Troca de advogado, suposta confissão: as reviravoltas na defesa de Mauro Cid
Advogado diz que o dinheiro da venda de um Rolex foi para o ex-presidente Jair Bolsonaro ou para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro
A linha de defesa de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), sofreu uma reviravolta nos últimos dias com a mudança do advogado à frente do caso e a indicação de que o tenente-coronel poderia fazer uma confissão e culpar o ex-presidente.
Entenda abaixo as últimas afirmações e alterações na defesa do militar.
Segunda troca de advogado — 13 de agosto
No dia 13 de agosto, Bernardo Fenelon deixou a defesa do militar. Isso aconteceu após documentos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro mostrarem que Cid teria participado da negociação de um Rolex presenteado ao governo brasileiro pela Arábia Saudita.
Segundo a Polícia Federal (PF), ele vendeu o objeto por US$ 68 mil (cerca de R$ 346 mil pela cotação atual do dólar) e depositou o dinheiro em espécie na conta do pai, o general Mauro Lourena Cid.
Antes, no dia 11 de agosto, ambos foram alvos de operação da PF que investiga a venda de mais itens valiosos do acervo da Presidência no exterior. Também foram alvos o advogado Frederick Wassef e o tenente Osmar Crivelatti.
O advogado Fenelon é especialista em delações premiadas e não detalhou o motivo de sair do caso de forma oficial. O defensor é o segundo advogado que deixa a defesa de Cid em três meses.
O antecessor, Rodrigo Roca, advogado próximo da família Bolsonaro, defendia o militar até maio, mas saiu do caso após Cid ser preso por fraude em cartões de vacina.
Profissional com larga experiência em acordos de delação premiada, o criminalista teria desagradado ao orientar o cliente a, no depoimento à Polícia Federal, dar detalhes sobre tudo o que ocorreu, o que não feito. Na ocasião, apenas a esposa de Cid reconheceu a falsificação. O ex-ajudante de ordens ficou calado.
Entorno de Bolsonaro tenta influenciar escolha de novo advogado — 14 de agosto
A CNN apurou que, logo após a saída de Bernardo Fenelon do caso, o entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro tentou indicar um profissional para assumir a defesa de Cid.
Outro grupo de aliados do militar defendia a escolha de um criminalista com bom trânsito entre políticos da esquerda, como estratégia para eventual nova convocação depor em CPMI.
PF começa perícia em celular do pai de Mauro Cid — 15 de agosto
Enquanto novos fatos sobre o caso eram revelados pelas autoridades, a Polícia Federal começou a perícia no celular do general Mauro Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid.
Os peritos criminais federais devem encontrar novos elementos de conversas no celular do militar. Fotos que tenham sido apagadas do telefone também são passíveis de recuperação, conforme trabalho da perícia.
Os investigadores acreditam que o que pode ser encontrado no celular de Cid pai será fundamental para novas nuances e episódios de comprovação das vendas de joias valiosas do governo brasileiro no exterior. Até então, as mensagens captadas haviam sido do celular de Cid filho.
Novo advogado é contratado e nega delação — 15 de agosto
Na noite do dia 15 de agosto, o tenente-coronel contratou o advogado Cezar Bitencourt para assumir sua defesa nos processos que correm no Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles o caso das joias.
Ainda neste dia, Bitencourt disse à CNN que estava se inteirando do inquérito e que só depois de analisar cada etapa que conseguiria traçar a estratégia de defesa. Entretanto, ressaltou que haveria “perseguição despropositada” contra Cid.
“Ele é inocente, há uma perseguição despropositada, fora de propósito”, disse o advogado à CNN em 15 de agosto.
Professor de Direito Penal, Bitencourt se apresenta como um “crítico ferrenho da delação premiada” e descartou usar o instrumento jurídico na estratégia do ex-ajudante de ordens.
“Não gosto, sou contra a delação premiada, considero até antiético. Não vou dizer que desse leite não beberei, mas se eu puder, não usarei”, afirmou.
