Consumo de bebida alcoólica pode estar relacionado ao câncer, segundo estudo
Pesquisa publicada na revista The Lancet Oncology mostrou que quase 47% dos cânceres atribuídos ao álcool estavam relacionados ao seu consumo excessivo
Mais de 4% de todos os novos casos de câncer em 2020 foram atribuídos ao consumo de álcool, de acordo com um estudo publicado nesta terça-feira (13) na revista científica The Lancet Oncology.
Os pesquisadores analisaram os dados disponíveis sobre a ingestão de bebidas alcoólicas pela população em 2010 e sobre casos de câncer em 2020. O período de 10 anos entre o consumo de álcool e o aparecimento do câncer se deve ao fato de que os tipos de câncer estudados – boca e lábios, laringe e mama (entre mulheres) – demoram longos períodos para se desenvolver e têm relação causal com o consumo de álcool.
Dos 741.300 novos casos de câncer relacionados ao álcool diagnosticados no ano passado, 568.700 foram em homens e 172.600 em mulheres. A maioria estava no esôfago, fígado e seios.
Quase 47% dos cânceres atribuídos ao álcool estavam relacionados ao consumo excessivo de bebidas, que os autores definiram como 60 ou mais gramas de álcool etílico (o álcool encontrado nas bebidas alcoólicas), ou mais de seis drinques por dia.
O consumo de 20 a 60 gramas (duas a seis doses) de bebida alcoólica por dia, o que os autores definiram como “consumo de risco”, representou 39,4% dos casos de câncer atribuíveis ao álcool.
Beber moderadamente (ingerir 20 gramas ou menos, ou até dois drinques, por dia) contribuiu com quase 14% dos casos. E as taxas mais altas de câncer relacionadas ao álcool ocorreram entre homens que bebiam de 30 a 50 gramas de álcool etílico por dia e em mulheres que consumiam de 10 a 30 gramas por dia.
“Precisamos urgentemente aumentar a conscientização sobre a ligação entre o consumo de álcool e o risco de câncer entre as autoridades e o público em geral”, disse a autora do estudo, Harriet Rumgay, doutoranda da Agência Internacional de Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Estratégias de saúde pública, como redução da disponibilidade de bebidas, rotulagem de produtos alcoólicos com advertências de saúde e proibições de marketing podem reduzir as taxas de câncer causado pelo álcool”.
Limitações do estudo
Os autores disseram que “descobriram que o uso de álcool tem uma carga substancial no aumento dos casos de câncer”, mas outros especialistas apontam limitações que podem enfraquecer essa relação.
“Essas estimativas, baseadas em medidas padrão, são úteis, uma vez que os padrões de consumo de álcool mudam com o tempo”, escreveu Amy. C Justice, professora de medicina e saúde pública Escola de Medicina de Yale.
“Para o paciente, combinar aconselhamento e medicação pode ser eficaz. No entanto, para termos uma compreensão mais sólida sobre a relação entre o câncer e o consumo de bebidas e qual a melhor forma de intervir, precisamos compreender melhor como se dá a exposição ao álcool”, afirma Justice.
O estudo não leva em conta a possibilidade de consumo não reportado, por exemplo, e mudanças no padrão de consumo antes e depois de 2010. Os autores extraíram as informações sobre o consumo de álcool per capita registrado, não registrado e turístico, além do relatado pelos participantes do estudo.
Embora o consumo de álcool possa ser registrado por meio de dados de produção, exportação, importação, vendas e tributação, o não registrado descreve o álcool produzido e consumido fora do controle governamental, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O consumo de álcool registrado, não registrado e turístico pode não ser responsável por todas as maneiras como ele é consumido: é difícil saber se uma pessoa que comprou uma garrafa de bebida consumiu tudo sozinho ou a levou a uma festa onde várias pessoas beberam.
Saúde x meio ambiente x genética
Ao avaliar o consumo de álcool em nível populacional, o estudo também não levou em conta os fatores de risco individuais ambientais, fisiológicos, genéticos e sociais para o desenvolvimento de câncer.
O câncer de fígado medido pelos autores foi o carcinoma hepatocelular, o tipo mais comum de câncer primário do fígado (que começa no órgão). “O câncer hepatocelular é o sexto mais comum no mundo, e a incidência está aumentando. O consumo de álcool aumenta o risco de câncer hepatocelular entre indivíduos com obesidade, que têm infecção pelo vírus da hepatite B ou C ou que fumam”, escreveu Justice.
Os casos de câncer e o consumo de álcool foram maiores na Europa Central e Oriental e no leste da Ásia, onde a hepatite B é uma causa comum de carcinoma hepatocelular, de acordo com a Sociedade Americana de Câncer. As taxas de hepatite B e câncer de fígado têm sido altas na região da Ásia-Pacífico, especialmente entre os homens – como o estudo descobriu.
Existem vários caminhos biológicos pelos quais o consumo de álcool pode levar ao desenvolvimento de câncer, escreveram os autores, incluindo DNA, proteínas e como o etanol metaboliza e afeta a regulação hormonal.
Estima-se que de 28% a 45% das pessoas do Leste Asiático, por exemplo, carregam uma variante da enzima ALDH2, associada a um risco maior de desenvolver câncer nas vias aerodigestivas superiores (compreendida pela boca, faringe e laringe), escreveram os autores.
Outros fatores de risco para o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular incluem obesidade, diabetes, uso de esteroides anabolizantes e exposição à aflatoxina, uma toxina produzida por mofo que pode crescer no milho, amendoim e em outros grãos.
Os casos de câncer foram mais baixos no norte da África e no oeste da Ásia, especificamente em países como a Arábia Saudita e o Kuwait, onde o álcool é proibido e “políticas de base religiosa garantem que o consumo de bebidas alcoólicas continue baixo e as taxas de abstenção ao longo da vida permaneçam altas”, escreveram os autores.
“O que há de novo neste estudo é a comparação internacional global, dividida por sexo e tipo de câncer”, disse Sadie Boniface, chefe de pesquisa do Instituto de Estudos do Álcool, para o qual a maior parte do financiamento vem da Alliance House Foundation, uma organização que promove a abstinência total e o estudo científico do álcool para ajudar o bem-estar moral, social e físico das comunidades. “Os resultados estão de acordo com outros estudos”.
Além disso, o estudo não “considerou o efeito sinérgico entre álcool e tabaco, que é relatado como uma interação verdadeira para a maioria dos cânceres das vias aerodigestivas superiores “, escreveram os autores.
As estimativas de câncer para 2020 também podem ter sido afetadas pela pandemia de Covid-19, que interrompeu os sistemas de saúde e fez alguns pacientes se sentirem inseguros para ir ao médico, acrescentaram os autores.
É necessário avaliar o consumo de álcool por meio de biomarcadores específicos e, portanto, compreender como este e outros fatores se relacionam com o risco de câncer, escreveu Justice. “Quanto mais cedo começarmos a medir com precisão a exposição ao álcool, mais cedo poderemos entender a verdadeira carga do câncer atribuível ao álcool e intervir efetivamente.”
(Texto traduzido. Leia o original, em inglês)