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    TCU aponta indícios de fraude em compra de cloroquina pelo Exército

    Relatório destaca “robustos indícios de fraude” nas licitações envolvendo a empresa Sulminas no fornecimento de matéria-prima para a produção de cloroquina

    Comprimidos de cloroquina produzidos no Laboratório Químico Farmacêutico do Exército brasileiro
    Comprimidos de cloroquina produzidos no Laboratório Químico Farmacêutico do Exército brasileiro Foto: LQFex/Exército Brasileiro (31.mar.2020)

    Vital NetoJosé BritoMarcos Guedesda CNN

    em São Paulo

    Um relatório produzido por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que há “robustos indícios de fraude” nas licitações envolvendo a empresa Sulminas para o fornecimento de matéria-prima para a produção de cloroquina. O documento foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo e confirmado pela CNN, nesta sexta-feira (18). Em 2020, a CNN mostrou que o Exército pagou quase três vezes mais nos insumos comprados da empresa.

    O relatório aponta ainda para a necessidade de continuar as apurações para avaliar se houve responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro na determinação do uso de cloroquina para o tratamento da Covid-19. Segundo o documento, as explicações do Ministério da Saúde sobre de quem partiu a decisão não foram conclusivas.

    Entre os meses de setembro e final de dezembro de 2020, o governo federal distribuiu 482 mil doses do medicamento para tratar pacientes em estado grave de Covid-19. Após a publicação de vários estudos, é consenso na comunidade científica de que a cloroquina é ineficaz no tratamento da doença.

    Segundo consta no documento, durante as verificações sobre as licitações de cloroquina vencidas pela Sulminas, descobriu-se que a empresa participou de certames de forma irregular.

    O relatório mostra que a Sulminas se apresentava como uma empresa de pequeno porte (EPP), mas que seu faturamento era superior ao teto para esse enquadramento – R$ 3,6 milhões ao ano até 2017 e R$ 4,8 milhões a partir de 2018. Além disso, entre os sócios da empresa, constam pessoas que possuem mais de 90% de participação em empresas de maior porte jurídico, o que também impediria a Sulminas de ser beneficiada com o regime jurídico diferenciado.

    A conclusão do relatório é de que são robustos os indícios de fraude por parte da Sulminas nas 26 licitações das quais participou para fornecimento de Cloroquina, pois a empresa se apresentou com regime jurídico inadequado e, por vezes, participou de certames exclusivos para EPPs, o que pode ter causado prejuízos às demais empresas participantes das licitações.

    Como essas descobertas não dizem respeito ao eixo central das apurações do TCU, os técnicos recomendaram a criação de um novo processo para tratar do assunto em separado.

    Responsabilidade

    Segundo consta no relatório, os objetivos centrais da apuração do TCU são: identificar se houve superfaturamento nas licitações; verificar se houve risco ou prejuízo em aumentar a produção de cloroquina em 84 vezes em comparação ao período pré-pandemia, sem haver comprovação científica do uso do medicamento para a Covid-19 e averiguar se o presidente foi diretamente responsável pelo aumento na produção.

    Para os técnicos, como as diligências não foram completamente atendidas, não é possível responder a essas perguntas. O relatório menciona entre as perguntas pendentes de resposta aquela que determinaria quem autorizou o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19.

    Veja íntegra do trecho:

    “No caso de utilização dessa produção de cloroquina no combate à Covid-19, quem demandou e autorizou esse uso, apresentando os respectivos documentos, com dados do agente público (nome, CPF e cargo)”.

    “Não foi respondida objetivamente. Desta forma, propõe-se reiterar diligência ao Ministério da Saúde quanto ao presente item”.

    Além disso, o documento cita necessidade de aguardar a conclusão de outra apuração em curso, que definirá se houve irregularidade na decisão do Ministério da Saúde em alterar o protocolo de prescrição da hidroxicloroquina, indicando-a como tratamento de Covid-19, visto que apenas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) poderia alterar a indicação de prescrição de um medicamento para uso diferente daquele informado em bula.

    Rota da cloroquina

    Em setembro de 2020, a CNN iniciou uma série de reportagens que revelou com exclusividade como o Exército pagou quase o triplo do valor pelo insumo da cloroquina. Na época, o Laboratório não contestou formalmente esse aumento no preço e só cobrou explicações por escrito à empresa depois de a compra, já finalizada, ter virado alvo de uma investigação no TCU.

    No mês seguinte, a reportagem mostrou como o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEX) prosseguiu com a compra de insumos para a fabricação de cloroquina mesmo sem ter resposta para diversos questionamentos feitos internamente por seu departamento jurídico sobre o preço inflado do produto. E em seguida, o fato do Exército ter procurado o grupo Sul Minas, responsável pela venda de insumos para fabricação de cloroquina, quase um mês antes em relação à única concorrente a participar da disputa e antes da formalização de qualquer processo público de consulta de preços.

    Com o avanço dos estudos reforçando que o remédio tem ineficácia cientificamente comprovada contra o novo coronavírus, a CNN seguiu monitorando os mais de 3,2 milhões de comprimidos feitos, depois do presidente Jair Bolsonaro ter determinado à corporação que o produzisse para combate à Covid-19.

    No início de fevereiro, o Exército informou ainda ter cerca de 83 mil comprimidos do medicamento guardados com validade até junho de deste ano. Segundo a corporação, desde o final do ano passado, cerca de 8 mil comprimidos produzidos no LQFEx foram distribuídos para Organizações Militares do Exército e cerca de 200 mil foram enviados para a Defesa Civil do Estado do Paraná.

    Em nota, a Sulminas informa que todos os documentos das licitações são públicos e estão disponíveis no portal da Transparência. A empresa afirma que os insumos vendidos ao exército estavam dentro dos valores de mercado praticados à época, e que todas os certames das quais participou contaram com amplo conhecimento e participação pública.

    Além disso, a Sulminas afirma que o porte da empresa está adequado ao simples nacional, e apta a participar de licitações como empresa de pequeno porte e que todos os certames das quais participou e foi vencedora foram homologadas pelos órgãos competentes, com valores adequados e que cumpriu todas as exigências de qualidade e de documentação.

    A reportagem aguarda um posicionamento do Exército e do Ministério da Saúde.