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    Covid-19: o que dizem os estudos sobre a intercambialidade entre as vacinas

    Especialistas ressaltam que a maior parte das análises sobre a combinação entre os imunizantes ainda está em andamento. Conheça alguns resultados

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    A intercambialidade entre as vacinas contra a Covid-19 é alvo de diversas pesquisas científicas no Brasil e no mundo. Os resultados dos estudos apontam que, em geral, a aplicação de vacinas diferentes, chamada tecnicamente de esquema heterólogo, apresenta segurança e pode levar ao aumento da resposta imunológica contra a doença.

    No entanto, especialistas ressaltam que os resultados da maior parte das análises são preliminares, com a participação de grupos populacionais limitados, e que ainda são necessários estudos complementares que ajudem a responder por quanto tempo dura a proteção oferecida a partir da combinação das vacinas.

    O pesquisador Celso Granato, do Laboratório de Virologia do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), explica que os estudos de intercambialidade entre as vacinas são essenciais para a redefinição de estratégias de imunização no âmbito da saúde pública e coletiva. “Quando existe uma possibilidade de intercambiar, é como se você tivesse o dobro de cada uma das doses”.

    Para o pesquisador da USP, a intercambialidade vai permitir um avanço mais rápido da imunização. “Temos estudos isolados mostrando que com uma dose só de AstraZeneca ou de Pfizer a proteção cai bastante em relação às duas doses. Isso é especialmente verdade quando se considera as variantes, principalmente a Delta. Se houver a possibilidade de intercambiar, talvez não será necessário esperar tanto tempo para dar a segunda dose”, afirma.

    Necessidade de mais estudos

    O pesquisador da USP, Celso Granato, pondera que ainda são necessários estudos complementares para o esclarecimento de questões como a duração da resposta imunológica induzida a partir da adoção de esquemas de vacinas diferentes e o nível de proteção em relação a casos graves e mortes.

    “Nesses estudos, o que tenho visto são anticorpos neutralizantes medidos em cultura de célula. São casuísticas relativamente pequenas, a maior parte desses estudos tem 600 ou 400 pacientes. É difícil estimar que irá diminuir muito a incidência da doença, a gravidade ou até a mortalidade”, diz.

    A maior parte das investigações do esquema misto entre vacinas realiza a análise da quantidade de anticorpos produzidos pelos pacientes. Um estudo publicado no periódico Nature Medicine mostrou uma associação importante entre o níveis desse tipo de anticorpo e a quantidade de linfócitos (ou células T) específicos. A resposta celular também é um importante mecanismo de defesa do sistema imune contra a Covid-19.

    Os pesquisadores analisaram a relação entre os níveis de neutralização apontados em laboratório (in vitro) e a proteção observada contra a infecção em pacientes que tiveram a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) causada pelo novo coronavírus. Foram usados dados de sete vacinas e de populações convalescentes da Covid-19.

    Resultado semelhante foi encontrado por um grupo de pesquisa que identificou uma correlação robusta entre os anticorpos neutralizantes e a eficácia na proteção contra a doença. A análise publicada no periódico científico Vaccine também considerou dados vacinais e de recuperados da doença. “Para nós, isso mostra que o anticorpo neutralizante pode ser utilizado para estimar a proteção”, afirmou Granato.

    O pesquisador Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, destaca que a maior parte dos estudos de intercambialidade tem sido feita em países desenvolvidos. “Uma das coisas que permitiu que esses países fizessem esse tipo de experiência é o acesso a muitas vacinas”, explicou.

    Segundo ele, esse também é um dos fatores principais que explicam a maior quantidade de estudos associados à Pfizer e AstraZeneca. Vecina diz que seis meses após a aplicação das diferentes vacinas contra a Covid-19, há uma queda da produção de anticorpos, o que levou aos estudos da necessidade de uma dose de reforço.

    “A partir disso, veio a ideia de fazer uma terceira dose. Então, investigou-se a possibilidade de aplicação de outra vacina, para que talvez houvesse um reforço da produção de anticorpos. Foram feitos esses estudos nesses países, e hoje a indicação é de uma terceira dose heteróloga, não igual à vacina que foi utilizada na imunização inicial”, explica Vecina.

    Intercambialidade não é algo novo

    Granato explica que a intercambialidade entre vacinas não é algo novo e que já acontece no Brasil com a vacina da poliomielite, por exemplo. Desde 2016, o esquema vacinal contra a poliomielite passou a ser de três doses da vacina injetável (VIP), aos 2, 4 e 6 meses, e mais duas doses de reforço com a vacina oral bivalente (VOP), da gotinha.

    “Mostrou-se que a proteção era muito melhor quando invertia essa ordem e principalmente mais seguro”. Para o especialista, o conhecimento adquirido com outras doenças poderá ser utilizado no entendimento da intercambialidade para as vacinas da Covid-19.

