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    Como aproveitar a neurociência para viver melhor, segundo uma cientista

    Esse é um tema predominante no novo livro de Lisa Feldman Barrett “Seven and a Half Lessons About the Brain” (“Sete lições e meia sobre o cérebro”)

    Ryan Prior, CNN

    Muitas das ideias e metáforas da cultura popular sobre como o cérebro humano funciona são desmentidas após um exame minucioso.

    Esse é um tema predominante no novo livro de Lisa Feldman Barrett “Seven and a Half Lessons About the Brain” (“Sete lições e meia sobre o cérebro”), lançado em novembro nos EUA e ainda sem edição no Brasil.

    Barrett é uma ilustre professora universitária de psicologia na Universidade Northeastern em Boston, onde dirige o Laboratório de Ciências Afetivas Interdisciplinares. Ela também ministra classes na Harvard Medical School e no Massachusetts General Hospital.

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    A professora fez contribuições significativas para ajudar a compreender a natureza fundamental das emoções. Sua pesquisa pioneira em neurociência a colocou entre os 1% dos cientistas mais citados do mundo, e um 2019 ela ganhou um Guggenheim Fellowship em neurociência.

    Aqui, Barrett responde a sete perguntas e meia sobre como a ciência do cérebro pode nos ajudar a ter uma vida mais produtiva e próspera. A conversa foi editada para ter mais fluidez e clareza.

    CNN: Por que você decidiu chamar seu livro de “Sete lições e meia”? Isso é um truque mental Jedi de uma neurocientista para fazer o título ficar em nossas cabeças?

    Lisa Feldman Barrett: Sim, foi um truque mental Jedi em ação. Ficou na sua cabeça?

    CNN: Sim, certamente.

    Barrett: Na verdade, a versão inicial do livro tinha sete aulas. Mas um dos leitores que leu a obra previamente sugeriu dividir a primeira lição, sobre evolução do cérebro, em duas partes.

    A primeira metade da lição é apenas uma pequena amostra de uma história muito maior sobre a evolução do cérebro, daí que chamá-la de “meia” lição pareceu adequado. Ter um livro de ciências chamado “Sete lições e meia” indica que eu espero que ele seja divertido e interessante.

    CNN: Outra coisa que me marcou foi como você escreveu que o cérebro humano está constantemente fazendo previsões sobre o que espera ver, e você falou sobre isso como uma “alucinação cuidadosamente controlada”. Como nossos cérebros nos fornecem informações sobre o mundo que não são exatamente verdadeiras?

    Barrett: Pense na última vez que você bebeu um copo de água. Em alguns segundos você sentiu menos sede. É algo notável, porque a água que você ingere não chega à sua corrente sanguínea por cerca de 20 minutos. Como essa água mata sua sede tão rapidamente?

    A resposta é porque seu cérebro aprendeu com experiências anteriores que beber água deixa você menos sedento, então seu cérebro está fazendo uma previsão.O cérebro prevê que você sentirá menos sede, e essa previsão se tornará sua experiência, e assim sua sede diminui rapidamente.

    Na verdade, o que seu cérebro está fazendo é predizer. O cérebro de fato opera por predição o tempo todo. O processo é praticamente invisível para nós. Mas está acontecendo e tudo o que experimentamos é uma combinação do que está em nossas cabeças.

    CNN: Portanto, nossos cérebros preveem o que acontecerá antes que aconteça. Somos escravos de nossos próprios cérebros ou podemos contornar isso conscientemente para manter nosso livre-arbítrio?

    Barrett: A questão é: será que um cérebro é escravo de si mesmo ou existe uma oportunidade para o livre-arbítrio?

    O livre-arbítrio é um tópico que os filósofos vêm debatendo desde o começo dos tempos. Um livro curtinho não vai resolver isso, mas, ao entender como o cérebro faz previsões, podemos lançar alguma luz sobre
    a questão do livre-arbítrio.