Primeira reunião entre Cid e novo advogado — 16 de agosto
Houve uma reunião pessoal entre os dois, conforme informou Basília Rodrigues, analista de Política da CNN.
Cid era assessor e cumpria ordens do chefe, diz Bitencourt à CNN — 16 de agosto
“Mauro Cid, como assessor, segue ordens, cumpre ordens do chefe. [Cid] não tinha como se desvincular. Ele assessorava o presidente numa variedade de situações, além inclusive da função oficial. Quer dizer, ele servia para tudo”, declarou Bitencourt.
VÍDEO — Mauro Cid era assessor e cumpria ordens do chefe, diz à CNN advogado de ex-ajudante de ordens
Perguntado sobre de quem viriam as ordens seguidas por Cid, Bitencourt destacou ser preciso descobrir a cadeia de comando a qual o ex-ajudante era submetido.
“Eu não sei se o Bolsonaro não tinha, por exemplo, um vice-presidente, um secretário, um ministro lá que dava essas ordens. Temos que verificar de quem eram essas ordens que eram dadas para o Mauro Cid”, completou o advogado.
Ao longo da conversa, Bitencourt reiterou acreditar na inocência de Cid e afirmou que o ex-ajudante de ordens está sendo injustiçado.
“Mauro Cid é inocente. Absoluta certeza que o Mauro é inocente. O Mauro é uma vítima das circunstâncias. Nós achamos que ele está sendo injustiçado pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF).”
Advogado indica suposta confissão de Cid — 17 de agosto
Um dia depois, Cezar Bitencourt indicou uma reviravolta no caso das joias, dizendo que Cid teria decidido confessar que o ex-presidente mandou que ele vendesse as joias dadas de presente pela Arábia Saudita ao governo brasileiro.
A informação foi inicialmente publicada pela Revista Veja e confirmada pela CNN com o próprio defensor. “Eu só digo uma coisa: Mauro Cid é inocente. É evidente que Bolsonaro é quem deu a ordem. Cid, como um militar disciplinado, seguiu ordens”, afirmou.
De acordo com a defesa, o ex-presidente teria dito “resolve lá” para Mauro Cid negociar a venda de joias e relógios.
Segundo Basília Rodrigues, analista de Política da CNN, após reunião do tenente-coronel com o novo advogado, ele foi aconselhado a abrir o jogo devido ao conjunto de provas reunidas até o momento pela investigação e à possibilidade de ser o maior responsabilizado.
Conforme informou a analista, na nova versão que seria apresentada pelo ex-ajudante de ordens, Bolsonaro teria pedido para o auxiliar resolver a venda das joias. O dinheiro da comercialização teria sido repassado a Bolsonaro em espécie, para não deixar rastro.
Defesa é pressionada a recuar, segundo fontes — 18 de agosto
Auxiliares do advogado disseram, sob reserva, que ele limitou as ligações porque se viu sob pressão para recuar.
Após a repercussão da informação sobre a confissão, Bitencourt encaminhou a jornalistas uma mensagem em que afirma que Cid “tem várias alternativas”, sinalizando que pode dar outro rumo ao caso.
Interlocutores de Bitencourt, ouvidos pela CNN, avaliam que o advogado, renomado no Direito Penal, não revelaria toda estratégia de defesa.
Advogado diz que valor do Rolex foi para Bolsonaro ou Michelle — 18 de agosto
Um dia após as primeiras informações sobre a suposta confissão que Mauro Cid faria e que teria sido entregue dinheiro em espécie a Jair Bolsonaro, o advogado Cezar Bitencourt, afirmou que o dinheiro da venda do Rolex foi para o ex-presidente ou para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. A afirmação foi feita em uma entrevista à GloboNews.
O defensor ressaltou ainda que a confissão do ex-ajudante, sobre ter recebido ordem de Bolsonaro para realizar a venda no exterior, foi apenas sobre o Rolex, e não sobre outras joias.
