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    Com Índia no epicentro da pandemia, Brasil busca autonomia para produzir vacinas

    Com o deslocamento do epicentro da pandemia para a Índia, o Brasil já trabalha com possibilidade de mais atrasos no envio das doses do país asiático

    Recipientes de vacina de Oxford/AstraZeneca no Serum Institute da Índia
    Recipientes de vacina de Oxford/AstraZeneca no Serum Institute da Índia Foto: Francis Mascarenhas/Reuters (30.nov.2020)

    Mathias Brotero, da CNN em Brasília

    A Índia ultrapassou neste sábado (1º), pela primeira vez, a marca de 400 mil casos diários de Covid-19. Foram registradas 211,853 mil mortes. O diretor-geral da OMS, Thedros Adhanom, afirmou na sexta-feira (30) que a crise enfrentada pelo Brasil é complicada, pela quantidade de números de casos e mortes pelo coronavírus, mas reconheceu que a Índia é o centro das atenções. Diante do grave quadro indiano, o governo brasileiro pretende evitar o desabastecimento de insumos e vacinas focando esforços na produção interna.

    Em janeiro, a Índia enviou 2 milhões de doses ao Brasil, conforme antecipado pela CNN. No mês seguinte, a quantidade exportada dobrou. Porém, com a nova orientação, a entrega de 8 milhões de doses que seriam enviadas pelo Instituto Serum, maior produtor de imunizantes do mundo, foi postergada para o terceiro trimestre de 2021. 

    Com esse deslocamento do epicentro da pandemia para a Índia, o Brasil já trabalha com possibilidade de mais atrasos no envio das doses do país asiático. Uma fonte do Itamaraty considerou que a data prevista pelo Ministério da Saúde é conservadora, mas informou à CNN que ainda pode ser alterada. Com a piora da pandemia, eles não estariam em condições, no momento, de cumprir com os contratos. Ainda segundo a fonte, o lote de vacinas da Índia não faz parte da principal estratégia adotada pelo governo brasileiro e as negociações com outros países podem sofrer mudanças. 

    Diante da grave situação dos indianos, a negociação de outra vacina, da farmacêutica Bharat Biotech, esfriou. O Ministério da Saúde prevê a entrega de 20 milhões de doses do imunizante, mas não especifica data. A Anvisa negou, no final de março, a importação em caráter excepcional das vacinas, após avaliação de informações relacionadas a Inspeção de Boas Práticas de Fabricação do imunizante e atestou falta do relatório técnico de avaliação da vacina. Por meio de nota, a agência brasileira informou que não recebeu novo pedido de certificação.

    Já a Bharat Biotech informou, por meio de nota, que “os requisitos de testes adicionais detalhados pela Anvisa são complementares por natureza e não têm nenhum impacto na segurança, qualidade e eficácia da Covaxin. No entanto, esses requisitos adicionais serão integralmente cumpridos e os prazos para os mesmos foram submetidos e aceitos pela agência”.

    Uma fonte ligada ao Ministério das Relações Exteriores avaliou que, ainda que os entraves sejam solucionados, a vacina pode demorar a chegar ao Brasil e, mesmo que a utilização seja aprovada aqui, eles vão querer aplicar internamente lá. 

    Médico com dose de vacina em Ahmedabad, na Índia
    Médico com dose de vacina em Ahmedabad, na Índia
    Foto: Amit Dave/Reuters

    Diante disso, o maior desafio para o Brasil é que o país consiga fabricar os imunizantes de maneira autônoma, sem precisar importar produtos. As duas principais vacinas com as quais o Brasil trabalha atualmente – da Astrazeneca e da Sinovac – dependem de importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo da China.  

    Em meados de abril, um atraso na entrega do IFA chegou a paralisar a produção da Coronavac. Na quarta-feira (28), o Instituto Butantan confirmou que entregaria menos do que 46 milhões de doses, previstas pelo Ministério da Saúde até o fim do mês. Uma das razões para o atraso seria a decisão de fortalecer a campanha interna de vacinação do país asiático. O governo do estado de São Paulo espera poder produzir a Coronavac, com IFA nacional, a partir de dezembro. A produção em larga escala ficaria para 2022.

    No caso da vacina de Oxford, a Fiocruz afirmou, por meio de nota, que “somente após a obtenção da certificação das condições técnico-operacionais das instalações (CTO) pela Anvisa, é que a Fiocruz poderá iniciar a produção, que deve ocorrer, portanto, em maio, com entrega prevista das primeiras vacinas com IFA nacional ao PNI (Programa Nacional de Imunização) em setembro”.

    Nesta sexta-feira (30), A Anvisa aprovou a produção do IFA da vacina contra a Covid-19. De acordo com uma nota publicada pela agência, “após a realização de testes, a Fiocruz deve solicitar a inclusão do insumo no registro ou fazer um pedido de uso emergencial”. 

    Alternativas

    Mesmo com foco na produção interna, o Brasil está de olho em alternativas para a obtenção de vacinas fora da Ásia. Embaixadores brasileiros vêm se reunindo regularmente com autoridades dos EUA, para tratar das negociações sobre um lote de 60 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca, que devem ser negociadas com países em necessidade. A prioridade ficaria com a Índia.

