Correspondente Médico: Como o cérebro reage ao estresse em grandes tragédias?
Pessoas que vivenciaram a explosão em Beirute poderão desenvolver um ciclo vicioso da preocupação
O porto de Beirute, no Líbano, foi alvo de uma forte explosão nessa terça-feira (4). Segundo o ministro da Saúde do país, Hamad Hasan, mais de 100 pessoas morreram e milhares ficaram feridas. Equipes de resgate libanesas seguem, nesta quarta-feira (5), vasculhando os escombros à procura de sobreviventes.
A principal hipótese é que um acidente em depósitos de material inflamável teria provocado a explosão. O grupo xiita Hezbollah e o governo de Israel negaram relação com o episódio.
Na edição desta quarta-feira (5) do quadro Correspondente Médico, do Novo Dia, o neurocirurgião Fernando Gomes explicou qual é o impacto de uma grande tragédia, como a de Beirute, no cérebro humano e como lidar com o estresse pós-traumático em momentos de extrema tensão.
“Existe um processo no cérebro chamado de atenção seletiva. Conforme a gente é exposto a determinado estímulo, é natural ir diminuindo a relevância daquele estímulo, que, por exemplo, pode ser o barulho de uma bomba. É de se esperar que, depois de um tempo, você precise de um evento muito mais relevante para que sinta aquele mesmo impacto”, iniciou.
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Na avaliação do médico, pessoas que vivenciaram este episódio de alguma forma poderão desenvolver um ciclo vicioso da preocupação. A partir deste ciclo, o indivíduo pode desencadear problemas que impactam diretamente a saúde mental.
“De qualquer forma, estamos diante de uma situação que foge completamente do normal. O que acaba acontecendo é que o cérebro daquela pessoa que está vivendo aquilo acaba tão sensibilizado, que a região dos lobos frontais fica com o pensamento constante. Quem não foi diretamente atingido, por exemplo, entra em um processo de pensamentos que ficam fixados na memória de curto prazo. Consequentemente, há uma manifestação da preocupação porque é, de fato, um momento muito delicado. O ciclo vicioso da preocupação precisa ser quebrado com a procura de um médico”, avaliou.
Gomes afirma ainda que moradores da região de Beirute já vivem em um “estado de atenção especial e que já sabem o que significa uma explosão”. No entanto, desta vez a situação saiu do controle e o estresse pode ser ainda maior.
“Como você tem o seu cérebro e o corpo preparados para lutar pela sua vida, a percepção do problema pode mudar de pessoa para pessoa. A memória tem um poder incrível na construção de percepção da realidade. Em uma situação como essa, além da descarga muito grande de adrenalina, existe a liberação tônica de cortizol. A partir disso, quando ele passa a funcionar a longo prazo, acaba impactando o hipocampo, responsável pela memória, podendo gerar traumas”, finalizou o neurocirurgião.
(Edição: André Rigue)