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    Aumento de casos de malária tem correlação direta com o garimpo ilegal, diz estudo da Fiocruz

    Incidência da doença em Roraima apresentou alta significativa nos últimos anos

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    Os casos de malária, doença potencialmente grave causada pelo parasita do gênero Plasmodium e transmitida pela picada de mosquitos Anopheles, apresentaram um aumento nos últimos anos em Roraima.

    A incidência do agravo, que passou a atingir majoritariamente indígenas, em especial os yanomamis, está associada principalmente ao avanço do garimpo ilegal, de acordo com um amplo estudo brasileiro.

    A pesquisa, que analisou dados sobre malária em Roraima de 2010 a 2020, foi realizada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia (Rede Bionorte), em parceria com a Secretaria de Saúde de Roraima (Sesau/RR) e o Ministério da Saúde. Os resultados foram publicados na revista científica Malaria Journal.

    Contexto epidemiológico

    Em 2010, o estado registrou 19 mil casos de malária com transmissão local, sendo 30% das ocorrências (5,7 mil casos) em áreas indígenas, de acordo com o estudo. Em 2013, as notificações caíram para 4,8 mil, com 1,2 mil registros entre povos originários. Segundo os pesquisadores, a mudança reflete ações de combate à doença no contexto do Programa Nacional de Controle da Malária.

    A área de garimpo no território indígena aumento em mais de 30 vezes entre 2016 e 2020, segundo dados do Mapbiomas, o relatório produzido pelas associações Hutukara Yanomami e Wanasseduume Ye’kwana. A expansão foi acompanhada de uma alta significativa nas notificações de malária.

    No primeiro ano da pandemia, enquanto a malária caía no Brasil e nas Américas, Roraima chegou a 29 mil casos da doença, com mais de 18 mil notificações – 62% do total – nas áreas indígenas.

    “Esses dados contam a história do que nós observamos e vivenciamos nesses últimos anos. Por que a malária cresceu tanto em Roraima? Só em 2020, o garimpo cresceu 30% na Terra Yanomami. A OMS [Organização Mundial da Saúde] divulgou queda dos casos nas Américas, mas nós tivemos aumento de mais de 40% na transmissão local”, afirma Jacqueline de Aguiar Barros, primeira autora do artigo e técnica do Núcleo de Controle da Malária de Roraima, em comunicado da Fiocruz.

    “Tempestade perfeita”

    Os especialistas destacam que a exploração e o desmatamento da natureza a partir do garimpo ilegal cria as condições ideais para a transmissão da doença. Causada por protozoários, a malária é transmitidas pela picada da fêmea infectada do mosquito do gênero Anopheles, também conhecido como mosquito-prego.

    Mais de 40% do território de Roraima é constituído por terras indígenas, onde a atenção à saúde é responsabilidade de dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI).

    Na fronteira com a Venezuela, encontra-se o DSEI Yanomami, que se estende de Roraima ao Amazonas. Ao todo, são 96 mil km² de terra demarcada, onde vivem aproximadamente 28 mil indígenas, sendo a maioria do povo Yanomami. Na fronteira com a Guiana situa-se o DSEI Leste de Roraima, que contempla uma área de 69 mil km², incluindo a Reserva Raposa Serra do Sol e outros territórios. Nesta região, vivem 52 mil indígenas, de sete etnias.

    De acordo com o estudo, os casos de malária caíram de mais de 3 mil em 2010 para 404 em 2012 na área do DSEI Yanomami em Roraima. A elevação progressiva retomou o patamar superior a 3 mil em 2018, chegando a 14 mil notificações dois anos depois, em um cenário de ampliação do garimpo ilegal.

    Os pesquisadores avaliam que na área do DSEI Leste houve influência da imigração de venezuelanos, além do garimpo. Entre 2010 e 2016, houve uma queda expressiva de mais de 2 mil casos para 368. De 2018 para 2020, os casos saltaram de mais de 3 mil para mais de 4 mil.

    Os garimpeiros invadem a floresta e escavam a terra, formando poços que, por sua vez, funcionam como criadouros de proliferação de mosquitos anofelinos, que transmitem a malária. Ou seja, com mais mosquitos e mais pessoas, cujo sangue serve de alimento para os mosquitos, está criada a situação ideal para a transmissão da doença. Isso acontece ao lado das aldeias, e os indígenas passam a viver perto de núcleos de transmissão de malária, que antes não existiam

    Maria de Fátima Ferreira da Cruz, pesquisadora da Fiocruz

    A pesquisadora da Fiocruz Maria de Fátima Ferreira da Cruz, coordenadora do estudo, explica que o garimpo favorece a transmissão da malária de diversas formas. O tratamento irregular da doença pelos garimpeiros, por exemplo, contribui para perpetuar o ciclo da malária na região.

    “Os garimpeiros usam medicamentos de origem duvidosa para combater os sintomas da malária que não têm eficácia garantida e eles não fazem o tratamento completo. Dessa forma, o parasito permanece vivo no organismo, infectando mosquitos no momento da picada, aumentado a transmissão e selecionando populações parasitárias com potencial de tolerância aos antimaláricos”, diz a cientista.

    Ação coordenada

    Além do aumento de casos, os pesquisadores observaram alta na proporção de infecções causadas pelo Plasmodium falciparum. Essa espécie de parasito provoca as formas mais graves de malária, com maior risco de morte.

    Em 2010, quase 10% dos casos de malária em Roraima eram causados pelo P. falciparum. Nos anos seguintes, a proporção foi reduzida. Em 2019, o índice era de 4,5%. Porém, em 2020, saltou para 20%.

    “A malária pelo P. falciparum é mais grave, mas o parasito responde bem à terapia. Com diagnóstico rápido e tratamento oportuno, a pessoa fica curada e a transmissão é interrompida. O aumento de casos significa dificuldade de acesso ao diagnóstico e ao tratamento”, diz Jacqueline.

    As pesquisadoras defendem que o combate à malária associada ao garimpo ilegal requer ações coordenadas de diferentes esferas políticas, para além da área da saúde.

    “É um problema que envolve municípios, estados e governo federal. O primeiro passo é a decisão política para fazer medidas de intervenção, como parece haver nesse momento. Só assim, poderemos ter ações efetivas para controle da doença”, afirma Maria de Fátima.

    (Com informações de Maíra Menezes, da Comunicação do Instituto Oswaldo Cruz)

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