    Há a expectativa de que o primeiro lote a ser distribuído seja de 10 milhões de doses, mas o imunizante  produzido pela AstraZeneca ainda não foi aprovado pela FDA, agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos. De acordo com fonte do governo dos EUA, os imunizantes só poderão ser compartilhados após passarem por um processo de controle se qualidade. A expectativa é de que isso aconteça nos próximos dois meses. 

    Interlocutores junto ao Itamaraty disseram à CNN que a medida adotada pelos Estados Unidos soou para alguns como carregada de tom político. O objetivo seria mostrar que os americanos estão dando mais importância ao auxílio a outros países. Porém, o anúncio pode ter sido precipitado, uma vez que ainda faltam informações sobre a negociação, por exemplo, se as vacinas serão vendidas ou doadas. Já houve uma reunião com o imunologista e consultor da Casa Branca, Anthony Fauci, e em breve haverá um encontro com o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blincken, para tratar do tema.

    Procurados pela reportagem, as embaixadas da Índia e dos Estados Unidos e o Instituto Serum não se manifestaram. O Ministério da Saúde informou que o Ministério das Relações Exteriores é quem lida com questões internacionais.

    Em nota, o Itamaraty afirmou que “está engajado na obtenção dos meios necessários para contribuir com o esforço do Governo Federal no enfrentamento  da atual crise sanitária”, e que “realiza as gestões cabíveis junto a governos e organizações internacionais, com vistas a acelerar o recebimento das doses contratadas”.

    Confira abaixo, na íntegra, a nota do Itamaraty: 

    “O Itamaraty está engajado na obtenção dos meios necessários para contribuir com o esforço do Governo Federal no enfrentamento  da atual crise sanitária.

    Em coordenação com o Ministério da Saúde, o Itamaraty e sua rede de postos no exterior têm atuado, dentro de sua área de competência, por meio de verdadeira Diplomacia da Saúde, mantendo contato permanente com instituições de pesquisa, empresas e governo local, com vistas a ampliar o acesso brasileiro a imunizantes, insumos e medicamentos contra a COVID-19.

    O Itamaraty realiza as gestões cabíveis junto a governos e organizações internacionais, com vistas a acelerar o recebimento das doses contratadas junto a empresas farmacêuticas e à COVAX Facility. O Brasil defende que a situação epidemiológica seja fator relevante na determinação de prioridade para o envio de insumos e vacinas.

    O planejamento e a gestão do Programa Nacional de Imunização, incluindo a formulação do cronograma de entrega de doses, é competência do Ministério da Saúde. O Itamaraty mantém diálogo constante com empresas e governos, especialmente na China e na Índia, com vistas a evitar eventuais atrasos na liberação de imunizantes e insumos contratados.

    O Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, em recente conversa telefônica com o Ministro das Relações Exteriores, Carlos França, comprometeu-se a fazer todo o possível para cooperar com o Brasil neste momento de grave emergência sanitária causada pela pandemia de COVID-19. O ministro chinês informou que reservará e fornecerá ao Brasil, o quanto antes, quota maior de IFAs para a produção da vacina Oxford/AstraZeneca.

    A Embaixada do Brasil em Pequim acompanha cada processo de autorização de exportação de IFAs. Desde fevereiro, a Fiocruz recebeu insumos suficientes para a produção de cerca de 47 milhões de doses, o que garante a entrega de doses pela Fundação até o início de junho.

    No que se refere à Índia, a grave situação por que passa atualmente merece solidariedade e cooperação. O Governo brasileiro apoia iniciativas da comunidade internacional para prestar cooperação à Índia. O Governo brasileiro defende o acesso equitativo e universal a insumos de saúde essenciais para o fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde, sem discriminação.

    Embora as exportações de imunizantes da Índia não tenham sido suspensas, há desafios para a obtenção de vacinas produzidas naquele país. A deterioração do quadro sanitário nas últimas semanas aumentou a pressão sobre o governo indiano para acelerar o processo de vacinação nacional, e os dois principais produtores de vacinas contra a COVID-19 na Índia – Instituto Serum e Bharat Biotech – continuam a receber volumosas encomendas de terceiros países, além de seus compromissos de fornecimento no âmbito da COVAX Facility e do programa nacional “Vaccine Maitri”.

    O Itamaraty atua junto ao governo indiano e aos principais produtores, em especial por meio da Embaixada do Brasil em Nova Delhi, para viabilizar o fornecimento de imunizantes e insumos e cumprir os trâmites necessários para aprovação regulatória e importação do imunizante Covaxin.

    Em 25/2, o Ministério da Saúde assinou contrato com a Precisa Medicamentos, representante brasileiro do laboratório indiano Bharat Biotech, para aquisição de 20 milhões de doses da referida vacina. Em 30/3, a Anvisa negou concessão de Certificado de Boas Práticas de Fabricação para a farmacêutica indiana. O Itamaraty tem apoiado as comunicações entre as partes, de modo a sanar os problemas identificados pela Agência reguladora brasileira e permitir a inclusão, no mais breve prazo possível, de mais uma opção de vacina no programa nacional de imunização contra a COVID-19.”