Trump poderia ter evitado 40% das mortes por Covid-19 nos EUA, diz ‘Lancet’
Além da postura de Trump diante da pandemia, cortes orçamentários criaram um vácuo de profissionais disponíveis para responder ao coronavírus
“O tempo do presidente Trump no cargo trouxe infortúnio para os Estados Unidos e o planeta”, diz a introdução do artigo da revista científica Lancet. Entre as mais de 450 mil mortes por Covid-19 no país, o relatório aponta que cerca de 40% poderiam ter sido evitadas.
A Comissão sobre Políticas Públicas e de Saúde na era Trump publicou um relatório nesta quinta-feira (11) sobre os efeitos das políticas do ex-presidente em seus quatro anos como líder político americano.
Formada em 2017 para avaliar as consequências da gestão trumpista, logo após a posse de Trump, a comissão foi composta por 33 especialistas do Canadá, Reino Unido e Estados Unidos, das áreas de saúde pública, direito e economia , sendo 13 mulheres e 12 pessoas autodeclaradas racializadas.
O relatório informa que as severas sequelas da pandemia poderiam ser mitigadas. Ele aponta que as políticas para desmantelar a infraestrutura de saúde pública deixaram 2,3 milhões de americanos sem acesso ao seguro saúde, antes mesmo da pandemia. Cortes orçamentários, inclusive anteriores ao governo Trump, criaram um vácuo de profissionais disponíveis para responder ao coronavírus.
A título de exemplo, desde 2017, um congelamento nas contratações deixou quase 700 cargos vagos nos Centros de Controle de Doenças e Prevenção, contingente de profissionais que poderiam ter controlado melhor a expansão da pandemia.
Além das ações políticas, o posicionamento do então presidente Trump também intensificou os efeitos da pandemia.
“O presidente Trump rejeitou publicamente sua ameaça (do coronavírus) e desencorajou a ação perante o espalhamento da doença. (..) Ele politizou o uso de máscara, reabertura de escolas e eventos internos convocados assistidos por milhares, onde as máscaras foram desencorajadas e o distanciamento físico era impossível”, afirma o relatório.
O que o relatório chama de “americanos desaparecidos” aponta que cada vez mais a expectativa de vida americana diminui e se distancia da expectativa dos demais países de alta renda. Em 2018, a diferença entre tempo de vida nos EUA e os demais países do G7 era de 3,4 anos. O excesso de mortalidade se dá com pessoas abaixo dos 65 anos de idade.
Um outro fator é o agravamento da diferença de expectativa de vida entre pessoas brancas e negras. Surfando no crescimento de políticos nacionalistas pelo mundo, Trump se elegeu com o discurso racista e anti-imigrantes e racista, aderido por populações brancas de média renda.
Um vírus que não enxerga raça ou nacionalidade de seu hospedeiro apresentou uma concentração desproporcional em populações negras e de baixa renda, como latinos e imigrantes. Segundo o artigo, as minorias estão mais vulneráveis historicamente pelas disparidades em “habitação, riqueza, emprego e direitos políticos”.
O índice de mortalidade por coronavírus entre pessoas negras e latinas é 3,6 vezes maior do que em pessoas brancas. A pandemia do coronavírus aumentou em 50% a lacuna de longevidade entre pessoas negras e brancas.
De acordo com Lancet, direitos e ações afirmativas também sofreram interferência na era Trump. As escolhas de juízes para os tribunais americanos, feitas por Trump, endossaram o posicionamento do então presidente, rejeitando ações afirmativas e direitos reprodutivos, trabalhistas e civis.