    O que dizem os estudos

    Um estudo conduzido pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, mostrou que o esquema misto entre as vacinas da Pfizer (RNA Mensageiro) e AstraZeneca (vetor viral) gerou uma forte resposta imunológica. Segundo a análise, as vacinas administradas com um intervalo de quatro semanas induziram altas concentrações de anticorpos contra o SARS-CoV-2. Os melhores resultados foram encontrados na aplicação da AstraZeneca seguida da Pfizer.

    O ensaio comparou a resposta imune gerada pelo esquema homólogo (de uma mesma vacina) e por meio da intercambialidade a partir de dados de 830 voluntários, com 50 anos ou mais, de diferentes locais da Inglaterra. “Esse estudo mostrou que se você intercambiar, poderá  diminuir o intervalo entre as doses para quatro semanas, aumentando a proteção da população, não só de uma forma mais efetiva, na medida que aumenta a quantidade de anticorpos, como também mais cedo”, diz Granato.

    Um estudo controlado da intercambialidade da vacina da Pfizer e da AstraZeneca indicou uma resposta imune robusta a partir do esquema de mescla, que foi associado a um bom perfil de segurança. O estudo foi do tipo randomizado, ou seja, baseado na comparação entre duas ou mais intervenções, que são controladas pelos pesquisadores e aplicadas de forma aleatória no grupo de participantes.

    O mesmo grupo de pesquisadores verificou em outra análise que a taxa de eventos adversos ficou um pouco aumentada na combinação entre vacinas diferentes. No entanto, todos os efeitos relatados associados à vacinação foram sem gravidade e com duração limitada.

    Uma pesquisa realizada na Tailândia mostrou resultados positivos a partir da combinação da AstraZeneca com a Coronavac. Com o esquema da intercambialidade, os participantes tiveram quase quatro vezes mais anticorpos neutralizantes contra o vírus em comparação com as duas doses da Coronavac e mais de três vezes diante das duas doses da AstraZeneca.

    O estudo, ainda não revisado por pares, foi publicado na plataforma Medrxiv. A análise contou com a participação de 236 pessoas, divididas em grupos que receberam a combinação de vacinas diferentes (77 participantes), as duas doses da AstraZeneca (80) e o esquema completo da Coronavac (79).

    Um artigo divulgado em formato preprint, ainda não revisado por pares, mostra resultados de análises preliminares de profissionais da saúde da Alemanha vacinados com esquema combinado entre Pfizer e AstraZeneca. A aplicação com intervalo de 10 a 12 semanas revelou uma imunidade induzida semelhante à do esquema homólogo.

    Os achados apontam um ligeiro aumento nos índices de anticorpos do tipo IgG e na ativação da resposta celular dos linfócitos na combinação de imunizantes. Segundo o artigo, houve uma menor taxa de eventos adversos no esquema combinado em comparação com a aplicação de mesma vacina.

    Terceira dose no Brasil

    A intercambialidade ou troca entre as vacinas contra a Covid-19 se tornou um tema bastante discutido, especialmente após a orientação do Ministério da Saúde pela aplicação da vacina da Pfizer como dose de reforço para pessoas acima de 70 anos e imunossuprimidos a partir da segunda quinzena de setembro. De acordo com a recomendação, mesmo as pessoas que receberam doses das outras vacinas disponíveis no país, como a AstraZeneca, Coronavac e a Janssen, poderão tomar a terceira dose da Pfizer.

    Segundo o Ministério da Saúde, a decisão por priorizar a Pfizer foi feita em acordo da pasta com respaldo de especialistas do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e da Câmara Técnica Assessora de Imunização Covid-19 (CETAI).

    O Ministério da Saúde conduz um estudo que avalia a necessidade de terceira dose em pessoas vacinadas com a Coronavac no Brasil. A pesquisa, ainda em andamento, verifica também a intercambialidade do imunizante produzido pelo Instituto Butantan no país com outros disponíveis no Brasil. Os resultados do estudo realizado em parceria com Universidade de Oxford e com o apoio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) devem ser divulgados nas próximas semanas.

    O que dizem os produtores das vacinas

    Em nota, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), produtora da vacina da AstraZeneca no Brasil, destacou os benefícios da manutenção do esquema vacinal completo com duas doses da vacina AstraZeneca. “Embora existam dados potencialmente importantes sobre o uso de sistemas heterólogos de vacinação, não existem dados ainda sobre a duração da resposta imune com o uso de duas vacinas diferentes”, diz o texto.

    Já o Instituto Butantan informou que atua em alinhamento com o Governo de São Paulo em relação ao assunto. Em coletiva de imprensa realizada na quarta-feira (1º), com a participação do diretor do instituto, Dimas Covas, especialistas e consultores do governo do estado reforçaram que a Coronavac deve fazer parte do esquema de aplicação da terceira dose, junto aos imunizantes da Pfizer, AstraZeneca e Janssen, indicados pelo Ministério da Saúde.

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