Ele também afirmou que, pelo que ele sabe, o dono do relógio era o ex-presidente, e reiterou que Mauro Cid era apenas um assessor que cumpria ordens de Bolsonaro, tendo buscado resolver “um problema” do chefe.
Bitencourt, porém, negou que ele tenha agido a partir de uma ordem específica de Bolsonaro.
Após uma entrevista do advogado ao jornal “O Estado de S.Paulo”, em que recua e indica um suposto erro da “Veja”, o periódico divulgou um áudio também no dia 18 em que o defensor afirma que o tenente-coronel assume que foi “pegar as joias” dadas de presente pela Arábia Saudita ao governo brasileiro.
“Ele [Cid] assume que foi pegar as joias. ‘Resolve isso lá’. Ele foi resolver. ‘Vende a joia’. Ele vende a joia”, disse Bitencourt à revista. Ouça o áudio e veja a matéria completa através deste link.
À CNN, advogado afirma que Cid fará confissão e admitirá ordem de Bolsonaro
No dia 21 de agosto, Cezar Bitencourt afirmou à CNN que Mauro Cid fará confissão e admitirá ter recebido ordem do ex-presidente Jair Bolsonaro no caso das joias.
“É uma confissão. [Cid] vai admitir. As provas estão aí, ele vai admitir. Mas isso é início de conversa. Nem falei com o delegado que está com a investigação”, disse Bitencourt.
Conforme explicou o advogado, o ex-ajudante de ordens, que está preso desde maio, teria ouvido a seguinte frase de Bolsonaro:“Resolve isso aí, Cid”.
“[Cid] efetuou a venda do relógio nos EUA, daí ia trazer para cá o resultado. Ele era assessor do chefe. Fez isso e procurou entregar para quem o determinou que fosse feito a venda”, declarou Bitencourt.
“Ele era assessor, conhecia o presidente, tinha intimidade. Ele recebeu uma determinação e resolveu”, completou.
O advogado acrescentou que irá ao Supremo Tribunal Federal na tentativa de marcar uma audiência com o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso na Corte.
Quem é Cezar Bitencourt, atual advogado de Mauro Cid
Bitencourt é doutor em direito penal. Tem experiência na defesa de políticos, entre eles Rodrigo Rocha Loures, que foi assessor do ex-presidente Michel Temer (MDB). Ele foi flagrado com uma mala de dinheiro.
Até recentemente o processo tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF). Cezar Bitencourt conseguiu livrar o cliente da condenação.
Ele é conhecido pelas opiniões polêmicas que costuma dar sobre casos envolvendo políticos.
Nas redes sociais, no passado, comentou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi “condenado sem provas” e classificou sua prisão como “açodada, intempestiva e ilegal”.
Sobre os atos criminosos do dia 8 de janeiro, Bitencourt afirmou que o ato foi “uma violência generalizada e antidemocrática protagonizada por vândalos e asseclas irracionais de Jair Bolsonaro”.
O criminalista também disse que o ex-presidente cometeu crime de responsabilidade ao conceder indulto constitucional ao ex-deputado federal Daniel Silveira.
Outro lado
“Eu não peguei dinheiro de ninguém. Minha marca é a honestidade e sempre será. Contra mim, não tem absolutamente nada. Não há nada de concreto contra mim. O tempo vai mostrar tudo”, afirmou Bolsonaro à CNN.
Questionado sobre a possibilidade de o ex-auxiliar confessar que foi orientado por ele a vender as joias, Jair Bolsonaro lamentou o episódio.
“Acredito que o Cid esteja preocupado com o pai dele. Soube que tanto o pai como a mãe estão deprimidos. Ele já está preso há mais de 100 dias. Quem não fica abalado? É triste isso. Eu lamento tudo o que está acontecendo”.
*publicado por Tiago Tortella, da CNN
*com informações de Elijonas Maia, Lucas Schroeder, Basília Rodrigues, Clarissa Oliveira, Leandro Magalhães e Leonardo Ribbeiro, da CNN