também contribui para que adolescentes e mulheres permaneçam na escola.
Análise
Com base em dados de 1.162 pesquisas representativas sobre o uso de anticoncepcionais pelas mulheres, os autores usaram modelagem para produzir estimativas nacionais de vários indicadores de planejamento familiar, incluindo a proporção de mulheres em idade reprodutiva (no estudo, entre 15 e 49 anos) que usam qualquer método anticoncepcional.
A análise estimou também a proporção das mulheres em idade reprodutiva que utilizam métodos modernos, os tipos de anticoncepcionais em uso, demanda satisfeita com métodos modernos e necessidade não atendida de qualquer método anticoncepcional.
No estudo, a necessidade de contracepção foi definida considerando mulheres casadas ou solteiras, sexualmente ativas, capazes de engravidar e não querendo ter um filho dentro de dois anos, ou se estivessem grávidas ou acabassem de dar à luz, mas teriam preferido adiar ou prevenir sua gravidez.
Lacunas permanecem após progresso global
Desde 1970, o mundo tem visto aumentos no uso de contraceptivos, impulsionados por uma mudança significativa do uso de métodos tradicionais menos eficazes para o uso de contraceptivos modernos e mais eficazes, incluindo pílulas anticoncepcionais orais, dispositivo intrauterino (DIU) e métodos de esterilização masculinos e femininos.
Em todo o mundo, a proporção de mulheres em idade reprodutiva usando métodos contraceptivos modernos aumentou de 28% em 1970 para 48% em 2019. A demanda satisfeita aumentou de 55% em 1970 para 79% em 2019.
No entanto, o estudo da “Lancet” aponta que ainda existem lacunas significativas quanto ao uso. Apesar dos aumentos, 163 milhões de mulheres, para as quais a contracepção foi necessária em 2019, não estavam utilizando nenhum tipo de método para prevenir a gravidez à época.
“Todas as mulheres e adolescentes podem se beneficiar do empoderamento econômico e social que os contraceptivos podem oferecer. Nossos resultados indicam que onde uma mulher vive no mundo e sua idade ainda afetam significativamente o uso de contraceptivos”, afirma a pesquisadora Annie Haakenstad, do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês), da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.
Disparidades entre os países
Em 2019, a disponibilidade de contraceptivos ainda apresentava diferenças notáveis entre as regiões e entre os diferentes países.
Sudeste Asiático, Leste Asiático e Oceania tiveram o maior uso de anticoncepcionais modernos (65%) e satisfação (90%). Por outro lado, a África Subsaariana teve o menor uso dos dispositivos (24%) e também de satisfação (52%).
Na comparação entre os países, os níveis de uso de contraceptivos mais modernos variaram de 2% no Sudão do Sul a 88% na Noruega. A necessidade não atendida foi maior no Sudão do Sul (35%), na República Centro-Africana (29%) e em Vanuatu (28%) em 2019.
A Iniciativa de Planejamento Familiar 2020 estabeleceu a meta de aumentar o número de mulheres que usam contracepção moderna em 120 milhões entre 2012 e 2020 em 69 países prioritários.
O estudo estimou que o número de mulheres em uso de contracepção aumentou em 69 milhões entre 2012 e 2019 nesses países (excluindo o Saara Ocidental), deixando 51 milhões aquém da meta se esses níveis permanecerem inalterados em 2020.
Lacuna maior entre mulheres jovens
O estudo aponta que, em comparação com outros grupos, mulheres e adolescentes nas faixas etárias de 15 a 19 e 20 a 24 anos têm as menores taxas de demanda atendida globalmente – estimadas em 65% e 72%, respectivamente. O estudo aponta que as maiores lacunas globais foram identificadas entre mulheres jovens e casadas.
Aquelas com idades entre 15 e 24 anos representam 16% da necessidade total, mas 27% das necessidades não atendidas – totalizando 43 milhões de mulheres jovens e adolescentes em todo o mundo que não tiveram acesso aos contraceptivos de que precisavam em 2019.
“É importante ressaltar que nosso estudo chama a atenção para o fato de as mulheres jovens estarem super-representadas entre aquelas que não podem acessar a contracepção quando precisam. Estas são as mulheres que mais têm a ganhar com o uso de contraceptivos, uma vez que adiar a gravidez pode ajudar as mulheres a permanecer na escola ou a obter outras oportunidades de formação e a entrar e manter um emprego remunerado”, afirma Annie.
Variedade contraceptiva
O estudo da “Lancet” aponta, ainda, que a falta de variedade contraceptiva pode significar que não há opções adequadas para certos grupos populacionais. Os achados indicam que os tipos de métodos contraceptivos em uso variam significativamente de acordo com o local.
Os autores sugerem que a predominância de métodos únicos pode indicar a falta de escolhas adequadas para mulheres e meninas adolescentes, por exemplo.
Em 2019, a esterilização feminina e as pílulas orais foram os principais contraceptivos na América Latina e no Caribe, diferentemente de países de alta renda que concentraram o uso de pílula e preservativos, enquanto o DIUs e preservativos foram os métodos mais usados na Europa Central e Oriental e na Ásia Central.
A esterilização feminina representou mais da metade de todo o uso de anticoncepcionais no Sul da Ásia. Além disso, em 28 países, mais da metade das mulheres estava usando o mesmo método, indicando que pode haver uma disponibilidade limitada de opções nessas áreas.
“A diversificação de opções em áreas que podem depender excessivamente de um método pode ajudar a aumentar o uso de anticoncepcionais, principalmente quando o método mais usado é permanente. Para ampliar o acesso, instamos os formuladores de políticas a usar essas estimativas para observar como a escolha contraceptiva interage com a idade e o estado civil em seus países”, afirma o professor Rafael Lozano, da Universidade de Washington.