    É verdade que seu cérebro prevê suas ações e as inicia antes que você perceba. Pense em um jogador de beisebol prestes a lançar uma tacada bem antes de sua necessidade consciente. Se ele esperasse até mais tarde, não teria tempo suficiente para rebater e sempre perderia a bola. A previsão é crucial. Não vivenciamos nossa vida dessa maneira, mas na verdade é isso que está acontecendo dentro de nós.

    Seu cérebro prevê e conduz suas ações com base em dados, ou seja, com base em sua experiência anterior. O jogador de beisebol leva em consideração o que sabe sobre o arremessador e as condições de seu próprio corpo para fazer uma boa previsão sobre onde a bola estará em um momento a partir de agora. É aí que ele balança o corpo e se prepara para rebater.

    O exemplo do jogador de beisebol revela algo importante: se você organizar experiências úteis para si mesmo, poderá mudar seu cérebro em previsões futuras.

    Eis uma forma de livre-arbítrio que raramente discutimos. Você está sempre cultivando seu passado, o que o ajuda a controlar quem você será no futuro.

    CNN: Muitos estão definindo resoluções de Ano Novo agora. Que princípios deste livro as pessoas podem usar para cumprir suas resoluções?

    Barrett: Temos um cérebro preditor que conduz nossas ações e prepara nossas experiências com base no que aprendemos ou experimentamos no passado. Portanto, a melhor maneira de manter uma resolução de Ano Novo é praticá-la com antecedência, para que seu cérebro aprenda a emitir novas previsões sobre a resolução de maneira automática. É como dirigir.

    No início, quando você pratica algo novo, precisa de atenção, deve trabalhar muito nessa habilidade. Mas, com o tempo, se praticar, o ato se torna automático e quase sem esforço. Sendo assim, se sua resolução é passar mais tempo com seus filhos ou aprender um novo instrumento musical, você pode começar hoje, não precisa esperar alguma data específica.

    E você pode praticar a habilidade, cultivar a experiência tanto quanto puder, dando ao seu cérebro muita prática para prever automaticamente o futuro. Novamente, é essa ideia de que você é o arquiteto de sua
    experiência. Se você semear seu cérebro com novas experiências hoje, isso o incentivará a prever de forma diferente amanhã.

    CNN: Agora, minha “meia pergunta”: você tem alguma resolução este ano?

    Barrett: Tenho várias resoluções de Ano Novo. Um dos meus objetivos é me envolver com pessoas que têm pontos de vista muito diferentes dos meus, politicamente, e ser curiosa, em vez de ser crítica ou fechada às opiniões delas. Acho que esta é a coisa mais patriótica que posso fazer agora nesse atual momento tão carregado politicamente.

    É um investimento do qual espera ver um retorno. É um investimento valioso. Vou focar em buscar a comunicação, e não só as afirmações. Esse é o meu objetivo.

    Minha outra resolução é tricotar porque essa é uma habilidade um tanto meditativa. Acho que provavelmente será tão difícil para mim aprender isso quanto falar com pessoas das quais discordo.

    CNN: Nossas previsões mentais são importantes para as resoluções de Ano Novo e também na política. Após a eleição dos EUA, como você recomenda o uso da neurociência para nos ajudar a ter melhores conversas políticas?

    Barrett: Minha recomendação principal é ter curiosidade sobre as perspectivas das outras pessoas, focar na comunicação e não na afirmação.

    A cada momento, seu cérebro está executando uma espécie de orçamento para o seu corpo. Mas, em vez de fazer um orçamento de dinheiro, está planejando água, sal, glicose e outros recursos para que seu corpo tenha o que precisa no momento certo para mantê-lo vivo e bem. Esse processo de elaboração do orçamento também produz seus sentimentos mais básicos, como sentir-se bem ou mal, confortável ou angustiado, calmo ou elétrico.

    Portanto, quando você encontra ideias políticas de que não gosta, há muita incerteza. Seu cérebro usa alguns recursos extras para processá-las. É como fazer um saque de seu orçamento corporal porque coisas que são imprevisíveis ou desagradáveis são metabolicamente mais caras. Essa retirada pode ser desagradável.

