Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Covid-19: Cremações em série lançam dúvidas sobre número de mortos na Índia

    Com a discrepância entre números de corpos cremados e dados oficiais sobre Covid-19, especialistas avaliam dificuldade no planejamento de vagas em hospitais

    Reuters

     

    Em um crematório no estado indiano de Gujarat, no oeste da Índia, fornos a gás e lenha funcionam há tanto tempo sem quebrar que as peças de metal começam a derreter. Em outro crematório, no estado de Uttar Pradesh, o número de cremações aumentou cinco vezes nas últimas semanas durante a segunda onda de Covid-19 no país.

    “Estamos trabalhando 24 horas por dia com capacidade de 100% para cremar corpos dentro do prazo”, disse Kamlesh Sailor, presidente do fundo que administra o crematório de Gujarat na cidade de Surat, conhecida pelo polimento de diamantes.

    Com hospitais lotados e oxigênio e medicamentos escassos em um sistema de saúde já frágil, várias grandes cidades estão relatando um número muito maior de cremações e enterros sob protocolos de coronavírus do que o número oficial de mortes por Covid-19, de acordo com funcionários dos crematórios e cemitérios, mídia e uma revisão dos dados do governo.

    A Índia registrou na última segunda-feira (19) um recorde de 273.810 novas infecções diárias e 1.619 mortes. Seu número total de casos agora é de mais de 15 milhões, perdendo apenas para os Estados Unidos.

     

    Dados confiáveis estão no cerne de qualquer resposta do governo à pandemia, sem os quais o planejamento de vagas em hospitais, oxigênio e medicamentos se torna difícil, avaliam os especialistas.

    Autoridades do governo dizem que a discrepância nas contagens de mortes pode ser causada por vários fatores, incluindo excesso de cautela.

    Segundo um oficial sênior de saúde do estado, o aumento no número de cremações foi devido aos corpos serem cremados usando os protocolos de Covid-19, “mesmo que ocorra 0,1% de probabilidade de a pessoa ser positiva”.

    “Em muitos casos, os pacientes chegam ao hospital em estado extremamente crítico e morrem antes de serem testados, e há casos em que os pacientes são trazidos mortos para o hospital e não sabemos se são positivos ou não”, destacou o oficial.

    ‘Negação de dados’

    Bhramar Mukherjee, professora de bioestatística e epidemiologia da Universidade de Michigan, disse que muitas partes da Índia estão em “negação de dados”. “Tudo está tão enlameado. (…) Parece que ninguém entende a situação muito claramente, e isso é muito enfadonho”.

    Em Surat, a segunda maior cidade de Gujarat, as empresas Sailor’s Kurukshetra e Umra cremaram mais de 100 corpos por dia sob os protocolos de Covid-19 na última semana – muito maior do que o número oficial de aproximadamente 25 mortes diárias da cidade.

    Prashant Kabrawala, administrador do Narayan Trust, que gerencia um terceiro crematório urbano chamado Ashwinikumar, se recusou a fornecer o número de corpos recebidos sob os protocolos de Covid-19, mas disse que as cremações triplicaram nas últimas semanas.

    “Tenho ido regularmente ao crematório desde 1987 e estou envolvido em seu funcionamento diário desde 2005, mas não vi tantos cadáveres vindo para cremação em todos esses anos”, ponderou Kabrawala, acrescentando que situação é pior do que o surto de peste bubônica, em 1994, e as enchentes em 2006.

    Porta-vozes do governo em Gujarat não responderam aos pedidos de comentários.

    A Índia não é o único país a ter suas estatísticas de coronavírus questionadas. No entanto, o testemunho de trabalhadores e uma crescente literatura acadêmica sugerem que as mortes na Índia estão sendo subnotificadas em comparação com outros países.

    A pesquisa de Mukherjee sobre a primeira onda da Índia conclui que ocorreu 11 vezes mais infecções do que o relatado, em linha com as estimativas de estudos em outros países. Houve também entre duas e cinco vezes mais mortes do que o divulgado, muito acima da média global.

     

    Trabalhando dia e noite

    Em Lucknow, capital do populoso estado de Uttar Pradesh, os dados do maior crematório exclusivo de Covid-19, Baikunthdham, mostram o dobro de corpos chegando em seis dias diferentes em abril do que os dados do governo sobre as mortes por Covid-19 em toda a cidade.

    Os números não levam em consideração um segundo crematório exclusivo de Covid-19 ou enterros na comunidade muçulmana, que representa um quarto da população da cidade.

    O chefe do crematório, Azad, que atende apenas por um nome, disse que o número de cremações sob os protocolos de Covid-19 aumentou cinco vezes nas últimas semanas.

    “Estamos trabalhando dia e noite”, afirmou. “Os incineradores estão funcionando em tempo integral, mas ainda assim muitas pessoas têm que esperar com os corpos pelos últimos ritos”.

    Um porta-voz do governo de Uttar Pradesh não respondeu ao pedido de comentário.

    Em outro lugar, o meio de comunicação local India Today relatou que em dois crematórios em Bhopal, capital do estado central de Madhya Pradesh, 187 corpos foram cremados seguindo os protocolos de Covid-19 em quatro dias deste mês, enquanto o número oficial aponta cinco mortes pela doença.

    Na semana passada, Sandesh, um jornal de Gujarati, contou 63 corpos deixando o único hospital exclusivo para pacientes com Covid-19 na maior cidade do estado, Ahmedabad, em um dia em que dados do governo mostraram 20 mortes por coronavírus.

    No ano passado, a revista médica Lancet observou que quatro estados indianos, responsáveis por 65% das mortes de Covid-19 em nível nacional, registraram 100% de suas mortes por coronavírus.

    Mas menos de um quarto das mortes na Índia são clinicamente certificadas, especialmente nas áreas rurais, o que significa que a verdadeira taxa de mortalidade por Covid-19 em muitos dos outros 24 estados da Índia pode nunca ser conhecida.

    “A maioria das mortes não é registrada, então é impossível fazer um cálculo de validação”, finaliza Mukherjee.

    Texto traduzido. Clique aqui para ler o original, em inglês.

     

    Tópicos