Tensão no ar
A democracia não pode ser uma palavra vaga para amplos setores da população
As manifestações bolsonaristas do último domingo (1º) acabaram tensionando ainda mais o ambiente político, motivado pelo processo eleitoral. Embora o presidente da República tenha contido seus impulsos verbais, sua simples presença num dos atos teve o óbvio sentido de apoio às exacerbadas demonstrações contra o STF e a própria democracia. Para muito observadores, a retórica dos eventos foi apenas um movimento de inércia, alimentado pelas constantes falas de Bolsonaro.
Misturaram-se nas manifestações quase todas as variedades de incitamento antidemocrático. Sobraram evocação de 64, chamados aos militares e ataques ao Supremo. Mas um componente da gritaria preocupa ainda setores comprometidos com a Democracia. São os ataques às urnas eletrônicas, que sinalizam uma possível reação de Bolsonaro caso perca a eleição presidencial.. Supostos problemas técnicos com as urnas seriam pretexto para tentar caracterizar fraude eleitoral.
Nesse sentido, o jornalista Elio Gaspari sugeriu em sua coluna do último domingo que se aproveitasse uma provocativa sugestão do presidente da República para aprimorar a fiscalização das apuração dos votos. Bolsonaro sugeriu a instalação de um cabo ligando as Forças Armadas à alma da apuração, no TSE. Gaspari amplia o palpite, propondo a criação de uma sala paralela de acompanhamento da apuração, composta basicamente por figuras insuspeitas da sociedade civil. O jornalista esclarece que o tal cabo é apenas um acessório de caráter técnico.
Vozes isoladas tentam explicar esse fenômeno de desgaste do sistema democrático. É evidente tratar-se de um problema mundial cujas motivações são complexas. Mas pode-se falar em uma desconexão entre a população e as instituições. Executivos, Legislativos e Judiciários de todo o mundo não teriam assimilado as implicações sociais da evolução dos meios de comunicação. Políticos de todos os matizes continuam atuando nos velhos padrões, como se a internet não existisse. É vista apenas como mais um instrumento de propaganda eleitoral, quando na verdade tem provocado enormes impactos no modo de agir e pensar das populações.
Neste momento de preocupações, relembro encontro que tive em Israel com o depois primeiro-ministro e presidente Shimon Peres, já falecido. Para ele, a paz no Oriente Médio passava pela democracia. E acrescentava que jamais em tempos modernos duas democracias haviam guerreado entre si. Só por esse fato pode-se avaliar a preciosidade do sistema. Mas democracia não pode ser uma palavra vaga para amplos setores da população. Cabe às instituições fazer essa popalada conexão. Não com palavras, mas com fatos.