    As duas coisas mais caras que seu cérebro pode fazer são mexer seu corpo e aprender algo novo. Quando você se exercita, gasta muitos recursos metabólicos. Você está fazendo um grande gasto, mas pensa nisso como um investimento em um cérebro mais saudável no futuro.

    A mesma coisa vale para aprender algo novo. Quanto mais você aprende, mais você se expõe a coisas novas e quanto mais coisas novas você aprendeu, mais flexível e resiliente se torna.

    CNN: Os políticos costumam apelar ao nosso instinto básico, ou nosso “cérebro reptiliano”. Como os estudos em biologia evolucionária realmente desfazem a ideia clássica da parte reptiliana primitiva de nós mesmos?

    Barrett: A ideia de que os humanos têm um cérebro de lagarto primitivo com instintos básicos é uma história muito popular, mas é apenas um mito. Podemos rastreá-la até a Grécia antiga, mas ele se tornou popular mesmo em meados do século 20, quando a melhor tecnologia que os neurocientistas à disposição para examinar cérebros era um microscópio. E o olho nu.

    Quando olhamos para o cérebro de um lagarto e para o cérebro de um mamífero, como o de um roedor, e então o de um primata, e depois para o cérebro humano, vemos que todos parecem muito diferentes a olho nu. Mas hoje, usando ferramentas avançadas que temos para examinar a genética molecular dentro das células cerebrais, podemos ver claramente que o cérebro humano não evoluiu fazendo crescer novas partes em camadas em cima de um cérebro do lagarto.

    Em vez disso, descobrimos algo muito mais interessante: os cérebros de todos os mamíferos, e possivelmente de todos os vertebrados, na verdade, são construídos a partir de um único plano de fabricação.

    O que isso significa é que seu cérebro e meu cérebro, e um cérebro de rato e um cérebro de cachorro, e talvez um cérebro de lagarto e alguns cérebros de pássaro, são todos diferentes. Mas eles têm o mesmo
    complemento básico de neurônios. Esses neurônios podem se organizar de maneiras diferentes.

    À medida que os cérebros ficam maiores ao longo do tempo evolutivo, eles se reorganizam como empresas. Esse é o que diz o neurobiologista George Streeter, que os cérebros são como empresas: eles se reorganizam conforme crescem.

    CNN: A sociedade ocidental moderna frequentemente valoriza a razão em vez da paixão, como se tivéssemos que controlar ou restringir nossas emoções para sermos totalmente humanos. Por que a ciência pode dizer que é realmente mais racional abraçar nossas emoções?

    Barrett: Lembre-se de que seu cérebro está sempre executando um orçamento para seu corpo. Às vezes, seus sentimentos estão na frente e no centro de sua atenção, e às vezes em segundo plano. Mas eles estão sempre lá, o que significa que a racionalidade não pode ser uma ausência de sentimento. As ligações do seu cérebro garantem que seja assim.

    Às vezes seu cérebro produz uma emoção, como liberar o choro, por exemplo, enquanto seu cérebro explica o que está acontecendo dentro de seu próprio corpo em relação ao mundo. Às vezes, as emoções são realmente racionais, como quando você sente medo porque está em perigo. E às vezes pensar não é racional, como quando você navega nas redes sociais por horas dizendo a si mesmo que está prestes a se deparar com algo importante.

    Existem exemplos em que a emoção é uma forma profunda de sabedoria na qual você pode recorrer para ajudar a orientar suas decisões. É importante entender isso, tanto do ponto de vista da neurociência quanto apenas do ponto de vista do senso comum.

    Não é realmente útil pensar no cérebro humano ou na mente humana como um campo de batalha entre pensar e sentir, os dois lutando pelo controle de seu comportamento. A ideia de que pensar e sentir são
    eventos mentais distintos, que racionalidade e emoção estão em uma batalha constante pelo controle de seu comportamento, é uma história muito ocidental. Essa luta não é um elemento universal da natureza
    humana.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).

     

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